Amigos do exterior, por redes de mensagem, perguntavam: acordou com o pé dentro d’água? Surpreso, respondi que não, não haveria como. Mas o Sul não está debaixo d’água? Revi os tempos em que morei nos EUA, que toda a vez que nevava no norte, tinha que explicar que onde eu morava, no Sul da Flórida, onde nunca nevava, era praticamente verão o ano inteiro.
Pois sim, o Sul do Brasil é bem maior. Há o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Logo, o Sul alagado nunca é bem assim. E há também, e por sua vez, a realidade de cada estado, sempre grande e diverso – aliás, cada estado brasileiro facilmente comporta, em tamanho, um país europeu.
Vivo na Grande Porto Alegre, num lugar privilegiado em quase todos os sentidos e que tem rio por todo o lado. Se aqui teve enchente? Teve. E não foi longe, coisa de 10 a 20 minutos de carro. O Jacuí, que deságua no Guaíba, assim como o Rio dos Sinos (vejam por favor nos mapas e fotos aéreas, usualmente instrutivas), e os desaguadouros desses rios, fizeram com que ilhas na bacia do Guaíba e outros locais ao longo da Lagoa dos Patos, como nas comunidades ribeirinhas, vissem a água subir como raro.
Tivemos enchentes, meu povo brasileiro de qualquer lugar do mundo, e próximas de nós, porém nenhuma foi, digamos, produtora de desastres, a exemplo do que ocorreu, na região do Rio das Antas e do Vale do Taquari, a duas horas daqui. A água que de lá desceu levou rio abaixo o que houvesse pelo caminho. Gente viva, bicho vivo, plantação, carro e caminhão, tudo foi levado. Teve loja de roupa, teve banco e caixa eletrônico, teve porco e cavalo, teve senhora idosa, cachorro, geladeira e até, acreditem, casa nova de alvenaria, três andares, churrasqueira e tudo, tudo, e tudinho virou lama.
Juro, chorei na hora e chorei depois, porque me identifiquei com muitos dos que foram afogados no aguaceiro, mas o que me assustou e me fez também chorar, mas de raiva, foi a cara de gente do poder público da região, e digo, de qualquer um. Caras de palerma e de olhos baços, como insinuando compaixão, porém não necessariamente...
Na Flórida, estado dos EUA, um local de furacão anual, há planos de evacuação e ação antecipatória para desastres, e lá, mesmo assim, ocorrem desastres, como em Fort Myers Beach, ano passado, devastado por ventos e ondas. E o povo do poder de lá sabe antecipadamente? Sabe, claro, tanto que o número de mortes nunca é expressivo, assim como os danos materiais são previstos por seguradoras em contratos de compra e venda de imóveis e de apólices de vida.
E aqui do Brasil, aqui no sul do sul do Brasil, como funciona? Aqui, se até livro andaram queimando e nazista se elegendo, como acreditar que um político iria se antecipar a um desastre ambiental, previsto e avisado? Para muitos, foi mais interessante se apresentar na mídia nacional, dando entrevistas e se dizendo vítima do que assumir seus erros e dizer: ISSO NUNCA MAIS VAI ACONTECER.
Neste momento volta a chover, e a promessa é que teremos chuvas em plena semana das comemorações da Revolução Farroupilha. Momento em que por hábito chove muito, alagando as avenidas onde ocorrem desfiles farroupilhas e em locais dos chamados piquetes, onde são servidos churrasco e chimarrão à vontade.
José de Alencar talvez jamais sonhou um gaúcho na cidade desta forma, pé na água e reclamando do governo mesmo tendo votado nele. Erico Verissimo viu um pouco dos CTGs a desfilar de sapatênis e espora a mandar beijos para a ditadura. Mas eles, como o Moacyr Scliar e o Luis Fernando Verissimo, no fundo sabiam que tudo iria passar, ah, isso iria. A ditadura passou, os governantes passam porque depois temos a Feira do Livro de Porto Alegre em meio aos jacarandás floridos que antecedem nossas férias, praias e verões abrasadores. Nada que não se saiba e tudo que se possa fazer de conta que é a primeira vez.
Paulo Tedesco é escritor, editor e consultor em projetos editoriais. Desenvolveu o primeiro curso em EAD de Processos Editorais na PUCRS. Coordena o www.editoraconsultoreditorial.com (livraria, editora e cursos). É autor, entre outros, do Livros Um Guia para Autores pelo Consultor Editorial, prêmio AGES2015, categoria especial. Pode ser acompanhado pelo Facebook, BlueSky, Instagram e LinkedIn.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!
Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.
Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.
O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?