Pioneira nos estudos da Economia Prateada no Brasil e na América Latina, Layla acredita que os livros são peças-chave na construção de novos imaginários sobre o envelhecer. Eles rompem o silêncio e os estereótipos, trazendo o tema para o centro das conversas – no trabalho, à mesa de jantar, entre amigos. Ao dar nome a experiências que muitos vivem, mas raramente expressam, os livros validam percepções, ampliam repertórios e revelam que envelhecer é uma pauta coletiva, urgente e plural.
Qual é a sua formação e como os estudos de longevidade entraram na carreira?
Sou graduada em Marketing e possuo especialização em Marketing Digital pela New York University. Cresci em uma família de empreendedores e aprendi desde cedo a olhar para desafios como pontos de partida para criar algo novo. Em 2015, quando meu pai se aposentou, acompanhei de perto as inquietações dessa transição. Percebi como o envelhecimento ainda era visto de forma limitada, quase sempre associado à perda – e não à potência. Foi nesse momento que conheci o conceito de Economia Prateada, ainda pouco explorado no Brasil, e entendi que havia ali um campo imenso para inovar e gerar impacto. Mas a intuição não bastava: era preciso ter dados. Assim nasceram os estudos inéditos que conduzi e que revelaram quem são e como vivem, de fato, os prateados no Brasil e na América Latina.
Você usa livros como referência nos seus trabalhos de pesquisa e nas palestras?
Sim, com certeza! Os livros são grandes aliados tanto nas minhas pesquisas quanto nas palestras. Gosto de transitar entre referências técnicas e leituras que inspiram novas formas de ver o mundo. Entre os mais técnicos e diretamente ligados à longevidade, destaco The Longevity Economy e Longevity Hubs: Regional Innovation for Global Aging, de Joseph Coughlin – que ajudam a traduzir o envelhecimento como uma potência econômica e social. No contexto brasileiro, sempre trago obras como Etarismo: um novo nome para um velho preconceito (Matrix), de Fran Winandy, Diversa-Idade: empatia que conecta gerações no trabalho e na vida (Ubook), de Tati Gracia e Will Fiori, A invenção de uma bela velhice: projetos de vida e a busca da felicidade (Record), de Mirian Goldenberg, e Uma história da velhice no Brasil (Vestígio), de Mary Del Priore, que me ajudam a construir um olhar mais sensível e situado sobre a realidade do envelhecer no país.
Também me inspiro em livros que não falam diretamente de longevidade, mas me ajudam a comunicar melhor o que é complexo. Factfulness: o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos (Record), de Hans Rosling e outros, é um deles – essa é uma aula sobre como olhar para os dados com menos vieses. E Roube como um artista: 10 dicas sobre criatividade (Rocco), de Austin Kleon, é uma referência sobre criatividade e simplicidade na hora de comunicar ideias de um jeito acessível.
Você tem acompanhado como a literatura vem retratando o envelhecimento? O que esses retratos dizem sobre as expectativas e os estigmas que ainda cercam a longevidade?
Sim, tenho acompanhado de perto. Percebo que a literatura sobre envelhecimento hoje se distribui em dois grandes polos. De um lado, temos os livros mais técnicos, que analisam o envelhecimento como uma mudança demográfica com implicações profundas para a sociedade, a economia e o mercado de trabalho. Do outro lado, surgem as narrativas pessoais: livros sensíveis e potentes, geralmente centrados na vivência individual de quem escreve. O desafio aqui é que essas experiências, por mais legítimas que sejam, nem sempre representam a diversidade do envelhecer no Brasil. Muitas vezes refletem um recorte específico de gênero, classe, raça e faixa etária que não pode ser generalizado para toda a população 60+ e às vezes sem apelo para os mais jovens. Nos últimos anos, houve um aumento significativo de publicações sobre o tema, o que é ótimo. Mas ainda sinto falta de obras que consigam transitar entre o técnico e o afetivo, entre os dados e as histórias. Ainda há um grande espaço para construir uma literatura que amplie os imaginários sobre o envelhecimento.
