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Futuros Compostos | Dark romance e healing fiction capturam o espírito do tempo?
PublishNews, Lu Magalhães, 09/10/2024
Em nova coluna, Lu Magalhães disserta sobre os dois gêneros literários que têm se popularizado nos últimos tempos

Dark Romance é tendência da ficção contemporânea | © Freepik / imagem gerada por IA
Dark Romance é tendência da ficção contemporânea | © Freepik / imagem gerada por IA
Em uma entrevista que habita a década de 1990, Hilda Hilst falou o quão intolerável era, para a sociedade de então, uma mulher escrever pornografia. Citou, ainda, que a viam como louca – uma reação que, na sua leitura, trazia uma certa nostalgia da santidade. Aqui, em 2024, escrever sobre livros e futuros é ler o passado com a lente do caminhar da humanidade. Por isso, ao me sentar para escrever um artigo sobre dois subgêneros literários da contemporaneidadeDark romance e Healing fiction –, eu me vi impelida a olhar para o ontem para compreender esse presente literário.

Reportagens recentes trouxeram as vozes de “doutores da mente”, sociólogos e antropólogos para explicar o sucesso do Dark romance – que ultrapassa a marca de 1,6 milhão de vídeos no TikTok, mais de um milhão de menções nas redes sociais e milhões de exemplares vendidos. Com roteiros repletos de relações conturbadas, nas quais os limites das relações amorosas são testados em dinâmicas tóxicas e temas como submissão, estupro, pedofilia, sadismo e muito mais, esse subgênero tem as mulheres entre a maioria absoluta de leitores e autores. E como explicar que, na pós-modernidade, as mulheres sejam protagonistas desse “movimento”?

A psicóloga Ester Mendes Pereira, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, aponta que a popularidade está na tendência humana de se interessar pelo chocante ou proibido. A ficção é um território para explorar as fantasias mais obscuras por ser seguro, privado. Por outro lado, vozes se levantam sobre o perigo da glamorização da violência contra mulheres. Eis que a réplica aparece: a crítica moralista é mais uma face do machismo que tenta dizer à mulher como ela deve constituir o seu desejo e a expressão literária dele. A psicanalista Vitoria Whately traz mais um elemento para a reflexão: obras como Frankenstein; O morro dos ventos uivantes; e Romeu e Julieta trazem conteúdos abusivos romantizados.

No mesmo momento, um outro subgênero toma as prateleiras e lidera as vendas: a ficção de cura (healing fiction). Impossível não notar que esse fenômeno literário vem do mesmo berço que a Sociedade do cansaço (Byung-Chul Han). É, na minha leitura, quase uma resposta dos jovens ao desalento. Oriundas especialmente do Japão e da Coreia do Sul, as obras são compostas por histórias leves, inspiradoras, com gatos, livrarias, bibliotecas...

Uma ficção de cura, que conforta e vende bem. Esse tem sido um fenômeno de vendas no mercado literário global. A ideia é ter um livro que acolha e ajude o leitor a transpor conflitos internos – e, principalmente, as angústias da contemporaneidade. Entre os títulos, A biblioteca da meia-noite (Matt Haig) e A biblioteca dos sonhos secretos (Michiko Aoyama). Com lançamentos previstos para 2024 e 2025, é possível que essa tendência ganhe força e obtenha chances reais de se estabelecer para além de um modismo literário.

Em perspectiva, vejo que o surgimento e a popularidade do Dark romance e da Healing fiction não são meros produtos das preferências literárias do momento; eles representam respostas culturais a pressões profundas e desafios existenciais enfrentados pela sociedade contemporânea. Em um mundo cada vez mais marcado pela ansiedade, polarização e incerteza, esses subgêneros oferecem aos leitores duas vias contrastantes, mas igualmente válidas, para lidar com suas realidades emocionais e psicológicas.

Enquanto o primeiro convida as leitoras a explorar aspectos mais complexos da condição humana – confrontando fantasias em torno de poder, submissão e moralidade no ambiente seguro da leitura –, o outro surge como um antídoto para a dureza da vida moderna, oferecendo narrativas que visam a proporcionar alívio emocional e esperança. Um porto seguro em meio ao caos.

Vale lembrar que a literatura não é um reflexo passivo da realidade. Antes, ela captura o zeitgeist e se torna participante ativa na composição de novos entendimentos do humano.

*Lu Magalhães é fundadora do Grupo Primavera (Pri, de primavera & Great People Books), sócia do PublishNews e do #coisadelivreiro. Graduada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui mestrado em Administração (MBA) pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Desenvolvimento Organizacional pela Wharton School (Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos). A executiva atua no mercado editorial nacional e internacional há mais de 20 anos.

**Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tags: romance, TikTok
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Fundador do El País

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