Retrospectiva 2024: Lei Cortez, regulamentação da PNLE e Retratos da Leitura marcaram o ano
PublishNews, Guilherme Sobota, 23/12/2024
Projeto de Lei que regulamenta descontos em livrarias aguarda discussão no Plenário do Senado; Pesquisa que mede índices de leitura no Brasil apontou perda de leitores

Mercado editorial brasileiro tem robusto arcabouço de dados provenientes de pesquisas | © Beatriz Sardinha / PublishNews
Mercado editorial brasileiro tem robusto arcabouço de dados provenientes de pesquisas | © Beatriz Sardinha / PublishNews
Em 2024, um dos temas no centro das preocupações do mercado editorial brasileiro foi a Lei Cortez. Fruto (ainda) de muitos mal-entendidos inclusive para leitores e pessoas próximas ao cenário literário, a Lei ganhou nos últimos anos apoio maciço das entidades do livro e das principais lideranças do setor. Em outubro, ela foi aprovada na Comissão de Educação do Senado, depois de ter sido desarquivada em maio de 2023. Existia a expectativa de que ela fosse diretamente para a Câmara, mas houve resistência de senadores, especialmente do campo mais à direita, e um requerimento obrigou o PLS 49/2015 a ser levado para o Plenário do Senado. O Projeto atualmente aguarda inclusão na Ordem do Dia.

O projeto institui uma política de incentivo ao mercado editorial e livreiro, regulamentando os descontos durante o primeiro ano de "lançamentos editoriais comerciais". Basicamente, a Lei prevê que nos primeiros 12 meses do livro ele possa ter um desconto máximo de 10%, sobre o preço de capa definido pela editora, medida que contribuiria para a bibliodiversidade e seria um auxílio para as livrarias na competição com players internacionais, por exemplo. Livros lançados há mais de 12 meses – ou seja, o catálogo das editoras, que corresponde a 93% dos títulos vendidos no varejo brasileiro em 2023 – não seriam afetados pela nova política.

Também em outubro, o PublishNews entrou em contato com livreiros independentes de algumas cidades para medir a temperatura. O potencial de proteção às livrarias físicas e a bibliodiversidade são os principais fatores que unem os entrevistados, todos favoráveis à entrada em vigor da nova legislação.

"O ano de 2024 foi marcado pela mobilização incansável da indústria editorial brasileira pela aprovação da Lei Cortez. E, felizmente, temos muitas razões para otimismo e comemorações: o debate sobre a lei nunca foi tão intenso e tão presente; o PLS 49/2015 foi aprovado em outubro pela Comissão de Educação do Senado; a partir do ano que vem, estaremos levando nossa luta para a Câmara do Deputados", aposta o presidente da Associação Nacional de Livrarias, Alexandre Martins Fontes. "A Lei Cortez não é o fim de uma jornada. Ela é mais um passo na direção da tão necessária e desejada democratização do acesso à leitura em nosso país".

Pesquisas

2024 foi também ano de divulgação da sexta edição da Pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro a cada quatro anos. A Pesquisa chegou com a informação de que, nos últimos quatro anos, houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país. Pela primeira vez na série histórica da pesquisa, a proporção de não-leitores foi maior do que a de leitores na população brasileira: 53% das pessoas não leram nem parte de um livro – impresso ou digital – de qualquer gênero, incluindo didáticos, bíblia e religiosos, nos três meses anteriores à pesquisa.

Especialistas consultados pelo PublishNews apontaram alguns desafios evidenciados pelos números: reverter o declínio da prática de leitura em sala de aula, tornar os livros mais acessíveis e pensar coletivamente o caráter socioeconômico da leitura, entre outros.

Estante na Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, na Zona Sul de São Paulo | © Paulo Pinto/Agência Brasil
Estante na Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, na Zona Sul de São Paulo | © Paulo Pinto/Agência Brasil
O subdiretor geral do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e o Caribe (Cerlalc-Unesco), Francisco Thaine, elogiou a qualidade da pesquisa brasileira. Sem um tom alarmista, ele afirmou que esta edição da Retratos reflete um padrão comum na maioria dos países latinoamericanos: o decréscimo nos números das pessoas que se declaram leitoras e da quantidade de livros lidos em média. “Creio que essas tendências podem ser lidas como signo de transformações mais profundas na cultura contemporânea e nos mecanismos de circulação e apropriação do conhecimento, fenômenos que devemos seguir estudando”.

Ele ressaltou também a necessidade de união em torno do tema. “Acredito que seja indispensável que pesquisadores, funcionários públicos, bibliotecários, professores e editoras estudemos em detalhe o que nos dizem estes dados e os cruzemos com a realidade sociocultural do país”, afirma.

