Escritor húngaro László Krasznahorkai é o Prêmio Nobel de Literatura 2025
PublishNews, Guilherme Sobota, 09/10/2025
Meio literário brasileiro tinha expectativa de que Milton Hatoum pudesse levar a distinção neste ano

László Krasznahorkai, Prêmio Nobel de Literatura | © dpa picture alliance_Alamy_Fotoarena
László Krasznahorkai, Prêmio Nobel de Literatura | © dpa picture alliance_Alamy_Fotoarena
O escritor húngaro László Krasznahorkai é o Prêmio Nobel de Literatura 2025. No Brasil, a Companhia das Letras publicou o romance Sátántangó, com tradução de Paulo Schiller. A distinção foi atribuída pela Academia Sueca "por sua obra envolvente e visionária que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”. No início de 2026, a editora vai publicar O retorno do Barão Wenckheim, traduzido por Zsuzsanna Spiry. O romance conta a história do barão Béla Wenckheim, que retorna, no fim da vida, à sua cidade natal no interior da Hungria. A editora também vai lançar Herscht 07769, romance de mais de 400 páginas escrito em uma só frase.

Krasznahorkai nasceu em Gyula, Hungria, em 1954. Vencedor do Man Booker International Prize em 2015, é autor ainda dos romances Az ellenállás melankóliája (1989; A melancolia da resistência, em tradução livre), Háború és háború (1999; Guerra é guerra), Rombolás és bánat az Ég alatt (2004; Destruição e tristeza sob o céu), entre outros. Sátántangó foi o seu primeiro livro publicado no Brasil, sua estreia na Companhia das Letras, em 2022.

Otavio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, diz ao PublishNews: “'Tudo mudou, exceto o comportamento humano’. Muito bem-vindo o Nobel a esse escritor que inova radical e brutalmente a partir da melhor tradição".

"Autor fascinante e sombrio", descreve o escritor e editor da Companhia, Emilio Fraia, que editou o livro no Brasil. "Forma implacável. Ler seus livros é ser conduzido por um lento fluxo de lava modernista e pós-modernista, como se entrássemos e saíssemos de becos escuros e impossíveis, cheios de ambiguidades e não ditos. Escritor pra valer."

O escritor e curador Carlos Henrique Schroeder chegou a convidá-lo para a Bienal Internacional do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, em 2023, mas o escritor declinou o convite por motivos de saúde na época. "Lázló é o tipo de escritor que tensiona a linguagem e empurra o leitor para uma zona imprevisível (parece que você é um stalker do livro dos irmãos Strugatsky)", diz Schroeder. A tentativa do convite em 2023 envolvia a homenagem da Bienal de Jaraguá à Hungria. "Suas frases longas e sinuosas nos arrastam para uma onda de circularidade, entre a claustrofobia e a clarividência. Sempre teve grandes admiradores, como a Susan Sontag, o Colm Tóibín, o Imré Kertész e o Sebald... Fazia muito tempo que eu não me animava com o Prêmio Nobel."

Para o escritor, editor e tradutor Antônio Xerxenesky, a contribuição do novo Prêmio Nobel para o cinema é também impressionante. "Um escritor tão peculiar que parece viver de recursos exclusivos, que só a literatura possui. Mas quando assistimos aos filmes de Béla Tarr que adaptam Lászlo percebemos como suas obras-primas do cinema também conseguem capturar muito bem o tom apocalíptico do autor. Então Lászlo não é apenas um mestre literário, mas um grande colaborador na arte cinematográfica", diz.

Vida e obra

O autor nasceu numa pequena cidade próxima à fronteira com a Romênia. Um ambiente rural similar é o pano de fundo de Sátántangó, de 1985, livro que se tornou sensação literária no país e depois foi adaptado, em 1994, pelo diretor Béla Tarr ao cinema. A colaboração com Tarr é outra marca da carreira de Krasznahorkai – seis filmes do diretor têm seus roteiros escritos pelo novo Prêmio Nobel.

Em Az ellenállás melankóliája (1989; A melancolia da resistência, em tradução livre), o autor escreve uma fantasia de horror situada também numa pequena cidade húngara, marcada por um estado de urgência após a chegada de um circo cuja principal atração é a carcaça de uma baleia gigante. Segundo o comitê do Nobel, "empregando cenas oníricas e caracterizações grotescas, László Krasznahorkai retrata de maneira magistral a luta brutal entre ordem e desordem". Após a leitura desse livro, a crítica Susan Sontag definiu o autor como o "mestre do apocalipse" na literatura contemporânea.

Entre outros grandes temas que perpassam sua obra, estão questões como imigração, exílio e vícios. Ao longo dos anos, a prosa de Krasznahorkai desenvolveu "uma sintaxe própria, com frases longas e sinuosas, praticamente desprovidas de pontos finais" – o que se tornou sua assinatura.

