“Nós estamos ladeira abaixo desde 2015. Estamos decrescendo num ritmo hemorrágico”, disse José Castilho Marques Neto, doutor em Filosofia e professor aposentado da FCL-Unesp, sobre os resultados da 6ª edição da Pesquisa Retratos da Leitura, apresentada na última terça (19).
Castilho participou de um painel ao lado dos especialistas Bel Santos Mayer (Ibeac), Dolores Prades (Instituto Emília), Mariana Bueno (Nielsen) e Alan Valadares (Fundação Itaú) para discutir, sob diferentes perspectivas, os resultados da pesquisa que apontou que mais da metade da população brasileira não lê. A mesa foi mediada por Zoara Failla, socióloga e coordenadora da Pesquisa Retratos da Leitura.
“A verdade é que se nós formos analisar de maneira macro, antes de tudo, nós não podemos esquecer que formar leitores em um país é formar cidadania. E formar cidadania, é política. E a política segue de acordo com o que a maior parte dos governantes imprime para o ritmo do Brasil”, pontuou Castilho, que empresta seu nome para a Lei que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE).
A fala do especialista frisou também a queda de leitores entre 5 e 10 anos e no ensino fundamental I. “É exatamente o período da formação de leitores. Exatamente onde a boa literatura, a boa leitura, a boa escola deveriam formar as bases para que esses meninos e meninas se tornassem leitores por gosto e não por uma imposição escolar”, disse. Segundo ele, é necessário haver um ambiente político favorável e políticas públicas que tenham um olhar constante e vigilante sobre a distribuição de boa literatura nas escolas, sem esquecer de olhar para a “formação decente e honrada dos professores e professoras”.
A pesquisa também perguntou para as pessoas “o que as faria frequentar mais uma biblioteca”, entre os não leitores – e 39% responderam que “nada os faria frequentar [o espaço]”. “Que pena. Porque vocês estão perdendo uma lindeza que tem sido transformadora no nosso país”, disse Bel Santos Mayer, educadora social e ativista da causa do livro, literaturas e bibliotecas.
Focando na questão das bibliotecas, a especialista lembrou que de 2015 para cá diversos espaços comunitários foram fechados. “Acho que a gente tem muito para aprender com as bibliotecas e se tem negligenciado aquilo que elas podem oferecer". Bel, assim como Castilho, usou a faixa etária de 5 a 10 anos para se dizer impressionada com o tempo que eles passam na frente das telas.
“O que vemos é um abandono. Da política pública, das organizações sociais, os abandonos domésticos, dessa falta de preocupação em trazer outras possibilidades de troca e conversa”, definiu a educadora.
Pegando o gancho de Bel, Dolores Prades, editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens, destacou que, embora alarmantes, os dados não são surpreendentes se considerarmos o “rumo da sociedade” e que embora a leitura não seja uma solução mágica, ela pode abrir brechas para a escuta.
Sua fala, no entanto, focou na dificuldade da compreensão leitora e no analfabetismo funcional. “De acordo com a pesquisa, 36% dos entrevistados apontam para dificuldade de compreensão leitora, como um dos grandes motivos para o desinteresse pela leitura”, destacou. “Este dado, por si só, questiona e coloca em evidência uma forma de analfabetismo funcional que, por sua vez, questiona a eficácia do ensino básico do país”.
Prades destacou ainda que é importante aprender a lidar com a concorrência tecnológica e pensar em soluções para contornar os problemas estruturais do país. “Repensar seriamente as políticas de distribuição de livros que insistem em atrelar a literatura ao livro didático e a qualidade à quantidade ou à logística, sem contar os efeitos negativos que as demandas de caráter didático, legais e os atrasos da efetivação dos editais representam para a indústria editorial. E incluir a leitura em seus desdobramentos como disciplinas obrigatórias nos cursos de pedagogia e biblioteconomia”, foram algumas das sugestões apontadas pela consultora editorial.
Por fim, ela focou na importância da família como incentivadora da leitura e na formação de novos leitores. “Se de fato a leitura e tudo o que pensamos sobre ela, e a urgência da reversão desses números é garantia para um Brasil mais justo e igualitário, uma aposta que deveria permear todas as políticas públicas da cultura e educação é rever esses dados e pensar na sua solução”.
Já a economista Mariana Bueno, responsável pela pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro e pelo Panorama de Consumo de Livros no Brasil, traçou uma comparação entre os estudos e pontuou o dado observado em relação a Classe A. “É muito difícil a gente pensar, como a gente viu aqui, e também no Panorama do Consumo, que boa parte da classe A não lê e não consome livros. Muito difícil a gente pensar que a classe A tem alguma restrição estrutural. Esta classe frequenta as melhores escolas, as melhores universidades, e tem capacidade leitora e renda para comprar o livro”, alertou, apontando para uma demanda reprimida.
Quando falamos das classes C e B, que concentram a grande massa da população, há uma restrição estrutural de demanda que abarca muitos leitores. “O que nós vemos é que não há pontos de vendas, as livrarias não estão lá. Então pensar na expansão de demanda é também pensar em pontos de venda nos bairros mais pobres e mais distantes".
No longo prazo, o tema se desenvolve para uma questão estrutural e, segundo Mariana, ao pensar na expansão da demanda, é fundamental pensar em estratégias relacionadas ao mercado. “Abertura de pontos de venda, pensar como você alcançar esse cara da Classe A que tem renda e não lê, enfim. Acho que tudo isso, mas também fundamentalmente em políticas públicas, né? E aí a gente não está falando de política de governo, a gente está falando de política de Estado”.