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O sentido de emergência que dinamiza uma geração
PublishNews, 21/12/2011
A Rede Social

Quando assisti ao filme “A rede social” não esperava mais que uma diversão, mas obtive ali algumas respostas e confirmações sobre um tema que vinha conversando com amigos a respeito da pressa por acontecer que se abate sobre as novas gerações.

O filme: Marc é um jovem que freqüenta a universidade de Harvard. Depois de levar um fora da namorada, hackeia, para se vingar, fotos de mulheres das redes internas de universidades e propõe um programa de avaliação e comparação das beldades. Algo tão simples assim tinha de dar certo. Em questão de dias, Marc torna-se popular e, então, para de certa forma lidar com sua própria timidez, investe todo o tempo na criação de uma rede interativa que logo vira mania. O Facebook cresceu assustadoramente e foi oferecendo ferramentas para manter cada vez mais e mais as pessoas conectadas. Ela é hoje uma das empresas mais promissoras do mundo, então conhecer a história de como tudo isso começou – o que fez dar certo, as brigas, os processos judiciais, o fim de uma amizade, a corrupção de valores... – é bem interessante.

Para mim, além da diversão e informação, uma das principais mensagens do filme é sobre a velocidade em que a coisa acontece. Vemos ali um jovem nerd, que há uma década seria o alvo preferido da escola para a prática social do bulling, transformar-se numa estrela, num grande vencedor.

Mas comecei a pensar que essa idéia de sucesso instantâneo possa estar contaminando a geração que hoje tem menos de 30, chamada de Y. Tenho visto cada vez mais nas pessoas dessa geração um sentido de urgência absurdo. Querem sucesso, reconhecimento, acesso imediato a tudo o que a carreira na qual acabaram de aportar tem para oferecer no decurso de algumas décadas. Depois de perceber isso em mais de duas dezenas de pessoas a quem tenho acesso, entre colegas de trabalho e amigos e familiares, comecei a conversar com outras pessoas que percebiam a mesma coisa e acredito que esse é o pensamento dessa geração.

Há duas formas para obtenção de valores culturais: a cultura reificada e a cultura por processo. A reificada é aquela obtida, comprada, absorvida. Por exemplo, quando um país invade outro e absorve os bens e valores culturais (ex: o Império Romano); e a cultura por processo – obtida ao longo de aprendizado, reconhecimento da cultura, experiência. Ela se forma com uma via de mão dupla entre o tema e o indivíduo; quando a matéria interage com o aluno e o transforma; quando a arte pode ser mais bem apreciada, pois já se pode tanto entender a origem daquela escola artística quanto compará-la com todos os seus executores. E, depois disso, com o próprio debate que se passa internamente para assumir opiniões com embasamento.

No afã do imediatismo, sem tempo para processar cada coisa, esse pensamento atual em muito se assemelha à cultura reificada, como se o amadurecimento, o desenvolvimento, as etapas pelas quais temos de passar pudessem ser compradas, puladas, tratando-as como mero obstáculo desnecessário como o apêndice – um sinal de que já tivemos cauda como a de macacos, que depois perdeu a utilidade.

A geração Y vive a necessidade de acontecer rapidamente, como se estivéssemos numa contagem regressiva e fosse preciso viver tudo no mais breve tempo possível. Acho um exagero, mas isso se deve a diversos fatores. Não vou me ater a eles, pois não é minha praia. Quero tratar aqui apenas dos resultados a que esse comportamento pode levar.

Se pegarmos o exemplo de Mark Zuckerberg e acharmos que ele se repete o tempo todo, podemos incorrer num grande equívoco, com sequências de frustração. Não é a todo momento que um jovem com uma idéia cria um mundo novo e faz fortuna. Nem que há essa capacidade de qualquer jovem ensinar aos mais velhos o caminho do sucesso e do reconhecimento. Isso acontece, mas não é o tempo todo. E, se vira notícia, livro e filme, é porque é algo carregado de ineditismo.

