No campo das políticas internacionais, todo país tem seu valor relacionado a algumas moedas de poder. Elas criam um tipo de hierarquia da importância / imagem do país no cenário mundial e, quanto mais positiva imagem, ela tem reflexo benéfico na qualidade de vida de sua população, renda, IDH etc. Isto porque uma boa imagem atrai direta e indiretamente diversas ações favoráveis, com consequências na economia do país.
Em geral, os cientistas políticos consideram duas moedas de influência no mundo: o hard power e o soft power. A primeira, antiga e bastante conhecida, se dá pelo exercício do poder econômico e bélico. É pelo uso da força, da coerção, do mercado, um tipo de dominação comum em toda a história do mundo. Já o soft power é o poder da influência sutil, do convencimento, do way of life, do imaginário dos demais povos sobre o nosso povo ou país.
Um exemplo do soft power brasileiro é a imagem de um povo alegre, festeiro, de bem com a vida. Um estilo leve, que usa sandálias Havaianas e raramente se estressa. Muitos estrangeiros que nunca vieram ao país imaginam que todos os brasileiros vivem num lugar como a praia de Copacabana, relaxando ao sol, dançando samba ou outro ritmo sensual. É um estereótipo? Sim, mas esse até que é positivo, pois atrai o turismo ao vender alegria, natureza e relax. Há um outro bastante negativo, tão ou mais divulgado nos últimos anos, o da violência, da corrupção, do país exportador de imigrante clandestino para a América do Norte e Europa.
Um soft power é uma ferramenta também utilizada em guerras e disputas por supremacia. Um meio conhecido dos EUA para espalhar seu soft power pelo mundo sempre foi o cinema. Napoleão dizia que a História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo. Por décadas o cinema norte-americano escolheu para inimigos, ora os alemães, ora os russos, e seus vizinhos, mexicanos, todos eles eram retratados como bandidos nos filmes produzidos lá e enviados ao mundo. Ao mesmo tempo, esses mesmos filmes propagavam seus valores como a liberdade, o consumo, a sua política internacional, e assim se estabeleceu como um modelo capaz de encabeçar as grandes decisões políticas no planeta.
O soft power não é necessariamente verdade e temos exemplos recentes relacionados ao Brasil. Veja como na década passada o Brasil pareceu ao mundo uma terra de oportunidades. Conseguiu, de uma tacada, ser escolhido para sede de Copa do Mundo e Olimpíada. O pré-sal apontava o país como um futuro superprodutor de petróleo. E Eike Batista era o empresário modelo do país. Está claro, portanto, o que é o poder de uma boa propaganda.
Mas como qualquer campanha falsa de marketing, uma mentira não se sustenta e uma hora cai.
Mas temos outras prioridades...
Não há como fugir. Sempre haverá mensagens relacionadas com o país diretamente ligadas à sua força de comunicação. Num cenário globalizado, o poder de influência das nações se dá especialmente no conjunto de políticas internacionais. No hard power somos muito fracos, e criar guerras não parece ser a nossa vocação. Onde podemos investir? No soft power, no poder da diplomacia cultural, em influenciar o mundo a partir do que temos de melhor.
Mas daí é preciso uma mudança de mentalidade. Nesse campo temos feito algo sempre muito errado. Enquanto o Cinema dos EUA venderam (e vendem) por décadas o que têm de melhor, aos olhos estrangeiros, em seu país, nós vendemos sempre o que temos de pior, o not Power. Essa ideia parece óbvia, algo tão absurdo de pensar racionalmente, mas trouxe aqui uma propaganda para não parecer que se trata de opinião pessoal. Este vídeo, criado por empresa estrangeira durante olimpíadas, foi amplamente elogiado por aqui, e faz apologias dos nossos mais detestáveis defeitos.
Depois de assistir a ele pense que “power” estamos vendendo com essa propaganda. Pobreza, violência, desigualdade social, polícia corrupta, desobediência civil.
Somos um país que faz um excelente marketing negativo de si mesmo. Gostamos de falar de nossas mazelas ao mundo talvez esperando que o mundo nos coloque no colo e resolva nossos problemas. Nesse jogo internacional, a influência se dá nas entrelinhas. O soft power pode ser definido assim: venda o bom para fora.
Chegamos então ao tema pretendido, assunto que continuo a abordar para complementar o artigo anterior sobre internacionalização da Literatura. Há várias formas de tornar nossa influência por convencimento no mundo melhor e todas passam de alguma forma pelo idioma, pelas notícias, educação e, pela Literatura. E esta é, conforme tenho escrito, mais eficiente em diversos aspectos: não é preciso grandes investimentos; seria uma novidade, pois nossa literatura é praticamente desconhecida, e possui grandes qualidades.Temos algo muito precioso, ainda pouco explorado, que é a nossa cultura e língua. Somos um país gigante, com pouca expressão em publicações acadêmicas internacionais e com uma literatura praticamente desconhecida. Parte do problema é a língua ser tão desconhecida, a ponto de, até dez anos atrás, cerca de dois terços do mundo achar que falávamos espanhol. E ainda hoje, se você comprar um aparelho eletrônico na Europa será raro encontrar o português no manual, mesmo tendo 12 idiomas (lembre-se que somos o 5º idioma mais falado no mundo).
