No texto anterior, comentei sobre os resultados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que expôs em gráficos aquilo que os profissionais da área estão sentindo na pele nesses últimos anos: a situação está feia.
“Mas como, se Fulano vendeu centenas de milhares de exemplares?”, perguntariam alguns. “Poxa, mas os grandes eventos estão lotados...”, celebram outros. “Uai, mas nunca houve tanta gente publicando”, cofiam a barba uns tantos.
Tudo isso é verdade, pelo menos até certo ponto, e o problema é justamente o que vem depois do ponto. Esses três argumentos, ouvidos ad nauseam sempre que se debate sobre a situação da literatura no Brasil, não se sustentam muito diante de uma conjunção adversativa. Vejamos.
Sim, temos alguns best-sellers brasileiros, felizmente. Mas... são poucos quando olhamos o todo. Nas listas de mais vendidos em literatura só dá texto oriundo da gringa. Nas vendas de livros em geral, a literatura é uma categoria que ainda fica atrás de livros religiosos e de autoajuda. No geral, escritores brasileiros ainda têm a sensação publicar como se estivessem lhe fazendo um favor – ou algo como sistema de cotas.
Pois é, as bienais e flitecéteras estão lotadas. Contudo, essas mesmas pessoas que lotam pavilhões e praças meio que desaparecem rapidamente, para despertarem apenas na próxima edição. Ver 700 mil pessoas frequentando um evento pontualmente é lindo, mas ver essas mesmas multidões comprando livros regularmente é o milagre que o Brasil ainda espera.
Claro, as novas tecnologias favoreceram a produção impressa. As editoras pequenas fazem livros lindos e bem escritos, diferentes daqueles exemplares tronchos que víamos há umas décadas. Todavia, não tem muita gente comprando essa literatura. Na verdade, as tiragens estão cada vez menores, sendo comum títulos serem lançados com 30 exemplares, que não conseguem circular. Acho lamentável que tantos livros bons não consigam chegar a mais leitores.
Pincei apenas três exemplos, que poderiam ser desfiados em outros aspectos, mas prefiro enveredar por outro: a formação de professores como leitores de literatura e agentes de estímulo à expressão criativa.
É provável que você aí lendo se lembre da chatice que era, na adolescência, precisar decorar as diferenças entre cubismo e futurismo, dissecar um verso decassílabo de Camões, reescrever o hino nacional em ordem direta, encarar o apavorante “o que o autor quis dizer” e outras torturas que mais deformam do que formam pessoas para a leitura literária. A isso se somam práticas utilitárias do Ensino Médio, transformado num grande curso preparatório para o ENEM, cujas experiências de leitura, quando estimulam leitores para a vida, são tão inesperados quanto fisgar um peixe pela barbatana.
Creio que precisemos ser realistas diante desse quadro, mas sem perder a fé.
Ao longo dessas décadas trabalhando em diferentes frentes da área, vi muita coisa que pode dar certo e dar errado. Ou que dá certo aqui mas não ali. Ou que funcionou outrora mas agora são outros quinhentos. Nesse cenário tão dinâmico e incerto, não podemos é desistir de ver um país no qual a literatura é um direito e que contribui para diminuir as nossas desigualdades.
Por essas e outras, criamos o Instituto Caminhos da Palavra.
Os livros que encontrei na escola pública foram fundamentais para que eu encontrasse um rumo e ofício na vida. Daí o projeto Livro a Caminho, realizado em parceria com as maiores editoras do país. Vamos visitar escolas, fazer apresentações artísticas (especialmente rap e batalhas de rimas, a expressões literárias muito presentes na vida da garotada), conversar como nascem os livros e distribuir exemplares para alunos, professores, pessoal da limpeza e merendeiras. E, sobretudo, ouvir a comunidade escolar: quando trabalhei na Secretaria de Educação, um dos piores problemas que vi era como jogavam projetos nas escolas sem que elas quisessem ou pudessem receber, pois o objetivo era atender fornecedores, não melhorar o ensino.
Parece óbvio, mas vamos lá. Os livros precisam estar com todas as pessoas. Certa vez, “afanei” livros vencedores do prêmio literário com que trabalhava, e distribuí ao pessoal terceirizado da firma de limpeza. Um dos camaradas ficou entre desconfiado e surpreso, dizendo que nunca havia ganhado um livro na vida, o que me comoveu pacas. Nos dias seguintes, disse que a mulher estava lendo e adorando, perguntando se não tinha mais. Claro que levei um esporro da chefia, mas valeu a pena, é passado e faria tudo de novo – assim como não censurar escritor.
E para abrir os caminhos do instituto de mesmo nome, vou conversar na próxima quarta-feira, às 19h30, com José Castilho Marques Neto, grande conhecedor de políticas públicas sobre livro e leitura, e o escritor Otávio Júnior, oriundo do Complexo do Alemão e que batalha para a literatura se tornar uma realidade libertadora para o povo. O papo será transmitido pelo site do Instituto.
A jornada pode ser difícil, longa e com chão de terra. Mas é a nossa luta, e os caminhos nos esperam.
Henrique Rodrigues é diretor do Instituto Caminhos da Palavra, voltado para a promoção do livro, leitura e escrita. Com mais de duas décadas de experiência na área, é coordenador geral do Prêmio Caminhos de Literatura e curador do Prêmio Pallas de Literatura. Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. Publicou 24 livros, entre poesia, infantil, conto, crônica, juvenil e romance, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti duas vezes. É patrono de duas salas de leitura das escolas públicas onde estudou. www.caminhosdapalavra.com.br
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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