Números do mercado editorial brasileiro apontam para gargalos: preço do livro, demanda e modelos de vendas
PublishNews, Guilherme Sobota, 23/05/2024
Um dos destaques da Pesquisa Produção e Vendas foi o crescimento geral do canal de vendas 'site próprio/marketplace' – ou seja, as vendas diretas das editoras para os leitores/consumidores; veja a repercussão do setor

Foto da Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista; setor luta com a questão do preço do livro | © Divulgação / Martins Fontes
Foto da Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista; setor luta com a questão do preço do livro | © Divulgação / Martins Fontes
Um dos destaques da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro – Ano Base 2023, divulgada nesta quarta-feira (22), foi o crescimento geral do canal de vendas “site próprio/marketplace” – ou seja, as vendas diretas das editoras para os leitores/consumidores. Pela primeira vez, o canal aparece entre os cinco mais importantes: atrás de livrarias exclusivamente virtuais, livrarias, distribuidores e escolas. As editoras de didáticos (15,7% do faturamento vem dessa venda) e de livros CTP (10,9%) são as casas em que o site próprio tem mais destaque: o efeito é menor no subsetor de Obras Gerais (1,3% do faturamento).

Em 2023, o setor editorial brasileiro registrou um faturamento de R$ 4 bilhões nas vendas ao mercado, o que representa recuo nominal de 0,8% em comparação com o ano anterior. Em volume, a quantidade de exemplares vendidos caiu 8%. É bom lembrar que a Pesquisa avalia a produção e as vendas das editoras – que respondem ao questionário da Nielsen BookData, encomendado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).

“O ponto principal, infelizmente, é a queda de vendas do setor ao mercado, não só em número de exemplares vendidos como em faturamento”, aponta a presidente do Grupo Editorial Record, Sonia Jardim. “O número não foi pior porque houve aumento nas vendas para governo. Vale destacar aqui a importância dos programas de compra de literatura para a formação de novos leitores, que são os futuros compradores de livros”.

O publisher do Grupo Editorial Alta Books, J. A. Ruggeri, destaca que é preciso uma análise assertiva dos números de vendas ao governo, porque se tratam de recomposição, e não necessariamente um aumento, devido ao caráter cíclico dos programas de compra e pagamentos. “No meu entendimento, uma das mensagens mais importantes da pesquisa é a análise da variação dos preços. O setor apresentou redução de 8% no número de exemplares vendidos ao mercado. O recuo no faturamento só não foi ainda mais acentuado em razão do aumento nominal de 7,9% do preço médio do livro. A variação foi de 3,2% em termos reais”, explica.

“É muito difícil recompor preços com incerteza e depressão econômica, o que sufoca as margens e afugenta investimentos. Disso resulta a difícil equação: como manter os preços em níveis adequados levando em conta o baixo poder de compra das pessoas? Como entregar valor pelo preço justo e fazer com que as pessoas paguem por isso? Não existem respostas fáceis para questões assim, que sempre estarão presentes no dia a dia dos editores”, reflete.

Para ele, o cenário econômico brasileiro tem uma relação direta com os dados apresentados pela pesquisa. “A inflação persistente, a alta dos juros e a lenta recuperação econômica pós-pandemia têm impacto direto no comportamento do consumidor e nas estratégias das empresas. A retração no setor editorial é um reflexo dessa conjuntura macroeconômica desfavorável, onde os consumidores estão priorizando gastos essenciais e reduzindo despesas com bens culturais. Além disso, o acesso limitado ao crédito e o aumento dos custos de produção estão forçando as editoras a reverem suas estratégias e a buscarem soluções inovadoras para se manterem competitivas em um mercado cada vez mais desafiador”, analisa.

O seguinte gráfico mostra como mesmo com a recuperação do PIB, o índice de crescimento do mercado do livro segue em tendência de baixa.

Gráfico compara crescimento do PIB e crescimento do setor do livro; à direita, evolução do preço médio | © Nielsen BookData
Gráfico compara crescimento do PIB e crescimento do setor do livro; à direita, evolução do preço médio | © Nielsen BookData
A economista e coordenadora da Pesquisa, Mariana Bueno, sugere olhar para o lado da demanda para entender melhor essa questão. “Tem uma relação muito forte com o cenário macroeconômico do ponto de vista da demanda. Ainda que exista um aumento do emprego e do PIB, algumas pesquisas mostram que o salário médio é mais baixo do que era lá atrás. Então existe uma relação sim com a renda das pessoas. Tem uma frase da Conceição Tavares que eu gosto muito: ‘ninguém come PIB, come alimentos’, então o PIB cresce, mas a gente precisa entender porque é que ele cresce. E qual é o impacto dele na renda”, explica.

A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Sevani Matos, ainda aponta outros fatores que contribuem na discussão. “Um deles é a percepção do consumidor brasileiro de que o livro é caro, isso atrapalha bastante o mercado. A gente não pode deixar de levar em consideração que entre 2018 e 2020 nós tivemos um fechamento de centenas de livrarias, sem dúvida as lojas são um atrativo uma pessoa entrar, se encanta com um livro e comprá-lo. A maioria dos municípios brasileiros não tem uma livraria. Outro assunto, polêmico, mas eu acho que tem muita pirataria também. Isso também contribui para o decréscimo nos índices de aquisição de livros”, explica.

Um retrato melhor dessa questão poderá ser analisado ainda este ano com a divulgação da próxima edição da Pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro.

