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Precisa-se de novos críticos literários
PublishNews, 25/04/2012
Precisa-se de novos críticos literários

O filme que trago hoje, “O nome da rosa”, baseado no livro de Umberto Eco, é considerado por muitos como O filme da década de 80 e, para mim, filme novo é filme (bem realizado) que você não viu. Mas também vale a pena rever, pois um tanto da mensagem não é explícita, pode ter passado despercebida, e o filme é um bom entretenimento. A história leva o Monge Willian de Baskerville ( Sean Connery) a um grande mosteiro católico no norte da Itália. Lá, começou a acontecer uma série de assassinatos e ele começa a investigar. As pessoas eram encontradas mortas com os lábios e as pontas dos dedos roxos. Parecia uma assinatura de crime. Sem entregar o final, posso apontar uma das questões centrais relacionadas aos assassinatos. Um dos responsáveis pela grande biblioteca encontra uma forma de punir quem lesse livros que não creditassem a Deus um poder infalível, ou que incitassem os homens a ter uma independência espiritual. Num dos casos presentes na história, um monge é torturado e espancado por inocentar o tradutor de um livro em desalinho com os dogmas da Igreja. O tradutor não teve a mesma pena, foi queimado.

Os tempos mudam, mas algumas coisas sempre parecem iguais. Estamos atravessando uma nova fase no mercado editorial e dogmas relacionados a livros continuam fortes por aqui. Mas vivemos um momento de grandes mudanças no cenário editorial. Nem sempre a gente percebe como uma reação em cadeia tem início e, principalmente, as inúmeras consequências que ela provoca, muitas vezes em áreas bem próximas a nós.

O crescimento da Classe C trouxe uma massa de leitores que passaram a incluir livros em sua cesta básica. Isso mexeu com os gêneros de livros mais consumidos no Brasil. Romances femininos, livros religiosos e juvenis ampliaram em muito sua participação no mercado. Por exemplo, nas listas de mais vendidos anuais de 2005 a 2010 não havia sequer um livro de romance contemporâneo mais direcionado às mulheres. Hoje, esse número chega a ocupar 1/3. Esse é um dado importante.

Então as grandes editoras passaram a buscar títulos relacionados a esse crescimento e ao interesse do novo público e começamos a ver disputados leilões por – adivinhem? – romances eróticos, romances água com açúcar, tal qual no passado acontecia frequentemente com obras escritas por prêmios Nobel das variadas áreas das ciências e da filosofia. Estes últimos continuam a ter público, só não são os mais disputados pelas maiores editoras e com grandes lançamentos. Isso é ruim? Não vejo assim. A não ser se mantivermos a postura de As Senhoras de Santana, neste caso, como guardiões da alta literatura.

O público das obras mais profundas diminuiu? Não saberia dizer nem mesmo citar alguém que possa afirmar isso. Creio mais é que um novo tipo de leitor surgiu e eles são numerosos.

Assisto a uma das livrarias mais tradicionais, que antes era reduto da intelectualidade, se tranformar num espaço que convida novos leitores por meio de outras atrações, oferecendo títulos comerciais sem o pudor do passado. Há várias histórias também de quem não fez isso e teve de fechar. Um amigo me relatou o caso de uma famosa livraria da Zona Sul carioca que se recusava a vender livros de autores como Sidney Sheldon ou John Grishnam nos anos 90. Essa livraria fechou. E acho que todo negócio/empresa comercial que não se coloca em seu lugar, que tenta dizer o que o público quer em vez de oferecer o que ele quer, está fadado ao fracasso.

Há ainda uma frente de resistência a ser atravessada e chego finalmente ao tema que quis trazer na coluna. Parte da falta de hábito da leitura no Brasil, para mim, reside no fato de termos tratado a literatura como algo especial, sofisticado, elevado. Colocamos os livros numa posição inalcançável para a maioria dos mortais. Valorizamos sempre a literatura difícil e desprezamos autores e gêneros considerados comerciais. Na minha infância havia alguns valores pétreos que cristalizaram a relação das pessoas com os livros, para o mal: Um livro deve ser lido sempre até o fim, mesmo que você não goste. Se você não gostar de um clássico, o problema é com você. E outros absurdos como esse, tirando dos leitores o direito de decidir do que gostam e sua proximidade com os livros. Não é diferente do que fizemos com o nosso idioma, por décadas utilizado como elemento de discriminação, ridicularizando quem não utilizava as normas padrão, ignorando a dimensão e variedade deste país. Só para constar, o principal gramático da norma culta, que até os anos 90 era citado e respeitado, desapareceu das prateleiras e universidades.