Há algo errado e o motivo é a nossa da falta de compreensão de que a língua, a comunicação, é que nos dá identidade, que assegura nossa soberania e é a moeda que temos para fortalecer nossa posição no mundo. Mas falando assim pode ser que alguém diga: falar em divulgar nosso idioma para o mundo enquanto temos um enorme desafio da Educação no próprio país, onde adolescentes hoje chegam ao ensino médio sem saber ler? Sim. Isto acontece. Não na escola particular, mas na pública, mesmo numa grande metrópole como São Paulo. Sim, temos um grande desafio em melhorar a educação básica no Brasil, onde até poucos anos atrás quase ninguém se dava conta de que as Universidades Públicas, gratuitas, detentoras do melhor ensino do pais, atendem, prioritariamente, quem pode pagar. Nós ignoramos a educação básica de um modo geral. Então, lidar com essa perspectiva é um passo. Investir na educação básica é extremamente relevante, mas, em paralelo, promover a língua no exterior para atrair mais investimentos. E focar nesse poder da política internacional por meio da cultura é um terreno praticamente virgem que precisamos investir.
Mas não adianta investir errado
Conversando com Leonardo Tonus, professor da Universidade de Paris-Sorbonne, após uma palestra sobre a internacionalização da Literatura Brasileira, ele apontou alguns caminhos sobre o que é preciso fazer.
Segundo ele, “o Brasil leva a feiras internacionais, muitas vezes, livros traduzidos para o idioma do país-sede do evento mas ninguém sabe o que são aquelas obras e como se situam dentro da produção nacional”. Há toda a sorte de equívocos. Primeiro falta uma apresentação do que faz nossa literatura diferente e importante no mundo. Algo destacado no discurso de Ana Maria Machado na feira de Frankfurt em 2013. Depois, falta investimento em boas traduções.
Muita gente quer conhecer a literatura do Brasil, mas como fará isso sem que tenhamos uma estratégia? Não é suficiente levar livros voltados para um segmento de público, ou um pouco de cada aleatoriamente sem apresentar o que é cada segmento, adequadamente. Diante de tanta diversidade de livros, é preciso que haja mais informação aos leitores da Literatura produzida no Brasil: da ficção literária, da poesia, dos romances de formação, mas também da ficção jovem, dos quadrinhos, dos romances de gênero. Há tanta falta de informação e ainda uma seleção tão aleatória, as vezes, elitista, do que vai para as feiras focada quase sempre no universo acadêmico e, mantendo estes conceitos, não temos como ampliar a divulgação de nossa cultura.
Mapear a produção editorial sem preconceito
Anos atrás, um agente americano, ao receber de mim propostas de livros de autoras brasileiras publicadas, visando tentar o mercado internacional (aqui tratadas como cronistas, lá como chick lit) disse: "o chick lit brasileiro tem uma voz diferente: são mais literários, ácidos, ferozes". Na hora em que ouvi isso dele senti um orgulho imenso. Quer dizer que tínhamos uma voz? Nosso chick lit não era como a comédia romântica que se estabeleceu nos EUA? Mas me digam, quem mais sabia disso? Nem nós, nem o mundo. E por quê? Porque nunca antes pensávamos em vender para o mundo algo que não figurasse nos cadernos literários dos grandes jornais.
É preciso mapear, sem preconceitos, a nossa produção editorial para expô-la ao mundo. A Suécia, por exemplo, é o país dos policiais mais hardcores. Nós podemos ser o país de muitos gêneros, policiais, mistério, fantasia, romances geográficos, históricos, épicos, mitológicos, de formação cultural, todos com a nossa cor local. Sem esquecer os livros de autoajuda, a ficção de inspiração, saúde e qualidade de vida, roteiros de fé. Temos diversas vantagens sobre grande parte do mundo nesse aspecto: uma culinária rica, temperos, alimentos, frutos, crenças e ervas medicinais ainda pouco conhecidas, uma geografia diversificada, como se tivéssemos pedaços de vários continentes. Uma mistura de povos, raças, religiões que certamente nos faz diferentes. Um jeito empreendedor talhado por anos de instabilidade política e econômica. Nós sempre devemos ter uma visão crítica da uma situação, mas podemos escolher o lado que queremos promover. Quem vende um produto falando das suas deficiências?
Em julho do ano passado, numa lista de 30 nações analisadas em relação ao soft power, nós ficamos em penúltimo lugar, atrás apenas da Turquia, que passou a ser governada de forma totalitária, depois de uma grave crise interna. Aqui, a revelação de que a corrupção em nosso país é um saco sem fundo nos fez desabar nesse índice.
Com o conceito claro do que é o soft power, no artigo da próxima semana vou falar sobre a falta de um incentivo real de promoção do idioma português nos outros países e quais nações conseguem realizar tanto sem necessidade de grandes investimentos. E colhem hoje os frutos desses investimentos.
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Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.
Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews
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