Sonia Jardim afirma ainda que a queda do mercado era esperada. “Os números alcançados durante a pandemia, em que o consumidor não tinha outras opções de lazer, seriam difíceis de se manter. Agora, está estabilizando num patamar bem superior ao da pré-pandemia, e isso está acontecendo nos mercados do exterior também, não é só aqui no Brasil. Diante deste cenário, a Record está investindo na criação de uma editora voltada para livros infantis, a Reco-Reco, que tem essa intenção de renovar o público, desenvolver novos leitores, para o futuro da indústria editorial”, compartilha.

O gerente comercial do Grupo Editorial Global, André Luis Cafu, afirma que os números demandam uma análise aprofundada e ações estratégicas por parte dos profissionais do setor. “É crucial que sejam identificadas as causas desse declínio e que tenhamos a busca por soluções inovadoras para reverter essa tendência. A queda apontada nos dados da pesquisa reforça a necessidade de adaptação e renovação no mercado editorial brasileiro, visando a recuperação e o fortalecimento do setor. É um momento que demanda atenção e a busca por alternativas que possam impulsionar o crescimento e a sustentabilidade do mercado editorial”, analisa.

Números gerais e comparação com os dados de 2022 | © Nielsen BookData
Números gerais e comparação com os dados de 2022 | © Nielsen BookData
Vendas em site próprios

“A produção total de livros não cabe em uma livraria física, por maior que esta seja”, avalia o CEO da MVB na América Latina, Ricardo Costa. “Então, é natural que a editora use outros canais para vender seus livros, e o comércio eletrônico é uma ótima solução. Mas é preciso também considerar o papel fundamental da livraria: é ela quem faz o livro chegar à mão do leitor. E a pesquisa mostrou que as livrarias físicas voltaram a crescer sua fatia de participação. Para mim, é claro que temos um “ecossistema” (não gosto desta palavra mas é a que me vem agora) bastante complexo, com muitos participantes, e que requer atenção em cada movimento de cada um; quando um se move, todos sentem. Tenho para mim que, no mundo do livro, não se vive ou se move sozinho”, explica.

Para o Diretor-Executivo da Editora WMF Martins Fontes e da Livraria Martins Fontes Paulista, e presidente da Associação Nacional de Livrarias, Alexandre Martins Fontes, é necessário fazer uma reflexão. “Temos aqui uma reflexão urgente e importantíssima a fazer: as editoras brasileiras precisam decidir se são parceiras ou concorrentes das livrarias. É um escândalo que as editoras ofereçam aos seus leitores, através dos seus sites, descontos comerciais – para além de frete grátis e mimos diversos – que as livrarias não conseguem acompanhar. Queremos que as livrarias desapareçam das ruas das nossas cidades? Se não enfrentarmos esse assunto com coragem e muita seriedade, em breve, só visitaremos livrarias quando viajarmos para Buenos Aires, Lisboa, Madrid, Paris, Milão etc.”

O CEO da Bookinfo, Eduardo Cunha, também destaca como a indústria continua a enfrentar desafios na recuperação do verdadeiro valor dos livros. “Além disso, a pesquisa ressaltou uma tendência em ascensão na indústria, com mais editoras vendendo diretamente aos consumidores finais. Esse cenário nos instiga a dedicar uma análise mais aprofundada a esse canal de vendas”, explica – recentemente, a Bookinfo anunciou uma solução em seu sistema para medir as vendas diretas das editoras em seus sites próprios.

Números dos canais de venda do mercado editorial brasileiro em 2023 | © Nielsen BookData
Números dos canais de venda do mercado editorial brasileiro em 2023 | © Nielsen BookData
Uma editora que se especializou no modelo de venda direta aos leitores é a Patuá. O editor Eduardo Lacerda, afirma que a performance individual da editora foi melhor do que os índices apontados pela Pesquisa.

“Trabalho apenas com a venda direta em meu site, alguns títulos pela Amazon (impressos) tanto marketplace como a venda direta para eles, mas que representam menos de 10% do que faturamos. Em 2023, contratamos mais cinco pessoas e aumentamos em 20% o número de títulos publicados, talvez mais. O faturamento foi também maior nesta proporção”, compartilha com o PublishNews.

“As livrarias são fundamentais para o livro, deixo isso sempre muito claro, o que nós da Patuá sempre questionamos é o modelo comercial que a maior parte das livrarias adota, que é o do desconto de 50% e de consignação”, detalha. “Como fazemos a venda direta aos leitores, em nosso site, marketplaces, lançamentos e eventos (e até livraria própria), não tivemos necessidade de repassar todos os aumentos dos custos aos nossos leitores e temos um preço de capa média hoje de R$ 50. Além disso, recebemos os valores vendidos quase que imediatamente e conseguimos investir parte desse retorno em novos lançamentos, expandindo o trabalho da editora”, conclui.

Alguns números do mercado editorial brasileiro, segundo a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro – Ano Base 2023:

  • Queda nominal de 0,8% nas vendas ao mercado, recuo de 5,1% considerada a inflação;
  • Redução de 8% no número de exemplares vendidos ao mercado;
  • 45 mil títulos produzidos (entre reimpressões e lançamentos);
  • 320 milhões de exemplares produzidos;
  • R$ 6,2 bilhões de faturamento total (R$ 4 bilhões ao mercado; R$ 2,2 bilhões ao governo);
  • 7,9% de variação positiva no preço médio do livro nas vendas ao mercado.
[23/05/2024 11:30:00]