Todos os anos, cerca de 350 nomes de autores são indicados para a avaliação dos membros da academia, da qual sai uma seleção de 20 nomes, e depois uma nova fase onde chegam a 5 nomes e, dentre estes, será vencedor aquele que obtiver mais da metade dos votos. Como já houve casos em que a academia ficou dividida entre dois nomes, uma votação entre os dois sela a vitória.
O escritor laureado levará para casa, além da medalha de ouro e o diploma em papel - entregue pelo Rei da Suécia - 9 milhões de coroas suecas, o que equivale a aproximadamente R$ 4,5 milhões. Não é pouco.
O valor é pago pela Fundação Nobel que também concede prêmios em outras áreas como: Química, Física, Medicina ou Fisiologia e Paz. Há um prêmio em Economia, mas não é considerado como Nobel, apenas uma homenagem ao seu idealizador - Alfred Nobel.
Todos os prêmios são entregues em Estocolmo, no dia 10 de dezembro de cada ano, com exceção do prêmio da Paz* que é concedido pelo Comitê Norueguês do Nobel, em Oslo.
A França já foi contemplada com 15 escritores laureados. EUA e Inglaterra tiveram a honra 11 vezes. Os nossos vizinhos sul-americanos: Chile, Peru e Colômbia já sentiram a alegria de comemorar o Prêmio Nobel de Literatura. E, em 1998, José Saramago foi laureado com o Nobel, o primeiro a dado para algum escritor do idioma português.
A pergunta que todo leitor brasileiro se faz é: por que o Brasil nunca recebeu um Prêmio Nobel se todos os anos vários escritores brasileiros são indicados?
Tenho investigado o assunto há algum tempo com o intuito de discutir sobre as nossas chances de um dia ter um brasileiro ganhador do prêmio de Literatura. O que falta para o Brasil chegar lá, até à Academia? Reuni minhas pesquisas para tentar contemplar o que poderia ser um planejamento estratégico de todos aqueles que desejam ver isso se tornar realidade.
Sobre a revelação antecipada da indicação - De tempos em tempos, alguns grupos relacionados ao livro divulgam na imprensa a tentativa de promover ou inscrever um nome nacional para concorrer ao Nobel de Literatura. O erro tem início aí. A Academia Sueca tem por princípio, e está expresso no regulamento, excluir qualquer candidato se há uma campanha pública em seu nome. Divulgar uma proposição já desclassifica. Recentemente, houve campanhas públicas para a indicação dos nomes de Carlos Nejar e Lygia Fagundes Teles e isto já as tornaria inválidas.
Nome de consenso – Essa será a parte mais difícil, diria impossível. Se quisermos ter um Nobel de Literatura será preciso desarticular qualquer pessoa que se arvore contra uma indicação de brasileiro, pois isso já derrubou várias indicações no passado. Embora estejamos num momento de extrema polarização política, o ambiente das Letras sempre foi especialista nessas artes: da intriga e difamação. O Brasil é reconhecido no exterior como o país em que há divisões mais radicais. Sempre que alguém é indicado, um grupo barulhento, que tem outros candidatos, tenta denegrir a obra para que aquele brasileiro não ganhe. Preferem que um brasileiro saia do páreo que alguém que não é de sua preferência corra o risco de vencer.
Não sou eu quem está dizendo. Ozires Silva, que foi ministro da infraestrutura e fundador da Embraer, sempre se perguntava por que não havia um prêmio a algum brasileiro. Certa vez, estando num jantar na Academia Sueca, ele se viu diante da oportunidade de fazer a pergunta a três pessoas do comitê que indica os candidatos, e disparou: “Porque vocês nunca deram o prêmio a um brasileiro?”. Eles não responderam na hora, mas, próximo ao final do jantar um deles disse: “Vou responder a sua pergunta. Vocês brasileiros são destruidores de heróis. Toda vez que foi cogitado um nome brasileiro, fomos levantar a possibilidade e recebíamos muitas críticas ao nome, cartas virulentas difamando aquele nome. E isso em comparação a outros países, o Brasil sempre perdia, por divisão interna”.
