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Leitura na escola: bora respirar e começar de novo?
PublishNews, Henrique Rodrigues, 21/03/2025
Em sua coluna, Henrique Rodrigues reflete sobre como o ambiente escolar precisa ser um polo de expressão cultural

De antemão, aviso que vou falar de livro, leitura e escola, especialmente a pública, espaço tão importante quanto fora do esquadro e da atenção necessária. Mas vou tentar não cair em armadilhas.

Não me interessa, por exemplo, falar aqui de impacto, engajamento, negócios, trending topics, feedbacks, calls bookistas de márquetim rasteiro, tampouco da angústia dos influencers, cuja referência no gracejo faz Harold Bloom parecer algo muito distante e anacrônico. Nem farei lamentos de resignação em prol de dancinhas de três segundos porque essa é a realidade inexorável naquela preguiça é-o-mercado-fazer-o-quê. Não tem deadline, porque a linha já foi cruzada e a gente sabe disso.Como bem disse o José Castilho aqui, estamos numa hemorragia de leitores.

Sim, sem o guéri-guéri de telinhas e suas regras algorítimas de zuckbleargh e muskbosta, porque eles já se revelaram os canalhas que sempre foram, despreocupados com qualquer coisa que não sejam seus bolsos. E atenção: esta coluna vai também sem a quaquaragem adiposa das pedagogices acadêmicas, sem o diabo a quatro (nem A5 ou tamanho carta) de atravessamentos, empoderamentos e protagonismos rasteiros, sem forçação identitária, cepeéfica e com comprovante de resistência que, já percebemos, não consegue dizer muito fora da esfera umbilical. Escola é ex ducere: conduzir para o mundo.

Na área do livro, parece que tá cheio de gente reinventando a roda sem notar que ela tá quadrada.

Porque hoje, março de 2025, o que interessa é o mundo real. Por isso escrevo olhando para frente, mas com um pé no agora e outro lá atrás, de quando fui aluno do Ciep, a escola do Brizola que evoca esse saudosismo revoltante: por que no Rio de Janeiro, neste ano eleita Capital Mundial do Livro, o último grande e ousado projeto de educação acabou há mais de três décadas? Expandindo em âmbito nacional a lógica de se deixar o básico para escanteio, quais as consequências disso?

A resposta está aí, conforme o artigo de ontem explicou: a molecada está deixando de perceber a escola como espaço de leitura. O interesse pela atividade está diminuindo a passos largos, na escala dos milhões.

Bom, quem é da área sabe das causas, que vão desde as mais recentes, como os efeitos da pandemia e as doenças provocadas pelo uso exagerado de celulares (precisam achar um nome para isso que não seja celulite). Elas se somam a outras mais antigas, como a desvalorização de professores e o esvaziamento dos espaços dedicados às práticas leitoras nas escolas.

Provavelmente estou me repetindo aqui, o que é normal para quem milita num setor. Temos a sensação de bater na mesma tecla o tempo todo, mas vamos lá. Os professores estão esgotados – aliás, as professoras, pois são maioria, também padecem da jornada tripla a que as mulheres são submetidas no mundo do trabalho e doméstico. Muitos desses profissionais de educação, carregados de tarefas administrativas alheias às suas práticas de ensino, estão sufocados, sem tempo ou cuca para ler literaturas. Quando muito, vão recorrer a livros religiosos ou de autoajuda em busca de alguma esperança para continuar existindo.

Ou seja: se em casa ninguém lê e na escola também não, seria surpresa um resultado diferente desse. Como me disse um professor do Ensino Médio: “os alunos parecem ter perdido a capacidade de sonhar”. O depoimento se soma ao de uma aluna de 13 anos, que me tacou a real na lata: “Quando você era aluno daqui também se sentia um lixo e com vontade de se matar?”.

Diante de um quadro assim, não adianta a gente apenas postar e escrever, aqui no conforto do teclado e da tela.

Nesta semana, fizemos a primeira edição do projeto Livro a Caminho. Foi emocionante pacas, porque visitamos o Ciep onde estudei, de cuja sala de leitura sou patrono, e que tanto foi importante para a minha jornada.

A ideia é visitar uma escola, conversar sobre como nascem os livros, promover o papo com escritores cujo trabalho tenha a ver com aquela realidade, ouvir a galera se expressando com música, poesia e o que mais tiver. No final, todo mundo ali ganha livro da editora parceira: alunos, professores, pessoal de limpeza, merendeiras. Não estamos inventando a roda, mas, com a permissão do trocadilho, rolou bem. E vamos voltar lá à noite fazer o mesmo com a Educação de Jovens e Adultos, grupo geralmente deixado de lado em vários aspectos.

O camarada Otávio Júnior, que achou o primeiro livro no lixo do Complexo Alemão e venceu o Jabuti, lembrou: os livros também podem se passar nas nossas casas, com pessoas como nós. E o MC Benfica poetou: a gente vai crescendo junto com os nossos sonhos. Vimos professores recebendo palmas e alunos com olhos cheios de futuro.

Acredito que livro na mão de pobre pode ser revolucionário.

Sei que não sou o único escritor que teve na escola pública o espaço para o sonho. O lance é fazer com que a gente deixe de ser exceção. Pode ser que, dos livros doados pela editora Malê, alguns sejam rapidamente devorados, e outros vão esperar um tempo para leitura. Mas estarão lá, presentes na casa dessas famílias, sem pressão, como bens culturais acessíveis ao mero desejo.

Não temos patrocínio para o Livro a Caminho, que vai acontecer de um jeito ou de outro ao longo do ano. Entendo que as empresas, em geral, preferem divulgar suas marcas junto a eventos de porte, com a presença de celebridades e tal. É do jogo e, claro, estamos abertos a apoios para quem quiser investir também num trabalho mais de base. Mesmo porque uma coisa não exclui a outra. Felizmente, temos grandes editoras parceiras, escolas acolhedoras e energia de sobra para encarar essa luta.

Aliás, a proibição dos celulares nas escolas, que demorou muito a vir, pode nos dar uma oportunidade de reinventar a leitura nesse tempo/espaço tão importante. A gente respira fundo e começa de novo. Como disse o Drummond, que dá nome à nossa escola, vamos tentar furar “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Henrique Rodrigues é diretor do Instituto Caminhos da Palavra, voltado para a promoção do livro, leitura e escrita. Com mais de duas décadas de experiência na área, é coordenador geral do Prêmio Caminhos de Literatura e curador do Prêmio Pallas de Literatura. Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. Publicou 24 livros, entre poesia, infantil, conto, crônica, juvenil e romance, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti duas vezes. É patrono de duas salas de leitura das escolas públicas onde estudou. www.caminhosdapalavra.com.br

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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