COP30: Iniciativas aproximam a Amazônia do mercado editorial brasileiro
PublishNews, Beatriz Sardinha, 06/11/2025
Organizações sociais e comerciais e diferentes autores e autoras discutem temas relacionados ao clima e à culinária, aproveitando a Conferência em Belém

Acervo da biblioteca da ONG Vaga Lume | © Divulgação Vaga Lume
Acervo da biblioteca da ONG Vaga Lume | © Divulgação Vaga Lume
A cúpula de líderes da Conferência das Partes (COP30) começou nesta quinta-feira (6), na cidade de Belém, (PA), às vésperas da abertura da conferência climática. É a primeira vez que a COP — que se inicia oficialmente no dia 10 de novembro — é realizada no Brasil. A questão climática, como não poderia deixar de ser, tem sido tema frequente no mercado editorial brasileiro, tanto em discussões sobre sustentabilidade, como em publicações sobre o assunto. Entre livros científicos e culinários e iniciativas de promoção da leitura e de circulação de autores de quadrinhos, o mercado editorial busca se aproximar dos assuntos amazônicos e discutir a diversidade cultural da região.

Além disso, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) participa da COP 30 no dia 13 de novembro (quinta-feira), às 15h30, quando integrará a mesa "Sustentabilidade em cada Página: o Livro como Ponte entre Conhecimento e Clima”, no pavilhão Ibero-América na COP 30 – OEI, espaço Green Zone COP30. O debate terá como foco o papel do setor editorial no enfrentamento das crises ambientais e sociais e contará com a participação de Luciano Monteiro, vice-presidente de Comunicação e Sustentabilidade da CBL.

“O livro e a leitura são essenciais para enfrentar os desafios do nosso tempo, pois ampliam o acesso ao conhecimento, fortalecem o pensamento crítico e sustentam a capacidade da sociedade de dialogar e construir soluções coletivas”, afirma Monteiro. “Em um cenário de crises ambientais e sociais, o livro é um pilar da democracia, pois garante diversidade de vozes, combate a desinformação e promove cidadania. Como setor, também temos responsabilidades, como estimular que toda a cadeia editorial avance em práticas ambientais responsáveis e reforçar nossos compromissos sociais”.

Iniciativas pelo Brasil

A organização social Vaga Lume atua há mais de duas décadas na Amazônia Legal, em 23 municípios com 97 bibliotecas ativas. Além da curadoria dos espaços, a instituição busca promover a formação de mediadores de leitura e a realização de intercâmbios culturais. Lia Jamra, diretora executiva da ONG, afirma que, com a COP em Belém, a Vaga Lume passou a intensificar ações que ligassem literatura, identidade e meio ambiente, como a inauguração de uma biblioteca conceito na cidade. “Como parte dessas iniciativas, desenvolvemos o Guia da Semana da Amazônia, um material educativo que convida crianças, jovens e adultos a reconhecerem os sinais das mudanças no próprio território, como alterações no ciclo das águas, no comportamento dos animais e nos padrões de calor. As atividades buscam tangibilizar as vivências da comunidade e a relação com as mudanças climáticas”, diz.

Já o movimento cultural Norte em Quadrinhos, idealizado pela comunicadora amazonense Sâmela Hidalgo, busca aproximar autores da região ao mercado de quadrinhos. Segundo a criadora, a empreitada tem a missão de traduzir uma cultura ancestral, ligada à floresta e aos povos que vivem nela. Ela afirma que “a ideia é quebrar preconceitos e estereótipos sobre o Norte e revelar a diversidade e a potência criativa da região”. Por meio das histórias, os autores mostram o cotidiano dos habitantes da Amazônia urbana, ribeirinha, indígena, quilombola e de outras comunidades.

Recentemente, o Norte em Quadrinhos firmou uma parceria com a editora Conrad para publicação de quadrinhos digitais. O primeiro título anunciado dessa parceria é A última flecha, uma graphic novel dos quadrinistas Emerson Medina (roteiro) e Romahs Mascarenhas (ilustração). “O Norte em Quadrinhos reuniu e reverberou trabalhos de excelente qualidade do norte do país e é uma fonte grande de conteúdos que podem incrementar a linha digital da editora”, destaca Guilherme Kroll, gerente editorial da Conrad.

Livros e livros

No mercado editorial, a discussão sobre sustentabilidade não envolve apenas boas práticas de produção industrial, logística e transporte dos volumes físicos – mas, por meio do objeto livro em si, é possível debater a temática do clima sob diferentes óticas e enfoques e contribuir de maneira fundamental na discussão.

