Nesse primeiro quarto de século e início de milênio, há um acelerar de tudo, e em tudo vai se imprimindo feições, não só de fragmento, mas de esboço. Repentino, tudo, e falo tudo mesmo, passou a virar esboço, sem o acabamento essencial que o artista e o profissional, diletantes ou não, possam dar.
Os tais “hardwares”, ou aparelhos duros, crescem em obsolescência, e vão se inutilizando, a cada dia, mais velozmente. Aliás, comenta-se que com o 5G e a internet 3.0, todos os aparelhos dispensarão a necessidade de muita memória, cedendo espaço para ergonomia, usabilidade e praticidade. É justo de se imaginar, portanto, que os aparelhos de manuseio, chamados de “hardware” em oposição ao “software”, aparelhos de uso suave ou macio, em tradução literal, como nunca antes visto serão ainda mais descartáveis em pouco tempo de uso.
E assim o será para os veículos de deslocamento como automóveis e outros. Você usa e ele acaba na sua mão. E o que antes era um patrimônio, agora será, no máximo, alugado de terceiros, para ser descartado logo adiante. No caso dos países mais ricos e de grande consumo, para evitar lixo no quintal, toda sucata será “exportada” para países na África e para cá, no Brasil. Como já ocorre no vestuário.
Então, o livro em papel, um “hardware”, cederá em definitivo ao software do livro digital, a ser lido em descartáveis “hardwares”? Sim, é possível e quase inescapável. Mas, e a linguagem, e a cultura? Virará lixo, a exemplo de tanta coisa ruim como pornografia, violência e autodepreciação nas redes sociais e onde mais for?
Sim, a tal cultura do entretenimento tende a seguir num crescendo. Descartando artistas, descartando histórias e enterrando perspectivas de arte. E, longe de mim buscar respostas, porque quem dará respostas são as gerações que chegam à maturidade do consumo e do poder aquisitivo. Eu, pela minha geração, nascida entre os 1960 e os 1970, cabe lutar pelo exemplo e pelo alerta, porque como público consumidor e eleitor, o maior interesse já é das casas de repouso, planos de saúde e das funerárias.
Talvez devamos nos acostumar com o inacabamento, com frases incompletas e palavras tortas, deformadas. Talvez. Talvez devamos aceitar os “reality shows” de péssima qualidade como algo bom, porque ainda não vimos o pior. E talvez devamos aceitar a cultura do entretenimento nos livros e na leitura, porque, pelo menos, algum pouco se lê e algum pouco se discute. Mesmo que de forma claudicante e arrevesada.
Claro que a linguagem cotidiana, essa coisa rápida, anglicizada e fragmentada, será também cada vez mais descartável, a gíria de ontem não é mais a de hoje, e o falar de anteontem virou algo incompreensível. E assim o será até que, em algum país, com algum esforço intelectual mais comprometido com o humano, surja algo novo, e retome que a arte e boa cultura são infinitamente mais importantes do que o mero entretenimento. Enquanto isso fica o apelo dessa geração que agora dá início à sua partida: por favor, antes que seja tarde, salvem a arte e a língua.
Paulo Tedesco é escritor, editor e consultor em projetos editoriais. Desenvolveu o primeiro curso em EAD de Processos Editorais na PUCRS. Coordena o www.editoraconsultoreditorial.com (livraria, editora e cursos). É autor, entre outros, do Livros Um Guia para Autores pelo Consultor Editorial, prêmio AGES2015, categoria especial. Pode ser acompanhado pelo Facebook, BlueSky, Instagram e LinkedIn.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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