Jorge Amado e Celso Furtado foram alguns dos nomes destacados no passado, mas que caíram pelos detratores. Ozires se encolheu na cadeira e eu, ao ouvir este relato dele, me recordei das inúmeras vezes em que assisti ao assassinato de reputações literárias por ciúmes, inveja, por discordância de pontos de vista ou por panelas. Realmente não valia a pena dar um prêmio a um escritor do país e ver que metade das pessoas da própria nação criticarem a escolha. Não precisamos de guerras externas porque as criamos aqui dentro.
Há uma frase que intitula o livro de Ricardo Viel, que resume o que significou para os portugueses o Nobel de Saramago: "Um país levantado em alegria". Saramago disse que durante o ano seguinte ao prêmio teve uma vida de popstar e adorou. Viajou pelo mundo para levar sua literatura. Mas marcou-lhe muito as palavras das pessoas simples em Portugal. Em vez de parabenizá-lo, elas diziam: Muito obrigado. Aquele prêmio tinha um significado pessoal para elas. Não era um prêmio apenas de Saramago, mas da língua portuguesa e dos falantes daquele país. Penso que não saberíamos aqui o significado disso.
Agora imagine no cenário atual brasileiro. Cultura e política com os nervos à flor da pele. Quantos escritores teriam condições de serem vistos da mesma forma? Poucos, mas há. Na minha opinião, nomes como Marina Colassanti, Ana Maria Machado, Pedro Bandeira, Adélia Prado, Ignácio Loyola Brandão, Bernardo Carvalho, Rubem Fonseca, entre outros... No entanto, uma premiação assim não acontece do nada. Fui pesquisar entre fontes e histórias contadas de modo informal sobre como tudo aconteceu com Saramago. O que pude concluir é que é preciso pensar a ação, com investimentos pontuais e estratégicos.
O PLANO ESTRATÉGICONão basta que as associações do livro no Brasil elejam um único nome num ano para concorrer sem alardear. É preciso dar aos estrangeiros a chance de conhecer as obras dos nossos autores. Mas como? Sem um amplo investimento em traduções, sem uma campanha para apresentar o autor e sua vasta obra? E não se trata de algo feito em poucos meses, mas um plano, como o que foi posto em prática por Portugal muitos anos antes. Traduzir as obras, encaminhar ao comitê, convidar integrantes a conhecer a repercussão da obra do escritor em seu país. Enfim, não é algo dispendioso, mas precisa ser bem estruturado e feito com continuidade. Saramago esteve na expectativa de ganhar o prêmio várias vezes. Não foi na primeira indicação que ele venceu.
Tive a oportunidade de conversar com duas pessoas que recebem as indicações da Academia Sueca e que concordaram em responder sob condição de anonimato questões sobre o prêmio. Minha ideia foi de descobrir o que podemos fazer para que um escritor brasileiro possa ser laureado com um Nobel de Literatura.
Das minhas conversas pude extrair estas informações:
Fiz algumas perguntas a essas pessoas e as transcrevo abaixo junto com as respostas que obtive:
Você vê nomes no Brasil que poderiam ser indicados?
Sim. Há muitos. Eu já indiquei alguns mas que caíram nas fases seguintes de pesquisa. Alguns porque houve vazamento da indicação nos jornais brasileiros.
Há algo que a gente possa pensar como critérios para a escolha?
Se você observar os laureados vai perceber uma leve semelhança nos escolhidos. Os indicados passam pelo crivo de todos os membros da academia. Sua história pessoal e obra são pesquisados intensamente.
Vejo que há escolhas por aspectos particulares da arte, criados ou bem desenvolvidos pelos premiados. Eu observo as semelhanças, mas também uma mudança no decorrer dos anos. Por exemplo, uma escolha e o resultado dela - a sua repercussão - pode confirmar ou alterar um caminho?
Sim.
Você acha que há interesse em prestigiar as questões multiculturais, a diversidade?
Creio que sim. O conselho é composto de muitos jurados e não há uma única inclinação, mas percebo um interesse de tornar o prêmio também um farol, que seja mais inclusivo para outros continentes, que mostre as diversas vozes do mundo; mas a literatura, a arte literária, continua sendo o mais importante.