Para a escritora Mariana Brecht, que lançou em agosto pela Rocco o romance Foi acabar bem na nossa vez, a ficção especulativa tem um poder de distorcer a realidade para revelar justamente os elementos presentes nela: “Ao imaginar futuros tomados pela crise climática, podemos ensaiar formas de reagir, cooperar e sobreviver. Essas narrativas ampliam nossa imaginação coletiva sobre o futuro”.

A escritora defende que, quando a escassez se torna regra, a literatura é capaz de mostrar caminhos que não passem pela “barbárie e pela disputa de recursos, mas sim pela solidariedade e cooperação”. Segundo a autora, ler sobre personagens que encontram modos de existir em meio ao colapso ajuda também a romper a apatia diante da crise real. “A ficção nos faz sentir que ainda há espaço para agir e imaginar pode ser, em si, uma forma de resistência”, afirma.

Em Foi acabar bem na nossa vez, que se passa por volta de 2032, a personagem Maria Clara é uma game designer que vê sua carreira ir por água abaixo em meio a uma crise sistêmica. Antônio, vindo de uma realidade social mais pobre, sempre soube que o sistema econômico estava em conflito com o ecológico e por isso se adapta melhor. “Acredito que as gerações mais jovens cresceram com a sensação de que o fim já começou, ou de que o mundo como o conhecíamos está acabando. Para muitos millennials, minha geração, foi prometido um futuro de abundância e estabilidade, mas o que encontramos foi o colapso de biomas, o avanço do autoritarismo e o encarecimento da vida”, diz a escritora.

Nascido no Pará e criado no Rio de Janeiro, o jornalista e historiador Murilo Fiuza de Melo é autor da recente biografia Clara Pandolfo, uma cientista da Amazônia. O projeto inclui um minidocumentário, audiolivro, site e ciclo de palestras em escolas e universidades do Pará. O livro foi distribuído em escolas e bibliotecas públicas e está disponível gratuitamente em PDF no site www.clarapandolfo.online.

Cientista Clara Pandolfo © Divulgação
Cientista Clara Pandolfo © Divulgação
Pandolfo se posicionou, ainda em 1978, contra a ocupação da agropecuária na região e, segundo Murilo, seu posicionamento político fez com que suas ideias científicas e políticas fossem negligenciadas. O novo projeto pretende contribuir para resgatar essa produção. “Ela teve uma visão extraordinária. Se hoje o país é referência em controle ambiental, deve-se a essa mulher, mas ninguém sabe disso, nunca lhe deram crédito pela ideia”, explica o autor.

Construções de conhecimentos profundos da Amazônia

Para inserir ingredientes brasileiros em sua culinária, a chef Bel Coelho descobriu que, além de entender texturas e sabores, seria necessário compreender a geografia e as dinâmicas das relações implícitas nas cadeias produtivas de cada um deles.

Neste mês de novembro, a chef lança o livro Floresta na boca: Amazônia — pessoas, paisagens e alimentos (Fósforo), que busca aproximar o público do tema: "O trabalho das pessoas de lavrar a terra para produzir alimentos garante não só a soberania alimentar do entorno, como também preserva os rios", comenta.

Jhennifer Willys © Divulgação
Jhennifer Willys © Divulgação
Para a autora e pesquisadora de narrativas afro-indígenas Jhennifer Willys – que publica pela Emó Editora o livro As aventuras de Lillym – a relação com a Amazônia é de afeto. Para ela, atualmente, é indissociável falar de Amazônia e dos povos que manejam esses territórios, e por isso “a visibilidade de publicações ou de autores sobre o tema é minimante notável, seja pelo grande público ou por parte da mídia. Não é mais possível construir um futuro sem a valorização dos saberes ancestrais”.

A COP30

O evento que durará duas semanas é um espaço para a promoção de debates entre países de diferentes proporções e poderios econômicos. Todos os 198 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) participam da conferência, que ocorre quase que integralmente no Parque da Cidade de Belém, em uma ampla área de 500 mil m². A estimativa de investimento do governo para os preparativos do evento foi de R$ 4,7 bilhões, contabilizando orçamentos da União, BNDES e parceiros. Antes da abertura oficial da COP, ocorre a Cúpula de Líderes da conferência, entre os dias 6 e 7 de novembro.

[06/11/2025 08:19:17]