Para falar sobre o assunto, primeiro preciso apresentar os diversos nichos do mercado de livros infantis e juvenis.
Você sabe qual é a diferença entre os romances para Jovens Adultos, conhecidos como YA (young adult), e os tradicionais livro juvenis?
Os bibliotecários no mundo e a maioria dos editores de livros dividem os livros de ficção em categorias de acordo com a idade. Os agrupamentos padrão para a maioria são:
Pré-leitor – do nascimento aos 5 anos
Infantil ou criança - de 5 a 12 anos
Juvenil ou midle grade – de 12 a 15 anos
Adolescente ou Young Adult (YA) ou Jovem adulto – de 15 a 20 anos.
Adulto jovem – de 20 a 30 anos
Adulto – mais de 30 anos
Esses critérios etários são baseados em vocabulário, interesses, tópicos, maturidade da linguagem e das experiências narradas. A diferença entre os livros juvenis e os jovens adultos (não confundir com adulto jovem!) estão nos temas, nos assuntos abordados, na linguagem e discussões mais explícitas, e também na abordagem sobre sexo, ou seja, no universo em que o leitor está inserido em seu dia a dia.
Enquanto nos Juvenis, via de regra, não deve haver menção ao uso de drogas, bebidas e temas fortes como morte, doença, suicídio, incesto e abusos, nos YA esses temas podem ser tratados e até é esperado que isso seja feito, pois fazem parte de seu cotidiano.
Há uma distinção clara também entre quem decide a compra de cada um
Os livros Juvenis, em geral, são comprados ou indicados por adultos, sejam pais (nas livrarias e pontos de varejo), professores e diretores (em escolas) ou técnicos e especialistas em pedagogia (em programas de governo). Já os livros YA são escolhidos e comprados pelos jovens, diretamente no varejo convencional, como livrarias.
A censura sobre livros YA nas escolas não começou hoje. Sempre ocorreu. Basta ver os critérios de escolhas dos programas públicos do livro, de leitura em sala de aula, etc. Para livros comprados com objetivos educacionais (em escolas, por professores, e em programas de governo, por técnicos), existe a necessidade de haver sempre um foco pedagógico, por exemplo, seguindo temas transversais orientados por cada faixa etária, como os editais públicos exigem.
Para simplificar, vamos lá:
Livros juvenis adotados em escolas e em programas públicos têm um caráter educativo. Há livros juvenis publicados especialmente para o varejo tradicional, sem objetivos de adoção pedagógica, mas no Brasil esse segmento ainda é muito restrito. Mas naqueles destinados especialmente às escolas, conter palavrões ou palavras chulas, cenas de sexo, doenças ou morte de forma realista é amplamente evitado desde sempre. Que professor quer ser acusado incitação ao ódio, violência ou exposição a palavras grosseiras, a cenas ou teor sexual ou dor ao oferecer uma leitura aos seus alunos?
Os livros YA já são completamente diferentes. A ideia não é ser pedagógico, mas sim realista, com uma linguagem mais informal para dialogar com o jovem, falar de coisas mais sérias, tristes também, de seu dia a dia, respeitando a maturidade do leitor dessa idade, que já pode lidar com esses temas sem a supervisão de um professor.
Vamos a exemplos de livros para jovens adultos:
A culpa é das estrelas (doença / câncer / morte), Jogos Vorazes (violência explícita / manipulação política), Se eu ficar (morte / perda), Juno (gravidez na adolescência), Os 13 porquês ( suicídio).
Agora vamos analisar uma lista de livros juvenis bem recomendados em escolas:
A coisa brutamontes - fala de morte, mas usando metáforas.
O cão e o curumin - traz uma história de amizade entre o cachorro e seu amigo.
O dia em que a minha vida mudou por causa de um pneu furado em Santa Rita do Passa Quatro - um livro que conta reflexões de uma menina sobre o crescer.
O menino que vendia palavras, de Ignácio de Loyola Brandão - uma história sobre o significado das palavras.
A menina que abraça o vento - conta a história de uma refugiada congolesa.
Tem sempre um diferente - história sobre o respeito à diversidade.
Diário de Pilar no Egito - livro de aventuras contemporâneo sobre viagens no estilo Julio Verne.
Com essa amostra, é possível ter uma medida do que acontece no mercado.