Volto ao tema da tradução e não me refiro à necessidade do livro estar traduzido para o sueco. Não faz muito sentido um prêmio de alcance mundial ser concedido a um escritor cuja obra é encontrada apenas em seu próprio país. A premiação promove o desejo de conhecer a obra do autor e, sem traduções, ela não alcançaria, de pronto, os leitores além de suas terras. Isto não é algo que a academia também observa? Se quem eles vão premiar também pode ser lido por outros povos do mundo?
Como regra, isto não é importante. No entanto, os premiados das últimas décadas são todos escritores que já eram publicados internacionalmente.
Quais são as chances de um escritor brasileiro ganhar um prêmio Nobel de Literatura?
Vejo como grandes. É uma nação importante, com muitos escritores e ainda pouco descoberta. Se evitar os alardes populares, das inscrições comentadas publicamente e as rixas literárias, que até hoje derrubaram brasileiros indicados, pode ocorrer em breve.
Saí dessas conversas um tanto animado. Gosto muito de reler o discurso de Ana Maria Machado em Frankfurt, por ocasião do ano em que a feira homenageava o Brasil. Penso que precisamos resgatar algo em nossa Literatura que traduza mais o que temos de melhor.
(...) o Brasil não é considerado um país literário – diferente de alguns de seus vizinhos. Os estereótipos que se colam aos olhares lançados sobre nós se voltam muito mais para a cultura daquilo que é imediatamente apreensível pelos sentidos - o corpo. Mas um corpo em que o cérebro costuma ser esquecido, como se não tivéssemos espírito, na celebração da dança, da música, do futebol, da capoeira e outros esportes, da sensualidade, das peles bronzeadas que se exibem nas praias, do carnaval, dos sabores da caipirinha. Mas os brasileiros são muito mais do que isso (...) dos diversos aportes dolorosamente transplantados da África em porões de navios carregados de escravos, da bagagem acumulada e trazida por imigrantes europeus, asiáticos, e do Oriente Médio, de variadas origens – todos colaborando para moldar uma forma única de nos expressarmos, capaz de dar uma contribuição enriquecedora para todas as nações.
Assim, o que lhes trazemos é um convite a mergulhar nas águas desta multiplicidade, desta identidade aberta, feita de diálogos e cruzamentos culturais. Em vez de cordilheiras e vulcões, águas. Um ambiente líquido, que escorre, flui, se derrama, cria ondas, redemoinhos, vórtices, enche e vaza com a maré e nunca se deixa apreender em um único golpe de mão. E na soma que nos damos a conhecer, feitos de tantas diferenças, mas unidos por um conjunto de relações. Agora, cabe apenas uma advertência: não venham procurar o exotismo e o pitoresco, nem a se dar por satisfeitos com a denúncia automática dos óbvios problemas, repetidoras de clichês. Procurem ir além da mera confirmação de estereótipos simplificadores. A literatura que se faz no Brasil tem muito mais a lhes oferecer - em sua variedade de protótipos, sua inquietação, sua inovação formal, sua inquietação, seus variados registros de diálogo irônico com o cânone em piscadelas literárias de todo tipo, das mais refinadas e sutis às mais divertidas e escrachadas paródias, pastiches, intertextualidades.
Que venha um Nobel! Boa sorte para todos nós!
Este artigo encerra uma série de quatro artigos que decidi escrever sobre internacionalização da nossa Literatura: O primeiro foi sobre Como fazer o Português ter importância econômica?, o segundo Soft Power - O poder de influência de um país no mundo, o terceiro A falta que faz um Instituto de Cultura Brasileira no exterior, e este.
Mande críticas, sugestões e comentários. Ficarei feliz em receber.
*Trata-se de um acordo entre as nações-irmãs, pois a Noruega e a Suécia foram, por um curto período, um reino unido sob direção de um único monarca.
** Com colaboração (e traduções das pesquisas em Sueco e Norueguês) de Zia Stuhaug, escritora.
Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.
Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews
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