Qual papel os livros podem ter na construção de um novo verbete sobre envelhecer e no combate ao etarismo?
Os livros têm um papel fundamental na construção de novos imaginários sobre o envelhecer. Eles ajudam a tirar o tema do campo do silêncio ou dos estereótipos e colocá-lo no centro das conversas que já estão acontecendo no trabalho, na mesa de jantar, nos grupos de amigos. Ao nomear experiências que muitos vivem, mas poucos verbalizam, os livros validam percepções, ampliam repertórios e mostram que envelhecer é uma pauta coletiva, urgente e diversa. Mais do que informar, eles podem provocar: abrir espaço para reflexões sobre o etarismo – um preconceito ainda pouco discutido, pouco metrificado e muitas vezes naturalizado. Ao dar visibilidade às múltiplas formas de viver a longevidade, os livros se tornam ponto de partida para um entendimento mais profundo, considerando as interseccionalidades e as muitas velhices possíveis, especialmente em um país como o Brasil, onde a desigualdade marca fortemente o modo como se envelhece.
Na sua visão, quais histórias ainda não foram contadas – ou que foram mal contadas – sobre o envelhecimento e as pessoas 60+? Quais narrativas ainda nos fazem falta?
Ainda faltam narrativas mais reais, ou seja, menos idealizadas e menos estigmatizadas sobre o envelhecimento. Durante muito tempo, essa fase da vida foi associada apenas à perda: de saúde, de memória, de desejo, de relevância social. Nos últimos anos, surgiu o contraponto do “superidoso”: ativo, musculoso, empreendedor. Mas, no meio desses dois extremos, está a maioria dos brasileiros: pessoas comuns vivendo uma fase cheia de surpresas, positivas e negativas, como em qualquer outra etapa da vida.
O que torna essa fase inédita é a extensão do tempo. Viver mais amplia o que é bom e o que é difícil – e geralmente os dois vêm juntos. Mas, seguimos contando poucas histórias que reflitam essa complexidade. E, quando contamos, muitas vezes são recortes de uma elite branca, rica e heteronormativa. Faltam vozes da periferia, do interior, da diversidade de corpos, gêneros e trajetórias. Não é só sobre mostrar o lado duro, é sobre trazer representações que sejam potentes, completas, verdadeiras.
Outra coisa que me chama atenção é o mito do “idoso bonzinho”. Como se, ao envelhecer, todo mundo se tornasse sábio, gentil e iluminado. E não é assim. Pessoas continuam sendo complexas aos 60, 70, 80 anos. Também existem idosos tóxicos, conservadores, machistas e egoístas, porque não se deixa de ser humano ao envelhecer.
Existe uma personagem literária madura que a inspirou ou provocou reflexões recentemente? Algum livro a fez repensar o envelhecimento (seu e da população do planeta)?
Sim. Apesar de ter lido há alguns anos, volta e meia me pego pensando no Herman Roth, personagem central de Patrimônio (Companhia das Letras), de Philip Roth, e a relação deles de pai e filho. O livro narra os últimos anos de vida de Herman, já fragilizado por uma doença terminal, mas ainda absolutamente fiel à sua essência: um homem firme, cheio de opiniões, vaidoso, e que insiste em se manter de pé mesmo quando o corpo falha. O que me tocou foi justamente isso: a velhice não “reinventa” quem somos. Ela intensifica, às vezes escancara. Herman não virou outro homem por estar envelhecendo, ele seguiu sendo ele mesmo, com todas as suas durezas e seus afetos. E é nesse contexto, entre o desgaste físico e os laços emocionais, que o livro mostra a potência da relação entre pai e filho, com todas as suas nuances, seus paradoxos e suas contradições. A grande reflexão que esse livro me trouxe – e que levo para a vida – é que o envelhecimento é, em grande parte, o resultado do que construímos ao longo da vida. É um projeto que começa agora, não só aos 50 ou 60 anos. A obra então não fala só sobre o patrimônio financeiro, mas também sobre o nosso patrimônio emocional e social: os vínculos, os afetos e as relações que sustentam a nossa existência.
