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Como salvar o mercado editorial: sobre os fomentos para a formação de mais leitores
PublishNews, Pedro Almeida, 29/07/2015
“Queremos aumentar o acesso das pessoas à cultura de livros, mas nossos esforços: imprensa, festivais, prêmios continuam focados apenas no mercado que já existe”

Diálogo de um filme:

“A receita de um romance comercial? Uma fórmula fixa: Um casal com química. Encontros casuais, forçados, ridículos. Desses que acontecem como por mágica. Nós assistimos a cena e não entendemos nada. Na vida real eles jamais se olhariam. Mas é o gênero (do romanção) que manda e tudo deixa de ter sentido, o mundo e o romance. Acrescente personagens pitorescos, violinos nas cenas românticas e um desencontro causado por um mal-entendido. Não se esquecer da chuva, muita chuva. No fim, uma corrida. Não sabemos por que nem para quê. E claro, um monólogo de uma declaração, perfeito para o óbvio happy end. Tudo para alcançar o final, com um beijo longo e melado. ”

Assim, o personagem central de O crítico explica para uma jovem que o que ela gosta é um ruim. Trata-se de um delicioso filme argentino que consegue juntar um personagem de nicho numa película comercial. E nem precisou ter Ricardo Darín no elenco.

O filme conta a história de um crítico de cinema típico, focado em aspectos estilísticos da Sétima Arte, ver sua vida se transformar no seu pior pesadelo: um romance típico dos filmes que mais odeia. Carregado de clichês.

Há várias cenas para destacar, diálogos cínicos, cortantes, inteligentes, e separo uma, quando ele recebe um ultimato de seu editor, no jornal em que publica suas críticas: “há três semanas você vem surrando esta distribuidora de filmes. Este aqui é um filme para assistir comendo pipocas. Que mal pode fazer?” Ele responde: “FAZ MAL AO BOM GOSTO DESTE PAÍS!” O Editor responde: “você é um terrorista do gosto! A última vez que você deu cinco estrelas foi há 20 anos. E nós festejamos como se fosse feriado nacional ”.

Enfim, eu me diverti muito e não pude parar de pensar em quando vamos ter filmes brasileiros com temas universais (fora do trio violência/palavrão/miséria). Quem não assistiu, acho que é uma ótima pedida. Ele tem muito humor enquanto faz a crítica. Todo mundo se traveste de seus personagens sociais. Alguns ultrapassam uma barreira e transformam sua vida no personagem. Mas quando confrontados com a vida, ninguém está acima de sua própria humanidade. No filme se pode enxergar o que acontece quando uma pessoa se torna escrava de suas próprias crenças. E as crenças que criam a sua vida. Pode ser uma religião, um estilo de vida, o círculo social (a turma da maromba, punk ou de cinéfilos). Qualquer fator externo pode criar isso. E é falso.

Me valho deste filme para comentar alguns avanços que tenho assistido no mercado editorial.

Quando escrevi, há mais de quatro anos o artigo, Precisa-se de novos críticos literários, indicando a falta de espaço nos jornais e revistas, e de críticos habilitados para escrever sobre livros não literários (infantil, juvenil, literatura policial, thriller, etc.), obras que não se enquadram na chamada alta literatura, naquela época não havia gente escrevendo sobre literatura comercial e de nichos nos grandes veículos. Mas algo vem mudando. Desde o início deste ano, temos em O Globo, Raphael Montes, o principal “produto” deste novo mercado mais aberto, jovem autor de romances policiais de sucesso, e que surge meio que como um bandeirante, conquistando espaços e cada vez mais leitores. Paula Pimenta, autora bastante conhecida, que desbancou estrangeiros do posto mais almejado por semanas neste mês de Junho, a lista de mais vendidos de ficção. Desde 2013, ela também passou a ter uma coluna em que comenta livros na Revista Veja. Danilo Venticinque, que até setembro está de licença da Revista Época para mestrado na Inglaterra, é um dos jornalistas focados em literatura que aborda os preconceitos de nosso mercado num veículo grande. E estes são apenas três exemplos, mas que tem sido frequentes em outros jornais e revistas, impressos e on line, por todo o país.