Eu tenho um amigo que sempre achei genial, mas vi ele se perder por perceber-se como alguém com grande potencial. Depois de cometer diversos equívocos funcionais eu falei para ele: “fuja da crise de gênio. Ela pode te jogar num buraco. Conheço dezenas de pessoas geniais trabalhando para idiotas. E por quê? Porque não entregam trabalhos no prazo, porque agem como prima-donas; porque tentam recriar num único dia processos que funcionam para as empresas há décadas. Ou porque lhes falta inteligência prática”. É uma atitude contra a inovação? Não, absolutamente. Mas quem quer inovar tem de semear. Não adianta vir com uma grande semente num terreno árido.

As coisas estão acontecendo de forma muito rápida, é verdade. A forma como nos relacionamos com a tecnologia nos deixa reféns do último lançamento, da última forma de comunicação, da agilização do trabalho e com a sensação de que, se não acompanharmos essa evolução, estaremos fora do jogo, do mercado de trabalho, da sociedade. Talvez essa impermanência de valores é que gere a necessidade de correr contra o tempo, de vencer barreiras, de transgredir as regras e percursos já consagrados.

A geração madura vai ficar obsoleta mais rapidamente que 20 anos atrás, mas penso que quem das novas gerações apreender mais com a experiência e se lançar com mais segurança e preparo sempre vai se sair melhor. É não dar um passo grande demais antes do tempo, não ficar ansioso por não ter o reconhecimento financeiro igual ao dos superiores. Hoje vejo jovens de 20 se prepararem para comprar o primeiro imóvel enquanto, nas condições semelhantes, 20 anos atrás, boa parte só conseguia tentar um financiamento para esse fim aos 40, e reunindo FGTS de décadas de trabalho e outras economias durante a vida. Isto é um avanço, mas não se pode meter os pés pelas mãos.

O assunto é extenso e, por mais que pareça o contrário, penso que o que escrevo aqui é uma troca de experiências. O que quero dizer é: calma, antes foi bem mais difícil. As gerações devem aprender umas com as outras. As regras de uma nem sempre funcionam o tempo todo. Ter essa consciência sempre presente pode ajudar tanto a reduzir a ansiedade quanto a investir com profundidade em todos os seus projetos, criando a base antes do topo.

Muitas matérias de revistas e jornais sobre carreiras falam sobre as habilidades das novas gerações e eu ponho uma nova questão aqui: e as desabilidades? Se há muita velocidade, há perda de compreensão, e muitas vezes superficialidade. Se há muitos amigos virtuais, a relação não tem profundidade. Se há interatividade virtual, há introspecção real. Vejo gente que não consegue se comunicar com quem está do seu lado ou resolver um problema por meio de diálogo, por falta de traquejo, habilidade de negociação. Não sabe lidar com o outro se não for através de um e-mail. Não sabe resolver problemas. Tive uma colega que vivia me trazendo os problemas: “ah, não mandaram a foto; passei o contrato, o setor tal perdeu, o autor está furioso, o livro vai ficar parado na gráfica se ele não for encontrado”. Eu perguntava: o que você é? Repórter? Preciso que converse com as pessoas, encontre soluções, dialogue para resolver os problemas. Resolver: uma habilidade que pode ficar perdida em tantas relações virtuais e que se assemelham, no ambiente profissional, a má burocracia. Um sistema de processos quase mecânicos feitos para atrasar qualquer processo.

Talvez esteja aqui um ponto que possa diferenciar as pessoas de sucesso da nova geração: viver os princípios dessa velocidade sem ignorar o aprendizado das anteriores. O volume de informação a que temos acesso está cada vez mais se impondo diante de nosso tempo diário, tomando horas preciosas de apreciação de prazeres reais, aprendizados, cultura, reflexão. Quanto lixo consumimos em mensagens, em paginas centrais de portais, em fotos trocadas em todo momento como se fossem as coisas mais importantes do nosso dia? E quanto essas coisas nos distraem de nossas atividades de modo que levamos mais tempo para executá-las e, portanto, temos menos tempo de lazer, de almoço, de ócio criativo?

Por curiosidade vejam o trailer do filme “A rede social 2”, que mostra o que aconteceria com o mundo se o Facebook acabasse e como nossas atuais atitudes no “Face” ficariam ridículas no mundo real. Muito divertido.

Até a próxima coluna. Se quiserem fazer comentários mandem para o meu blog.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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