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O ano entre censura, perrengue e plastiquinho
PublishNews, Henrique Rodrigues, 19/12/2025
Em sua coluna, Henrique Rodrigues analisa alguns fatos da área do livro e leitura ocorridos em 2025

Shrink: plástico que envolve os livros novos foi assunto em 2025 | © Beatriz Sardinha / PublishNews
Shrink: plástico que envolve os livros novos foi assunto em 2025 | © Beatriz Sardinha / PublishNews
Toda vez que leio o termo “apanhadão”, penso numa sova generalizada, sobretudo as sofridas pelas crianças da minha geração – a atual, jamais – que adoravam fazer uma arte. A palavra vem de algo como “recolher com pano”, cujo sentido se expandiu até atingir outros, dolorosamente. Mas como “ler” vem de legere, que em latim significava colher, fica tudo no mesmo campo semântico. Então vamos lá apanhar um pouco, mesmo porque a turma da área adora usar o termo “projeto de impacto”.

Expansão do mercado editorial

Segundo pesquisa recente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o número de empresas ligadas à produção e venda de livros aumentou em 13% nos últimos dois anos, empregando diretamente 70 mil pessoas. A concentração no Sudeste e a presença do setor em menos da metade dos municípios brasileiros mostram o quadro bem desigual que já conhecemos. Vale a pena baixar a pesquisa no site para essa visão geral. Também acho importante olhar os fatos específicos. Além dos grandes buracos no mapa, muitas livrarias não passam de papelarias que vendem poucos títulos, e em diversos lugares os pontos de venda se dedicam a livros religiosos, não sendo raro que o dono seja o pastor local.

No entanto, gostaria de fazer outro recorte desse número. Os 70 mil empregos diretos formais apontados se referem a profissionais ligados a edição, impressão, distribuição e vendas. Nunca vi nessas pesquisas algo que se deveria estranhar mas que passa batido: por que os escritores e ilustradores não são considerados como parte da cadeia? Como o mercado os vê? São meros prestadores de serviço? Vejamos no próximo tópico.

E pro escriba, não vai nada?

Resgatei o título dessa coluna aqui de 2017 que, infelizmente, parece bem atual. Confirmei com a CBL que a pesquisa abarcou mesmo as empresas da área, não a parte da escrita literária. Deixei como sugestão que eles façam, futuramente, um mapeamento sistemático sobre os criadores de livro. Normalizamos esse entrelugar dos escritores no Brasil, ora romanticamente celebrados (quase todo mês tem dia do livro, dia do poeta, dia do escritor etc.), mas profissionalmente esquecidos. São as pessoas que produzem o conteúdo dos livros, muitas vezes relegadas a um lugar acessório, ou invisíveis no processo e, sobretudo, na hora do faz-me-rir.

Falar sobre remuneração de escritores parece continuar sendo um tabu: desagrada alguns chefes de grandes festas e feiras, em entrevistas gera pigarros, muxoxos e frases como “para os autores é uma honra estar no nosso evento”. Evoco a célebre frase da economista Maria da Conceição Tavares: ninguém come honra. A paráfrase cai bem, mas vale dizer que a culpa dessa desvalorização é, em parte, dos próprios escritores. Sim, nós mesmos, meus camaradas.

O lance é que tem muita gente escrevendo e publicando, nas mais diferentes condições. E todos em busca de um lugar ao sol. Esse lugar varia para cada pessoa: alguns querem ser premiados e reconhecidos, outros (muitos, na verdade), curtidas nas redes sociais, e uns tantos querem ser lidos. Os canais para que isso aconteça são, de fato, poucos e frágeis.

Essa etapa de mediação entre produção e o público se restringe a uma mídia cada vez mais cult (segundo Millôr, algo que não tem adeptos para compor uma minoria), umas colunas de grandes jornais que geram pouco interesse de vendas e a imensa selva das redes sociais, nas quais, entre iniciativas boas, sobejam picaretas oferecendo milagres de um suposto sucesso imediato e artistas forçando uma performance para continuar existindo. Nesse cenário, a galera topa tudo sem dinheiro, até fazer desfile de moda, como rolou recentemente.

Fica difícil falar sobre profissionalização para escritores quando não existe uma instância que (n)os defenda. Não há uma regulamentação de pagamentos de direitos autores ou cachês. Por um mesmo tipo de serviço num evento, uma celebridade literária (sobre isso escreverei ano que vem) recebe um cachê, outros ganham bem menos, e outros nada. Parece estar tudo bem, mas escritores são fofoqueiros em geral (fofoca é narrativa!), e essas distorções de bastidores vazam rápido nos grupos de WhatsApp. Reclamar com quem, onde, de que forma? Meter a boca no trombone sobre esses problemas faz um artista se tornar persona non grata nas rodinhas culturais, então fica tudo como está.

Você shrinka como eu shrinko?

Pegando carona na COP30, surgiu a discussão sobre o plástico filme que envolve livros. Obrigação da Amazon, responsável por um grande volume de vendas no país, o shrink virou algo comum, sobretudo por conta das condições adversas para transportar e guardar livros num país tão grande e com muitas variações climáticas.