Nestas semanas me deparei com reportagens e colunas em jornais que criticavam a qualidade de alguns livros que são fruto desse novo mercado. Fui pesquisar. Eram críticos de alta literatura e estavam criticando autores de literatura comercial, literatura juvenil, literatura fantástica e literatura de autoajuda. Pensei: Como estamos atrasados! Eu posso dizer que comecei a trabalhar no mercado editorial primeiramente como assessor de imprensa. Nessa época trabalhava em uma editora que produzia livros de autoajuda, religiosos e esotéricos. Era muito difícil encontrar algum espaço para matérias em jornais. Eu acabei percebendo que o que precisava fazer era melhorar meu relacionamento com os jornalistas e pouco a pouco fui conseguindo que eles dessem alguma atenção aos livros que eu promovia. No entanto, o espaço para o que não é alta literatura era mínimo e, depois de tantos anos e inúmeras explicações, um amigo editor que também passava pelo mesmo problema que eu travou um diálogo muito interessante com um jornalista de um grande jornal em SP. Ele perguntou: “Por que vocês não fazem uma entrevista com este escritor? Ele viajou o mundo, teve resenha no New York Times, no The Guardian, está no país para uma série de eventos, seus livros entraram nas listas de vários países...” O jornalista respondeu, “Nossos leitores do caderno de cultura não querem saber desses livros comerciais”. Meu amigo replicou, “Então por que nesta semana SEU caderno teve como capa O novo filme Batman 2?”. Do outro lado não se ouviu nada.

A frente que temos de avançar agora é na crítica literária. Eu tive a experiência de ver uma série juvenil de literatura que lancei ser criticada ferozmente por alguns críticos das principais revistas e jornais do país que resenhavam alta literatura. Um deles dizia que aquela série deveria ser censurada, outro dizia que era de mal gosto, outro disse que fazer aquilo era um crime. Como algumas matérias tinham uma versão eletrônica, vi um blog (gomademascar) postar: “E toda vez que puristas ficam horrorizados é sinal que algo de novo e interessante pode estar sendo feito”. Aos jornalistas respondi que estavam equivocados. Aquela série não era para eles, nem para os amigos deles, nem para pessoas da idade deles, nem para a sua expertise literária. Isso para mim acendeu uma falta na imprensa brasileira. Precisamos de gente especializada nas diversas áreas de publicação de modo que os críticos estejam mais próximos dos leitores. Não temos críticos de literatura comercial, de saúde, de autoajuda etc. Não é à toa que os blogs e sites pop crescem a cada dia, dentre eles o Omelete e o Joven Nerd. Nicholas Sparks, Sidney Sheldon, Charlaine Harris, Deepak Chopra – todos eles têm seus livros comentados em revistas como Publishers Weekly, NY Times, Booklist etc. Porque aqui passam batidos ou só são comentados quando atingem o topo das listas de mais vendidos? Não estaria a grande imprensa agindo como os padres que rezavam missas em latim voltados para o altar em vez do público? Muitas vezes vejo críticos de literatura focados em seu ego, tentando descobrir as novas sensações do mercado, em exibir sua própria erudiçao, ao invés de dar a conhecer ao público novas propostas nos variados nichos. Então inicio minha série de perguntas:

Por que tão pouca gente lê/entende esses cadernos literários? (faça essa pesquisa em sua família, e esqueça que você é do meio, pergunte ao seu primo que é engenheiro, ao tio que é técnico em edificações, à irmã que é dona de uma rede de padarias ou à tia que é professora de geografia). Minha pesquisa me disse que, exceto os que atuam como professores, os demais pulam esses cadernos como se fosse uma página de classificados.

Por que todos eles vêm perdendo espaço, e os jornais e as revistas literárias que não possuem financiamento público ou privado acabam fechando?

Por que nós ficamos até agora nesse descompasso de produzir e investir em literatura que parece feita para agradar a crítica e não fazia muito sentido para o público?