Quais livros, relatórios e pesquisas deveriam ser leituras obrigatórias para quem está escrevendo, editando e publicando livros sobre a longevidade ou com personagens maduros?
Todo brasileiro deveria ler, pelo menos uma vez na vida, o Estatuto do Idoso. É um documento fundamental não só para garantir direitos, mas para ajudar a compreender o que significa envelhecer em um país tão desigual como o nosso. Se pudesse indicar apenas um estudo, seria o Tsunami60+ (2018), que tive a honra de ser uma das coordenadoras. Foi o maior estudo qualitativo sobre a maturidade já feito no Brasil, com entrevistas em todas as regiões do país e classes sociais com pessoas de 60 a 90 anos. Reunimos especialistas de diversas áreas – demografia, economia, psicologia, futurismo – para mergulhar na forma como essa geração, a primeira a viver coletivamente a extensão do tempo. É um projeto que até hoje me emociona pelo ineditismo, pela profundidade e pela ousadia de escutar com atenção real quem muitas vezes é invisibilizado.
Recomendo também a série de estudos FDC Longevidade – da Fundação Dom Cabral –, que é pública e traz uma visão ampla sobre o impacto da longevidade nas pessoas, nos negócios e na sociedade. Há edições especiais sobre diversidade e sobre o papel do Fundo do Idoso, temas ainda pouco explorados na literatura brasileira, mas essenciais para quem quer estudar e escrever em profundidade.
Se você fosse autora de um livro de ficção sobre a Economia Prateada, quem seriam os protagonistas? Seria uma distopia, uma fábula, uma autoficção? E que conflitos centrais você traria à tona?
Se um dia eu tiver a habilidade e a coragem de escrever um livro de ficção, meus protagonistas seriam três ou quatro gerações envelhecendo ao mesmo tempo e sob o mesmo teto: um pai de mais de 90 anos; o filho de 70; e o neto de 45. Essa convivência, que já é realidade para muitas famílias, carrega um campo fértil de conflitos, frustrações e, ao mesmo tempo, descobertas e alegrias inesperadas. As dinâmicas mudam, os papéis se invertem, e cada um precisa renegociar quem é e o que espera do outro. Outro tema que certamente entraria na trama é o direito à morte – ainda um grande tabu, mas que vai se tornar cada vez mais presente nas próximas décadas. É um assunto difícil de digerir, mas que já habita, de forma silenciosa, o inconsciente de muita gente.
Na sua análise, o mundo caminha para um futuro com mais leitores maduros? E o Brasil?
Sim, com certeza. O crescimento da população 50+ impacta todos os mercados e o editorial não é exceção. Em 2021, em uma pesquisa que coordenei no data8 com mais de 2.500 brasileiros acima de 50 anos, perguntamos quais eram as principais fontes de lazer. O resultado foi: 30% citaram os livros no formato físico e 10% no digital. Ou seja, a leitura já é um hábito consolidado e ocupa um espaço importante na rotina desse público que, agora, viverá muito mais tempo do que as gerações anteriores.
Como envelhecerá o próprio livro? Com a transformação dos hábitos de leitura, a inteligência artificial generativa e o aumento da longevidade, que futuro você imagina para o livro como objeto cultural? E como esse futuro dialoga com uma sociedade mais velha?
Perguntas difíceis! Antes mesmo de falar sobre o futuro do livro, acho que precisamos refletir sobre o futuro da comunicação. Já estamos vendo um fenômeno curioso: a produção de conteúdos feitos não para humanos lerem, mas para máquinas lerem. Artigos e reportagens criados para que modelos de linguagem – como as inteligências artificiais generativas – processem, resumam e entreguem versões mastigadas para o público. É o conteúdo pensado para o algoritmo, não para o olhar humano. Ao mesmo tempo, acredito que veremos um movimento oposto: o surgimento de obras profundamente humanas.
