Com um país mergulhado em crise, editoras sem receber pagamentos por vários meses, e edições esgotadas por falta de reimpressões, ver o tanto de gente que frequentou a feira em seu último sábado teve um efeito positivo e pode ser capaz de nos fazer enxergar novas soluções.
Eram jovens em sua grande maioria. Não foram por excursões escolares, mas por interesse individual. A bienal encontrou o ponto mais alto de conversa com seu público. Antes, havia uma disforia, um desencontro entre a massa dos seus frequentadores e grande parte das palestras e eventos ali realizados. Nessa edição, ela priorizou o público frequentador. E, elaborar uma programação voltada ao público que a frequenta, foi a decisão mais óbvia e inteligente dos últimos anos.
Falar para o público certo
Muitas pessoas, ativistas da educação e cultura realizam inúmeros projetos focados na formação de leitores, mas não alcançam os melhores resultados, e não entendem o motivo. Ou pior, conformam-se com eventos vazios, para os mesmos amigos de sempre, e acabam por criar a ideia de que “cultura é difícil, para poucos, e blábláblá”.
Num dos debates realizados na Bienal, focado em fanfics e leituras de livros na plataforma digital Wattpad, uma professora, que estava na plateia acompanhando a filha, teceu comentários muito interessantes. Disse que não entendia porque aqueles livros, escritos por autores jovens e focados em leitores jovens, não eram apresentados aos professores. Que ela só estava lá porque a filha apresentou os livros.
Perguntei como ela escolhe os livros utilizados em sala de aula. Eram distribuídos gratuitamente pelas editoras. Perguntei quais eram os autores que ela trabalhava em sala. Normalmente, os clássicos. E ela achava importante que esses novos livros e autores fossem distribuídos gratuitamente aos professores.
Finalmente compreendi o problema.
Todo mundo que trabalha com literatura entende a necessidade de formar leitores. É bom para a cultura, para a educação, para a cidadania, para o desenvolvimento das ciências e tecnologias. Então, estamos falamos de algo considerado como de enorme importância a todos, e que merece nossos esforços para realmente melhorarmos os resultados. E se o esforço necessário exigir que abramos mão dos nossos gostos e apostar em outros livros, diferente dos que utilizaram conosco quando tentavam formar leitores?
Então dei uma resposta, aqui melhorada, à professora, a quem agradeço a oportunidade de expor uma parte do problema.
Senhora, esses livros e autores de que falamos não são produzidos por editoras de livros didáticos e paradidáticos, que destinam 30% da tiragem para doação e mantêm equipes de divulgação em escolas em todos os estados, financiadas pelas vendas de governos. Estes livros que a senhora recebe são os indicados por escolas, por programas de leitura, que raramente entendem o que realmente funciona em termos de formação de leitores. Os livros que os jovens estão interessados não entram em compras governamentais. Se a senhora esperar receber esses livros de graça, nada irá mudar. Continuará fracassando na tentativa de formar leitores, oferecendo Guimarães Rosa ou Carlos Drummond de Andrade em sala de aula. Observe os livros de autores nacionais que seus alunos estão lendo. Convide o/a autor/a para ir à escola. Compre ou peça emprestado para ler. E, se gostar, adote em sala de aula. Você vai observar o interesse por literatura aumentar de forma absurda. Não há segredos.
E terá transformado a experiência de leitura nas salas de aula em algo divertido, que é o que deve ser, especialmente quando falamos na formação de leitores em atividades de grupo.
Se hoje temos leitores na faixa dos 30 anos de idade foi basicamente graças a Harry Potter e não ao que foi ensinado nas salas de aulas. Se estes leitores vão ler obras mais literárias, mais clássicos quando estiverem lá pelos 40/50, não deve ser nossa preocupação.
Há um conceito de senso comum, amplamente disseminado em nossa sociedade, que pensa que só existem dois tipos de livros: os literários e os que não estão enquadrados nesse grupo são inadequados para os jovens. Certa vez, conversando com um grupo de especialistas em literatura, ao dizer que os prêmios literários precisavam adicionar categorias como a ficção comercial, duas pessoas comentaram que precisavam estudar como incluir livros como o do padre Marcelo Rossi, que nunca poderia ser caracterizada como ficção. Exceto eu, ninguém do grupo achou o comentário estranho. Há ainda em nosso meio uma ignorância acerca da literatura de gênero. É como se pudéssemos dividir entre literários e o resto.
Pensando nisso, fiz abaixo um roteiro com 10 tópicos para que mais pessoas possam refletir sobre como pensar a formação de leitores com novos olhares. Ele pode ser usado com um check list ou guia, pois estamos tão acostumados a pensar a atividade sempre do mesmo jeito que um guia pode auxiliar-nos a fazer diferente. E pode ser melhorado com a experiência de cada um.
Crie leitores para o mundo!
Críticas, sugestões, ampliação do tema? Escreva logo abaixo. A ideia foi apenas dar um pontapé inicial.
Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.
Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews
A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!
Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.
Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.
O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?