"László Krasznahorkai é um grande escritor épico da tradição da Europa Central que se estende de Kafka a Thomas Bernhard, e é caracterizado pelo excesso grotesco e pelo absurdo. Mas em uma série de trabalhos tardios ele se volta para o Oriente, adotando um tom mais contemplativo e calibrado", explica Anders Olsson, presidente do Comitê do Nobel, em um texto de divulgação do prêmio.

Depois de um período estudando direito, o escritor se mudou para Budapeste em 1978 para estudar literatura e húngaro, na universidade Eötvös Loránd, onde se formou. Sua tese foi sobre a obra e as experiências do escritor Sándor Márai, especialmente após o exílio imposto pelo regime comunista em 1948. Krasznahorkai também trabalhou em uma editora húngara, a Gondolat, e desde 1983 atua como escritor freelance.

O autor não saiu da Hungria comunista até 1987, quando foi para Berlim Oriental com uma bolsa de estudos – depois disso, viveu em diversos países, mas sempre retornando à sua terra natal. No início dos anos 1990, passou longos períodos na Mongólia e na China, e mais tarde no Japão. Enquanto escrevia o romance Háború és háború (Guerra é guerra, em tradução literal, 1999), viajou pela Europa e viveu no apartamento de Allen Ginsberg em Nova York – as contribuições do poeta norte-americano ao seu trabalho foram reconhecidas publicamente mais tarde pelo escritor. Atualmente, ele vive em Szentlászló, na Hungria, cidade próxima à fronteira com a Croácia. Seu principal herói literário, segundo o próprio autor, é Franz Kafka.

Sátántangó

Publicado originalmente em 1985, Sátántangó é um romance monstruoso, de acordo com a Companhia das Letras. A ação se concentra na chegada de um homem misterioso, que pode ser um profeta, um vigarista, ou o próprio demônio, a uma aldeia húngara onde a chuva não para de cair. Os habitantes do lugar, um elenco de desajustados e enlouquecidos (camponeses esfarrapados; um médico alcoólatra observando obsessivamente seus vizinhos; jovens perdidas num moinho destroçado; uma garota com deficiência tentando matar seu gato) descobrem em determinado momento que Irimiás, um homem a quem atribuem poderes extraordinários, e dado como morto, está a caminho do lugar, com seu companheiro, Petrina. Para esperá-los, reúnem-se numa taverna, espécie de porão do fim do mundo, onde discutem, bebem e dançam ao som de um acordeão.

Com influências marcadas de Kafka, Beckett e Walser, ainda de acordo com a Companhia das Letras, "o escritor constrói um lento fluxo de lava modernista, como se entrássemos e saíssemos de becos impossíveis. O cenário é e não é a Hungria sob o comunismo, e a fé depositada na aparição de um líder salvador faz com que a obra não perca sua assombrosa atualidade."

Veja alguns comentários sobre a obra de László Krasznahorkai:

  • "O mestre húngaro do apocalipse." – Susan Sontag
  • "Um dos artistas mais misteriosos em atividade." – Colm Tóibín
  • "A universalidade da visão de Krasznahorkai rivaliza com a de Almas mortas de Gógol e supera em muito todas as preocupações da escrita contemporânea." – W.G. Sebald
  • "Suas longas e sinuosas frases me encantam." – Imré Kertész
  • "O tipo de escritor que pelo menos uma vez em cada página encontra um jeito perfeito de expressar algo que alguém sempre sentiu mas nunca foi capaz de descrever." – Nicole Krauss
  • "Profundamente inquietante" – James Wood
  • "Não há nada parecido na literatura atual." – Adam Thirlwell

O Prêmio Nobel de Literatura

Os prêmios Nobel nasceram da vontade do químico, engenheiro e industrial sueco Alfred Nobel (1833-1896) em doar a sua fortuna para o reconhecimento de personalidades que prestassem serviços à Humanidade.

Em 2018, após acusações de abuso sexual e corrupção no seu comitê, o Prêmio Nobel de Literatura não foi entregue. Para compensar, em 2019 escolheu dois autores, o austríaco Peter Handke – escolha que que gerou críticas – e a polonesa Olga Tokarczuk. Já em 2020, a escolhida foi a poeta americana Louise Glück. Em 2021 levou o tanzaniano Abdulrazak Gurnah, e em 2022, Annie Ernaux. Em 2023, o escritor norueguês Jon Fosse foi o laureado.

No ano passado, a autora sul-coreana Han Kang foi a vencedora. A escritora de 54 anos foi escolhida "por sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana".

[09/10/2025 08:00:55]