Um dos destaques da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro – Ano Base 2023, divulgada em maio, foi o crescimento geral do canal de vendas “site próprio/marketplace” – ou seja, as vendas diretas das editoras para os leitores/consumidores. Pela primeira vez, o canal apareceu entre os cinco mais importantes: atrás de livrarias exclusivamente virtuais, livrarias, distribuidores e escolas. As editoras de didáticos (15,7% do faturamento vem dessa venda) e de livros CTP (10,9%) são as casas em que o site próprio tem mais destaque: o efeito é menor no subsetor de Obras Gerais (1,3% do faturamento).

Em 2023, o setor editorial brasileiro registrou um faturamento de R$ 4 bilhões nas vendas ao mercado, o que representou recuo nominal de 0,8% em comparação com o ano anterior. Em volume, a quantidade de exemplares vendidos caiu 8%. A Pesquisa avalia a produção e as vendas das editoras – que respondem ao questionário da Nielsen BookData, encomendado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).

O PublishNews detalhou os aspectos principais da Pesquisa separados entre os quatro subsetores: obras gerais, didáticos, religiosos e CTP.

Este ano também marcou a quinta edição da Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro: nesse período, o faturamento das editoras com o conteúdo digital apresentou crescimento de 158% em termos reais – e em relação a 2022 o faturamento teve crescimento real de 33%. Segundo a Pesquisa, o conteúdo digital – e-books e audiolivros – representa 8% do faturamento total das editoras. O crescimento do digital foi fundamentalmente puxado pelo desempenho das plataformas educacionais e bibliotecas virtuais, que registraram alta nominal de 68% e 59%, respectivamente.

Para janeiro de 2025, é esperada a divulgação de uma nova edição do Panorama do Consumo de Livros no Brasil.

Já o Painel do Varejo de Livros no Brasil aponta para um ano com números positivos. Seguindo a tendência dos meses anteriores e com o reforço da Black Friday, o 12º Painel do Varejo de Livros no Brasil – mais recente edição do estudo realizado pela Nielsen Book e divulgado mensalmente pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL) – apresentou resultados positivos tanto em volume quanto em faturamento. “As contínuas vendas em alta demonstram que a trajetória negativa, que já acumula uma certa história, parece estar mudando”, apontou Dante Cid, presidente do SNEL, que vê com otimismo o futuro no curto prazo.

Políticas

Presidente Lula assina a regulamentação da PNLE na abertura da Bienal | © Paulo Pinto/Agência Brasil
Presidente Lula assina a regulamentação da PNLE na abertura da Bienal | © Paulo Pinto/Agência Brasil
No campo das políticas públicas do livro, o ano ficou marcado pela assinatura do decreto que regulamenta a Política Nacional de Leitura e Escrita (Lei 13.696, de 12 de julho de 2018), por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A PNLE prevê o fortalecimento de ações integradas entre o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Cultura (MinC) para fomento da leitura, como o PNLD. A regulamentação também trata da construção de um novo Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL). Atualmente, não há PNLL em vigência no Brasil. De acordo com o governo, o próximo plano decenal, que vai vigorar entre 2025 e 2034, será construído a partir de discussões e escutas qualificadas da sociedade civil em todo o País. A assinatura ocorreu na abertura da Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

No evento também foi assinado um Protocolo de Intenções entre o Ministério das Cidades e o Ministério da Cultura para a implementação de salas para bibliotecas em empreendimentos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo o governo, serão implementadas 1,5 mil bibliotecas, com entregas previstas a partir do segundo semestre de 2025 até o fim de 2026. Cada unidade terá cerca de 500 livros (750 mil livros no total), selecionados pelo PNLD Literário.

Memória

Dalton Trevisan (1925-2024) | © Derson Trevisan / Acervo pessoal
Dalton Trevisan (1925-2024) | © Derson Trevisan / Acervo pessoal
O ano também foi marcado pela morte de figuras importantes para o mercado editorial brasileiro e global. Neste mês de dezembro, morreu em Curitiba (PR) aos 99 anos o escritor Dalton Trevisan, um dos mais importantes autores da literatura brasileira, vencedor do Prêmio Camões em 2012. Neste último fim de semana, o mercado lusófono recebeu a notícia trágica da morte de Pedro Sobral, editor português diretor do Grupo Leya e da Associação Portuguesa de Editores de Livros (Apel). Em abril, o Brasil também lamentou a morte de Ziraldo, aos 91 anos.

Outras personalidades que partiram esse ano foram o livreiro Pedro Herz, a escritora Márcia Denser, o autor Márcio Souza, o poeta e filósofo Antonio Cícero, a crítica cultural argentina Beatriz Sarlo e o crítico literário Fredric Jameson.

No setor editorial brasileiro, nomes queridos do mercado também partiram, como o vendedor da Loyola, Sergio Pereira, o livreiro Messias Antonio Coelho, fundador do Sebo do Messias, e a livreira e sócia da Livraria da Travessa, Nika Monteiro.

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[23/12/2024 09:30:00]