Pessoalmente, não gosto desses plastiquinhos. Não tenho unha para tirar, e depois fica aquela bolota inconveniente para jogar fora. Quando vi grupos de manifestando contra eles, achei uma boa, mas fui saber mais com quem trabalha na área. Minha editora da Pallas, Mariana Warth, traz questionamentos: "Será que vamos ter que fazer seguros altos pra enviar os livros pela transportadora? Será que as transportadoras se recusarão a transportar livros porque são de papel e não estão bem acondicionados? Será que vamos depender da previsão do tempo para enviar mercadorias? Só esqueceram de combinar com os russos".

Os editores, que de repente parecem ter virado vilões do meio ambiente, dizem não ter opção para proteção dos livros e que não encareça mais o transporte dos volumes. Não adianta citarem pesquisa de alternativa aqui e ali, se não existe no mercado um substituto em escala. Daí que o projeto de lei para proibir o plástico filme dos livros me parece precipitado. Num governo progressista e com tantos pepinos na área, chega a ser esquisito ver o que se torna prioridade.

Sendo bem sincero, tem horas em que a nossa elite intelectual parece viver em outra dimensão, seguindo o comportamento de manada que sempre critica. Nesse caso, vale lembrar que muitos dos paladinos contra o plastiquinho vivem patrocinados por mineradoras que estão emporcalhando o país, além das empresas de petróleo e bancos, todos com reputação super ilibada e em dia com o carnê dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Censura continua livre

Prometo que essa será a última vez em que vou falar da censura como problema crônico. A última vez neste ano.

Um caso me assustou: durante as inscrições para o Prêmio Caminhos de Literatura, um candidato enviou e-mail perguntando se poderia se inscrever, uma vez que seu livro tinha cenas de sexo e ele tinha receio de ser desclassificado. Creio que, nesse ponto, a censura fez bem o seu trabalho. Quando escritores iniciantes apresentam esse tipo se autocensura, é porque já se espalhou via senso comum de que algumas escritas, temáticas e abordagens não são bem-vindas na literatura. Acho isso muito preocupante.

Por mais que os casos continuem acontecendo, só vemos as manifestações em redes sociais depois que acontecem. Não consigo entender por que, diante de tantos, tratando-se de um problema crônico, não existe uma campanha do governo para combater a censura na raiz. Converso com professores praticamente todos os dias e visito escolas toda semana, e a coisa parece estar piorando. Não adianta livros serem entregues nas unidades de ensino via PNLD e outros programas se, na prática, uma parte fica escondida num canto porque alguém da diretoria ou coordenação é contra determinada temática, ou porque alguns pais proíbem filhos de lerem livros sobre cultura africana.

Perguntei ao MinC por que, diante de um problema tão sério e amplo, o governo não faz uma campanha de esclarecimento sobre a censura. A resposta foi que a pasta emitiu notas nos casos recentes, como aqueles envolvendo Jeferson Tenório e Milly Lacombe, manifestando-se contra. E que considera os projetos e programas regulares da área como um enfrentamento simbólico à censura.

Bem, na primeira parte é aquele lance: todo mundo é contra a censura, né? É meio anódino e óbvio emitirem nota se manifestando contra a censura, sobretudo quando são autores conhecidos, mas quando diabos vamos parar de reagir a essa praga e agir preventivamente, combatendo-a nas suas raízes? A segunda resposta é apenas embromation, porque a censura é um problema bem específico e claro.

Acho que estamos perdendo a guerra contra a censura, justamente, por não a enxergar como um desafio amplo, cotidiano e de consequências profundas. A sociedade, sobretudo nas manifestações culturais, deve pagar um preço alto por essa omissão em médio e longo prazos.

(Aproveitei para perguntar cadê o PNLL no seu plano decenal 2025-2035, pois o primeiro ano acabou e não saiu do papel. Ainda está nos trâmites internos e esperamos que, pelo menos no último ano do governo, ganhe as ruas e se efetive.)

Continuidades?

Ainda estamos nas celebrações do Rio Capital Mundial do Livro. Teria muito a falar sobre isso, mas como esse “movimento” vai até abril, prefiro aguardar para um parecer geral e justo ao fim do processo. Adianto que, pelo que vi, até agora o maior ganho foi para a Bienal do Livro do Rio, evento superlativo e que cresceu mais ainda, em público, vendas e arrecadações. Não foi dessa vez que os autores da programação receberam cachês ou que a região pobre do Riocentro, que sedia o evento, tenha ganhado uma biblioteca ou algo perene. Mas isso reflete nossa cultura de muitos eventos e falta de ações de continuidade, tecla na qual vou continuar batendo, pois é no que acredito. E não me venham com a falácia de que festa anual ou bienal, isoladamente, forma leitores e consumidores de livros.

Em suma, espero que 2026 nos abra mais caminhos para processos formativos e com compromissos reais, que possam trazer efetivamente mais leitores para os nossos livros, e que as literaturas possam se manifestar livremente. Que seja um ano de eleições sem aquelas promessas e o papo furado de sempre e que nós, profissionais da literatura, tenhamos o respeito e espaço merecidos. Amém!

Henrique Rodrigues é diretor do Instituto Caminhos da Palavra, voltado para a promoção do livro, leitura e escrita. Com mais de duas décadas de experiência na área, é coordenador geral do Prêmio Caminhos de Literatura e curador do Prêmio Pallas de Literatura. Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. Publicou 24 livros, entre poesia, infantil, conto, crônica, juvenil e romance, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti duas vezes. É patrono de duas salas de leitura das escolas públicas onde estudou. www.caminhosdapalavra.com.br

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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Luiz Schwarcz
CEO do Grupo Companhia das Letras

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