Decidi escrever isto depois da celeuma acerca da autora de YA ter sido desconvidada de última hora para uma feira de livros na cidade de Nova Hartz, no interior do Rio Grande do Sul. Acho ótimo o debate, mas precisamos dirigir a revolta para as causas reais. Não podemos transferir a responsabilidade do que aconteceu para o público, para as pessoas comuns, ou para a feira. Há uma engrenagem que decidiu isso muitas décadas atrás e continua decidindo o que crianças, sob o abrigo de uma escola, devem ler.
Outro dia publiquei um livro dirigido à faixa etária de 10 a 12 anos, e a profissional muito experiente, encarregada de fazer divulgação nas escolas, me disse que havia palavras lá que não poderiam constar em um livro adotado por escolas: cocô, pé no saco e uma outra bobagem.
Neste mês, um autor que publico e escreve thrillers de suspense, pôde ir a uma escola para falar na semana de literatura sobre ser escritor, mas não pôde sortear livros para as crianças. Os professores me explicaram que preferiram que os alunos interessados comprassem nas livrarias, com a concordância dos pais. Bastaria um pai de aluno incomodado por seu filho voltar para casa, com um livro que considerasse forte, para a direção da escola decidir acabar com a visita de autores semelhantes nas semanas de literatura.
O que podemos fazer?
Nós precisamos direcionar nossa indignação para os lugares certos: programas públicos de avaliação de obras, programas de incentivo à leitura, bibliotecas, professores, diretores de escolas e pais. Precisamos demonstrar aos pais que não é um livro com algumas palavras chulas que irá deformar o caráter de seus filhos, já que elas são ouvidas pelas crianças o tempo todo na TV e rádio, nos intervalos comerciais, no cinema, nas ruas, e na internet e redes sociais. Não seria especificamente no livro, que essas palavras, fariam o mal. E, mais importante, que livros apenas de “conto de fadas”, onde tudo é somente ou bom ou mal, sem muitos sobressaltos, não educam jovens para a maturidade. E talvez os tornem tolos, ingênuos e despreparados para o mundo real.
Mas somos nós, da imprensa, do mercado editorial, dos programas de bibliotecas e de livros paradidáticos, e de escolas privadas, que devemos dar o primeiro passo no sentido de mudar esse quadro. É arriscado, sabemos. Uma editora pioneira, ao fazer isso, pode ter seu livro rejeitado e sua edição trazer prejuízos; uma escola pode ser nomeada numa manchete negativa em um jornal; uma premiação de livro juvenil mais ousado pode sofrer ataques nas redes sociais, boicotes e até manifesto; uma feira do livro pode ser criticada. Sim, isso tudo pode acontecer. Na verdade, esse último caso acaba de acontecer. Só não podemos criticar um caso, como o da autora desconvidada da feira, sem compreender que o problema não é novo, porque não é justo. Cabe especialmente a quem tem informação fazer sua pequena parte para que isso mude. Já pararam para pensar que foram algumas pessoas ousadas que tentaram levar esse livro e essa autora ao evento e agora, todos nós, com a intenção de lutar pela liberdade, estamos justamente intimidando outras pessoas, curadores, professores a tentarem o mesmo feito? Criticar, apenas, não é o caminho.
Mas há outra questão me parece mais preocupante. Para um livro ser aceito com propósitos pedagógicos numa sala de aula, há tantos preceitos, recomendações sobre sutilezas, desde as imagens que se usa, paridade entre gêneros, raças, usos de vocabulários, lições educativas, etc. que uma questão muito relevante não é priorizada: estes livros agradam aos jovens em formação enquanto leitores? Ou não prendem a atenção deles, a ponto que raramente são recebidos com entusiasmo pelos jovens e apenas os alunos mais submissos, decoradores, obedientes, ou que entendem que, não importa sua opinião, sabem o que deve ser dito/respondido nas provas para serem aprovados. Se isso acontece é uma receita do fracasso: perdemos com a falta de interesse dos alunos pela leitura; perdemos por validar um processo que não é estimulante para a maioria dos alunos e perdemos por ensinar aos mais perspicazes que o cinismo é a boa aptidão para vencer no mundo. E continuaremos a culpar os motivos errados cada vez que um fato como este tornar a acontecer.
Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.
Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews
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