Há outras frentes que ainda não acordaram para este novo Brasil, que repete cotidianamente a ladainha de que quer se tornar mais educado = leitor. As festas e os prêmios literários.

As festas e festivais, salvo raras exceções, continuam tratando a literatura comercial com pouco apreço. Quando convidam algum autor parece um tipo de mea culpa ou agulha num palheiro. Os autores aparecem como exceção, perdido num meio de intelectuais, mais que de grandes ficcionistas. Acha que estou exagerando? Veja as listas de presenças das festas literárias por todo o país.

Os prêmios, esses continuam com ouvidos moucos, ignorando a imensa produção de literatura sobre gêneros como policial, jovem adulto, novo adulto, terror, suspense, fantasia, aventura, ficção científica.

Decidi escrever sobre esse assunto depois de ver no resultado do Prêmio SESC de Literatura, que contemplou apenas duas categorias, Contos e Romance. Com o resultado divulgado, em apenas uma semana, quase 70 comentários dos leitores irritados. Claro que é simples de imaginar que todos aqueles que não ganharam possam ficar irritados. E o fato de o SESC abrir em sua página espaço para receber críticas seja uma postura bastante corajosa e de transparência. Mas lendo o que as pessoas escreveram percebi que estavam descontentes também por outras coisas. E não só por causa do prêmio SESC, mas uma espécie de descontentamento com os outros em todo o país. Um prêmio nacional literário que abrange apenas Contos e Romance já é bastante restrito. Mas vi na reclamação dos leitores outros detalhes: que gênero de contos e romances se pretendia selecionar? Isso parecia não estar claro para os participantes. Vamos a um exemplo: imaginemos um dia que tenhamos um prêmio para livro policial. No Brasil, um Robert Ludlum, de A trilogia Bourne ou um Ian Fleming, de James Bond, jamais ganhariam um prêmio por aqui. Mesmo em gêneros “comerciais”, quem ganharia seriam os autores literários, aqueles que fazem de um livro policial se tornar uma peça de alta literatura, (não importa se é chato, ou fraco na ação ou trama). E foi um tanto disso que observei na reclamação dos leitores. Para eles o Prêmio escolheu os textos por critérios exclusivamente literários, aqueles que são distinguidos mais pela forma. Vale citar que originalidade, ritmo, timing, tema, drama psicológico são algumas das dezenas de atributos que um conto ou romance pode conter. Quem tiver curiosidade, veja os comentários no link abaixo.

Na época daquele artigo, uma espécie de “procura-se novos Críticos de Literatura”, fiz algumas previsões. Nada do outro mundo. Para mim apenas as consequências de um mundo em que as influências não podem ser mais impostas de cima para baixo, e isso inclui o consumo de literaturas. Dizia que suplementos literários diversos iriam fechar, por continuarem se comunicando com um público pequeno, e que feiras de livros voltadas para os mercados marginalizados como o jovem, o geek e nerd iriam surgir mais fortes, talvez esvaziando a força das grandes feiras. Ambas as previsões aconteceram. Só para dar um exemplo das feiras, uma delas, a ComicCon, ocorrida em SP no ano passado, tinha ingresso individual de R$ 120 e foi um enorme sucesso enquanto todos os anos se reclama do preço do ingresso de R$ 13 da Bienal do Livro. Na época do artigo, percebi que algumas pessoas ficaram irritadas com as previsões. Mas o que fazia não era uma torcida, mas um alerta. Esse movimento de público está acontecendo e as instituições e empresas que souberem se comunicar melhor com o público terão melhores resultados.