Quando estivermos saturados do que é sintético, automatizado e impessoal, haverá um retorno ao que é genuíno, imperfeito e vivo. E o livro, nesse cenário, pode ganhar ainda mais valor como objeto cultural justamente por carregar essa humanidade: um encontro direto entre autor e leitor, sem intermediários artificiais. É aí que a longevidade entra. Os mais velhos são nossas grandes “bibliotecas vivas”: pessoas que viveram e experimentaram um mundo anterior ao boom da IA. Por um bom tempo, eles serão guardiões dessa memória e guias para mantermos o senso do que é real.
Com o envelhecimento populacional e o avanço da alfabetização digital entre os 60+, como você enxerga o futuro do mercado editorial para esse público? O que está mudando e o que ainda resiste?
Ainda há muito espaço para o livro físico entre o público 50+, que foi alfabetizado e construiu sua vida profissional lidando com o papel. Mas uma nova geração de maduros já chega habituada a ler no celular, no tablet ou no computador. O futuro não será sobre escolher entre um ou outro formato, mas sobre como integrar as duas experiências. O desafio e a oportunidade estão em criar vivências literárias ricas no digital e, ao mesmo tempo, preservar a experiência sensorial e afetiva do livro físico. É aí que entra a lógica do phygital: um híbrido que funciona muito bem para os “novos maduros”, um público que, por muito tempo ainda, terá recursos financeiros, curiosidade e disposição para investir em cultura e conteúdo de qualidade.
O que você diria para editoras e escritores que ainda não perceberam a potência dos leitores e personagens maduros?
A primeira coisa é simples: faça as contas. Dado mata relato. Olhe para a sua própria base de clientes: com certeza já existem muitos 50+ comprando e, melhor ainda, recomprando. E esse é um público com custo de aquisição menor do que outras gerações, porque valoriza e pratica o poder da indicação e do boca a boca. Não dá para ignorar a força de consumo dos maduros: só no Brasil, eles movimentam quase R$ 2 trilhões por ano. Compram para si, para filhos, netos, pais… são protagonistas de consumo em quase todos os setores da economia. Diria, categoricamente, que se a editora ainda não enxerga esse mercado, está perdendo um filão!
O que você tem lido? Dicas…
Minha dica é o livro Uma história da velhice no Brasil, da historiadora Mary Del Priore, que revela como, ao longo dos séculos, a sociedade brasileira tratou e representou os mais velhos. É uma obra curiosa, instigante e reflexiva, que nos ajuda a escapar das narrativas simplistas sobre o envelhecer na nossa cultura. Mary nos conduz a uma época em que a velhice era vista como castigo divino ou maldição – associada à feiura, à fragilidade e até à bruxaria – até contextos em que ela simbolizava poder, sabedoria e prestígio. O livro mergulha nas ambiguidades vividas por nossos povos originários, no papel (e na vulnerabilidade) dos idosos no Brasil rural, nas diferenças entre as experiências de homens e mulheres e nas marcas que séculos de preconceito deixaram no nosso imaginário. Uma leitura essencial para quem quer compreender as raízes históricas do envelhecimento no Brasil!
Conversar com Layla Vallias e olhar para o futuro com a perspectiva de que a população global envelhece rapidamente. O futuro é velho – e essa é uma boa notícia! Claro, cheia de complexidade e de desafios. Não se trata apenas de viver mais, mas de viver melhor, abrindo espaço para histórias que reflitam a diversidade, a potência e a complexidade dessa fase da vida. E, no centro desse novo pensar, os livros continuam sendo pontes: entre dados e afetos, entre gerações e, principalmente, entre o que fomos e o que ainda podemos ser.
*Lu Magalhães é fundadora do Grupo Primavera (Pri, de primavera & Great People Books), sócia do PublishNews e do #coisadelivreiro. Graduada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui mestrado em Administração (MBA) pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Desenvolvimento Organizacional pela Wharton School (Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos). A executiva atua no mercado editorial nacional e internacional há mais de 20 anos.
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