Nos anos 1980, o crítico José Paulo Paes defendia a necessidade de investimento na produção de uma literatura brasileira de entretenimento. "Numa cultura de literatos como a nossa, todos sonham ser Gustave Flaubert ou James Joyce, ninguém se contentaria em ser Alexandre Dumas ou Agatha Christie.” Essa constatação parece que enfim começa a ter eco. Eu a vi citada pela primeira vez numa matéria de Veja, ao resenhar um livro de Jô Soares, no fim dos anos de 1990, mas parece ainda tão atual.

Essa posição em relação à produção literária nos causou um atraso imenso. Impediu que tivéssemos há mais tempo autores de literatura de entretenimento. Poucos conseguiram quebrar o bloqueio que existia por uma armadilha-dominó: não havia valor nessa literatura, ela não seria comentada por nenhum veículo de imprensa, não dava prestigio à editora, portanto não era publicada. Editores queriam descobrir a nova sensação de alta literatura. Publicar livros comerciais, ainda que sustentasse as editoras, era quase uma vergonha para os pares e motivo de crítica no meio.

Somente nos anos 90 o quadro começou a mudar. Surgiram autores como André Vianco e seus livros de vampiros tendo o país como palco; Stella Florence, com sua chik lit ácida; Tony Belotto com seus policiais, e também Patrícia Mello. Estes dois últimos, aliás, publicados por Luiz Schwarcz, que iniciou nestes dias um novo projeto para sua editora, incorporando selos comerciais e títulos de autoajuda, chegando a considerar a publicação do tal romance erótico que balançou todo o mercado editorial [ o Fifty shades of grey].

Nossas editoras hoje já perceberam que não devem publicar para a crítica e amplia a cada dia o investimento em autores, mas temos muito a fazer e investir pelo menos 10 vezes mais, ao contrário do que alguns acreditam. Não produzimos nada ainda para o tamanho da demanda que existe, de modo que temos de importar quase toda a literatura comercial que publicamos. Foram décadas de literatura engajada, que tinha, entre outros propósitos, ser uma frente politica em face da ditadura e sua alienação, mas esse tempo passou. É como a lei velhaca de não precisarmos falar a verdade num tribunal, dando-nos o direito de não produzir prova contra si, mas que hoje interfere nas leis de transito e transforma qualquer processo numa aventura de décadas. O motivo, a ditadura, acabou. A lei precisa ser revista. E o fomento da literatura comercial deve ser incrementado.

Pergunto: não será esse valor arraigado um dos motivos de vendermos tão pouco livros de autores brasileiros no exterior? Porque a Espanha, a Itália, a Australia, a Suécia, a Argentina e tantos outros países com tamanho, população e produção literária tão menor que o nosso exporta best-sellers para todo o mundo e nós só tivemos o Mago Paulo Coelho com essa expressão internacional? Por que só investimos em mandar para fora autores clássicos, ou de interesse dos brasilianistas? Certa vez, quando apresentei um conjunto de autoras de chik lit para um editor americano, ele observou: esse gênero no Brasil tem alma própria. Tem uma linguagem mais ácida, mais irônica, menos certinha. As mulheres são mais fortes e os temas mais profundos. Gostei do que ouvi. Percebi um editor enxergar um valor diferente em nossas escritoras comerciais. E se houver estudo vão se descobrir qualidades em outros gêneros que produzimos.

Penso que é hora de os suplementos literários incluírem em suas indicações livros de todas as áreas. Mas que a crítica seja feita por quem conheça bem essas diferentes linhas, sob o risco de não ser ouvido por seus leitores. Precisamos de gente especializada, e não produzindo críticas de gosto pessoal. Caso contrário, veremos cada suplemento literário perder mais leitores como já aconteceu com as livrarias que não entenderam a sua função.

Em tempo: a série Jogos vorazes, de Suzanne Collins, é um sucesso mundial. Seus livros foram resenhados em todo mundo. Não aqui, com raríssimas exceções, qundo começou a ser lançada em 2010. No entanto, com o filme, todos os grandes veículos acordaram para o fato de que o conteúdo da trilogia é relevante, que a história é muito bem construída e teceram, agora, inúmeros elogios à autora. O livro ficou bom ou falta gente atenta a esse gênero na crítica literária?

Até a próxima coluna. Se quiserem fazer comentários mandem para o meu blog: www.faroeditorial.wordpress.com

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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