Essa ideia de que se deve premiar e valorizar apenas a excelência literária está tão arraigada em nosso meio que muitas vezes as pessoas concordam com a ideia de dar mais abertura para outros projetos menos literários mas acabam não percebendo que esta ideia persiste em outras áreas. Veja, por exemplo, os incentivos para a publicação no Brasil e para os programas de apoio à tradução. Estes continuam sendo destinados aos livros e gêneros essencialmente literários. E onde está o problema? Se há poucos críticos na imprensa aptos a resenhar livros comerciais, adultos ou juvenis, e o mesmo ocorre nos casos de prêmios literários, quem dirá o que acontece na maior parte do que se escolhe para acervo das bibliotecas, na decisão do que merece apoio de tradução no exterior, etc. Ou seja, não adianta abrir um prêmio para livro policial ou decidir que passaremos a incluir livros juvenis nas compras de bibliotecas sem saber o que jovem quer ler. Senão, por modo automático, vamos continuar a premiar apenas autores de policial consagrados nos cadernos de cultura e lidos pelos mesmos de sempre e a selecionar obras apenas de Pedro Bandeira e Ruth Rocha. E o que se queria, promover mais a leitura, se perde.

Nós desejamos tanto a ampliação da cultura, da leitura, mas batemos sempre na mesma tecla. E este é o tema principal que quis tratar aqui: queremos aumentar o acesso das pessoas à cultura de livros, mas nossos esforços: imprensa, festivais, prêmios continuam focados apenas no mercado que já existe. Não mudamos quase nada nessa forma de olhar. Mas o mercado mudou. O livro infantil que uma criança recebia na infância 30 anos atrás era indicado pela escola ou escolhido pelos seus pais. Hoje não é mais assim. Muitos, como eu, tiveram acesso à cultura por um esforço muito pessoal, pois não havia facilidades para nós 30 anos antes. Mas não precisa ser assim. Até porque os garotos e os adolescentes de hoje decidem o que é bom para eles, muitas vezes em grupo, sem a mesma influência do mundo adulto. O desafio agora não é forçá-los a ler o que queremos, mas quebrar nossos paradigmas e oferecer mais opções contemporâneas. Ou seja, somos nós que precisamos mudar a forma de conduzir este assunto.

Dia desses lia um artigo que falava da necessidade de apostar na criatividade do brasileiro para lidar com o momento de crise que estamos atravessando. Para o setor editorial, aumentar o número de leitores sempre me parece a melhor saída dentre todas as discussões que estamos fazendo recentemente.

No entanto, justamente setores não diretamente ligados à própria indústria do livro e à cadeia de educação é que reagiram rapidamente e lógico que foi por motivos de mercado, porque querem ter mais leitores. Jornais e revistas inserindo a divulgação de autores e literatura comercial em seus espaços foi uma ótima reação. Mas é só o começo, ainda não há resenhas.

Falta agora que as compras governamentais, que as compras para bibliotecas pensem nesse público e incluam mais livros que os jovens querem ler. Que os prêmios literários incluam os gêneros comerciais em sua premiação. Que os incentivos de tradução no exterior passem a incluir os autores comerciais brasileiros; que as feiras e festas literárias tenham mais debates com autores conectados com o grande público e não apenas espaços para autógrafos. Só assim daremos um bom passo para a educação, para a formação de novos leitores, e até mesmo para, como dizem, salvar o mercado e as livrarias.

O crítico, no filme, consegue perceber que ama uma pessoa bem diferente do que imaginou para si. Ele se permite a ter um relacionamento real, sem os preconceitos do universo social que o cercava. O novo romance surge como uma grande aventura, cheira de riscos, brega, mas com novas possibilidades. Aí terá de fazer uma escolha.

Sempre podemos aprender e mudar algo em que acreditávamos. Há crenças que envelhecem com o tempo. Quantos preconceitos decidimos não herdar dos nossos pais e avós porque pertenciam à sua época? Abrir o espaço que hoje existe para outras áreas da Literatura não é dividir o bolo que já é pequeno, mas pô-lo para assar, e deixar seu fermento fazê-lo crescer.

O filme está disponível no Telecine. Quem tem acesso ao canal, pode assistir on line, gratuitamente. Para assistir na TV é pago.

Se quiser comentar, escreva em meu blog.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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