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Eventos presenciais: vamos começar tudo de novo
PublishNews, Henrique Rodrigues, 06/01/2022
Em sua coluna, Henrique Rodrigues reflete sobre a expectativa para a retomada de eventos literários

Depois de um longo e tenebroso período pandêmico, nossas esperanças se voltam para a possibilidade de retorno ao antigo normal. Que, vale dizer, já não estava nada fácil. Caso as previsões se confirmem, decretaremos de vez o fim da era das lives, que já deram o que tinham que dar, convenhamos.

(Enquanto escrevo, vejo as manchetes sobre o crescimento da nova variante da covid. Nesse caso, essa coluna otimista com título que faz lembrar uma letra de Beto Guedes pode caducar em breve, de modo que sigo no risco mesmo assim.)

Pera lá. É preciso reconhecer que as lives e outros formatos que se utilizam das redes sociais foram responsáveis por muitos diálogos, permitindo alguma interação entre escritores e leitores nesse período. Por ser on-line, a coisa foi mais democrática, pois uma pessoa numa cidade mais afastada dos grandes centros urbanos poderia participar de um bate-papo – ou, o que é até mais importante, ela mesma ser uma das participantes do encontro.

Por outro lado, vale lembrar que as lives cansaram um pouco, talvez tenham até se banalizado como formato, visto que no mundo digital tudo envelhece mais rapidamente. Além de travamentos e outras limitações tecnológicas, alguns profissionais da área não são muito familiarizados com a ideia de falar olhando para uma câmera, especialmente se estiverem isolados.

Talvez para a turma de booktubers, já acostumados com o processo de gravação e edição de vídeos, tenha sido mais fácil atravessar esse caminho. Mas vi muitos escritores, isolados em suas casas, constrangidos por não saberem configurar corretamente os aparelhos, tendo que ainda administrar luz, interferências sonoras e outros detalhes técnicos. Ora, eles não são obrigados a essas adequações da noite para o dia: escrever já é muito, não?

Participei de um catatau de lives no período e, apesar de não parecer, algumas são extenuantes. E vale lembrar: o mundo da literatura não é o mesmo das apresentações musicais populares, cujos cachês foram bem altos para figurarem nas telinhas durante a pandemia. Saiba que, na maioria dos encontros literários que você viu pela internet nos últimos meses, os participantes não receberam um centavo. Como escrevi aqui há uns anos, considera-se normal no Brasil que escritores trabalhem de graça.

Outro aspecto, que considero dos mais relevantes para a retomada dos eventos presenciais, é que os eventos literários são fundamentais para a sociabilização das pessoas que compõem toda a cadeia produtiva da área: escritores, leitores, editores, ilustradores e produtores culturais.

A literatura é uma das formas de arte mais solitárias, de modo que os eventos literários constituem não só a oportunidade de escritores saírem da toca, mas que os próprios leitores se encontrem e compartilhem as muitas experiências em torno da literatura. É por essas e outras que pensar uma “Flip virtual” soa quase como uma contradição em termos. Não se trata apenas de ver palestras, mas todo um conjunto de vivências e experiências cuja premissa é justamente a presença física, o olho no olho.

Recentemente, participei de alguns eventos literários presenciais. Depois de tanto tempo, parece que valorizamos mais cada etapa, desde o contato com a equipe de produção, o encontro em si e o papo boêmio pós-evento – a que chamamos, carinhosamente, de paradidático. Fiquei comovido quando um senhor de quase 80 anos disse que sonhava em publicar seu primeiro livro. E quando minha jovem colega de mesa narrava o seu esforço para criar uma biblioteca comunitária na favela carioca onde morava.

Em Foz do Iguaçu, foi marcante visitar também uma escola pública, onde crianças recebiam pela primeira vez um escritor desde que a pandemia havia começado.

É nessas ocasiões em que também aprendemos muito sobre o ofício. Quando um menino de 10 anos me perguntou qual a importância de discutir política com crianças e lutar contra as formas de repressão, me fez refletir acerca de bastante coisa. Tinha acabado de ler com eles um trecho da adaptação para jovens do livro A Revolução dos Bichos que estava lançando, cujo exemplar deixaria de presente para a biblioteca da escola, a fim de fisgar aqueles leitores para quem jogara as iscas em forma de fábula. Como disse C. S. Lewis: “A criança não despreza florestas reais porque leu sobre florestas encantadas: a leitura faz todas as florestas reais um pouco encantadas”.

Outra pergunta interessantíssima de outra criança, que meu deu certa confusão inicial: qual o primeiro livro que postei? Para ela, postar e publicar são sinônimos. De fato, em vários aplicativos o verbo é publicar mesmo, então faz todo o sentido que para ela o processo de publicação de um livro seja o mesmo que tornar público um texto pelo celular.

Todas essas vivências só se tornam realmente possíveis quando estamos juntos, lendo, trocando ideias e discutindo. Por isso, ficamos na torcida para que esse antigo normal retorne o quanto antes. E com cachê, certo?

Henrique Rodrigues nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro, em 1975. É curador de programações literárias e consultor para projetos e programas de formação de leitores. Formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. É autor de 24 livros, entre poesia, infantis, juvenis. www.henriquerodrigues.net

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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