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Um novo mercado, um novo olhar
PublishNews, 15/05/2013
Um novo mercado, um novo olhar

Com as inúmeras mudanças ocorridas no mercado editorial, especialmente no que se refere a gêneros e linhas editoriais que se tornaram mais relevantes, podemos observar vários indicativos de que ainda há espaço para o mercado crescer antes da leitura se tornar artigo raro ou muito fragmentado. Há muitos públicos que ainda não são atendidos pelos eventos literários, pelas premiações, pelos investimentos de toda a sorte que se oferece para o universo do livro no Brasil. Todos reconhecem a existência do preconceito, mas as iniciativas para combatê-lo ainda são bastante raras. Para comentar este tema, trago um filme francês de 2012: Intocáveis.

Esse filme foi, para mim, uma grata surpresa. Pelo título não podia imaginar nada parecido. Em 1987, um filme com o mesmo nome, estrelado por Kevin Costner no auge da carreira, trazia a história do agente-lenda Eliott Ness, que formou um quarteto para combater o reinado de terror promovida na Chicago dos anos 30 pelo mafioso Al Capone (Robert de Niro). Esse filme, que teve Sean Connery e Andy Garcia como dois dos agentes, dirigido por Brian de Palma e trilha de Enio Moriconi, se tornou um clássico do cinema e havia deixado na memória aquele título para todos os filmes que viriam depois. De modo que, quando ouvi o nome 'Intocáveis’, acreditei ser apenas um outro filme de ação. Nunca poderia imaginar uma história de dois personagens situados entre duas pontas opostas: um milionário francês, tetraplégico, e um ex-detento, de origem africana, oriundo dos subúrbios de Paris. Agora sim o título parecia fazer sentido... Intocáveis.

O milionário estava entrevistando um novo cuidador, que teria de acompanhá-lo dia e noite, dar banho e auxiliá-lo em todas as necessidades. O ex-detento estava seguindo o protocolo de entrevistas de emprego, apenas para garantir a presença num número de tentativas, mas fazendo todo o esforço para não ser selecionado e continuar recebendo o auxílio-desemprego. No entanto, diante de um cenário tão adverso e uma entrevista non sense, o milionário decide contratá-lo, para surpresa de sua assistente, da família e até mesmo do ex-detento. E o motivo do milionário, que é também a mensagem do filme, é revelado quando o amigo e advogado da família, preocupado com sua segurança, pergunta o porquê de sua escolha. E a resposta vem numa frase direta: "Porque ele não tem compaixão". O ex-detento era o único que não confundia a incapacidade física daquele homem com incapacidade mental e emocional.

O filme é baseado numa história real, de uma relação patrão-empregado que virou uma amizade, dessas que transformam radicalmente a vida de ambos, e perdura até os dias de hoje. E me trouxe uma reflexão sobre como nossas opiniões podem estar completamente erradas mesmo baseada em fatos e valores bem concretos.

O que isso tem a ver com o livro?

Penso que as opiniões sobre o mercado, muitas tratadas como regras ou verdades, são frutos de opiniões obsoletas, sensações, frutos do senso comum. Já escrevi aqui algumas vezes sobre nossa mania de tratar a literatura como algo sagrado, complexo, o que a tornou elitista e distante e que nos fez estabelecer valores tão arraigados sobre o que é bom e ruim, o que deve ou não ser publicado. Fiz então uma pequena coleção do que considero ser equívocos, alguns que consigo enxergar de senso comum e são perpetuados continuamente:

- Livros que são mais vendidos muitas vezes não são um sucesso. Algumas vezes não pagam o investimento. Pelo menos 1/3 das vezes são um fracasso, seja porque as editoras investem o dobro do que ele pode render ou vendem parte considerável da edição por um preço inferior ao custo.

- Uma série de autores/artistas hoje tratados como cult, no passado, ou mesmo em sua época, eram tratados como beberrões, filósofos de esquina ou equivalentes. De modo que ou a inteligência de sua época estava toda errada, ou os valores mudaram, ou nosso gosto piorou bastante. E há o contrário, outros que eram incensados pelo público e crítica mas que, por algum motivo, entraram para o limbo, como Oscar Wilde, que foi banido por quase um século dos grandes circuitos, e artistas como Clara Nunes, que chegou a ser considerada a melhor cantora de sua época mas depois sofreu preconceito pela ligação com a Umbanda, ou Wilson Simonal, acusado de colaborar com os militares. Ou seja, tiveram a obra criticada por fatores externos, nada que afetasse a qualidade de sua arte. A literatura que você aprova hoje, se não for por afinidade muito pessoal, talvez o fará sentir vergonha no futuro, da mesma forma que ri hoje dos penteados e moda dos anos 80. Comentário: não seja tão crítico com o gosto dos outros.

- A chegada dos e-books parecia ser uma chance de ouro para todos os autores que não eram publicados, distribuídos e lidos, assim como uma oportunidade para pequenos empresários. Hoje o panorama internacional já mostra indícios de que esse mercado também será dominado pelas grandes empresas, com as mesmas regras, "monopólios" e forças atuantes no mercado de livros impressos.

- "Valor cultural dos livros". Ainda é uma expressão que circula livremente. Cresci ouvindo que ler sempre é bom. Com o tempo escolhi meus autores preferidos, sempre pautado em dois aspectos: conhecendo autores/obras e escolhendo aqueles que me diziam algo. Com o aumento da oferta do número de livros e autores no mercado, surgiu um discurso sobre o que era bom ou ruim. Foi quando surgiu Paulo Coelho e outros em seguida. Penso que falta ainda respeito pelo gosto dos outros, é como se vivêssemos numa ditadura literária. Livro é como musica, roupa, sapato, comida. Cada um tem uma dialética para defender seu gosto e contar suas vantagens. Para uns é instrução, para outros, prazer, autoconhecimento, evolução pessoal. Essa crítica de valor parece um coro de pessoas que pertencem ao mesmo clube, fazem as mesmas coisas e frequentam os mesmos lugares (ou gostariam de frequentar). Então a crítica acaba sempre se referindo a um tipo de leitor, como se fosse uma defesa dos valores de um grupo. Um erro. Estamos tratando os livros como se fôssemos uma torcida de time de futebol, fingindo ser mais civilizados que as torcidas, quando na verdade somos irônicos, sarcásticos, mais perversos que torcedores, e por isso podemos provocar danos mais profundos, porque são elaborados.

- O poder de um país está na comunicação. Divulgar internacionalmente uma língua é tarefa dos governos, não das editoras. O idioma é o meio pelo qual um país se comunica com o mundo, é o que permite fazer negócios, desde vender aviões e navios a atrair turistas, exportar arte. A principal forma de divulgar um idioma é por meio dos livros, dos seus autores, de sua produção cultural escrita. O Brasil não tem um programa eficiente de promoção de nosso idioma e está muito atrás dos próprios Brics. No mercado editorial internacional o português tem o nível de familiaridade de uma língua morta. A Alemanha há décadas financia traduções, e não apenas de alta literatura, mas livros infantis e juvenis bestsellers, porque já compreendeu que a expansão da língua deve ser feita para todos os públicos e não apenas os mais literários. A Turquia, por exemplo, tem programas de divulgação de sua literatura 10 vezes mais eficientes que o Brasil, e patrocinados pelo governo. Esse investimento do governo turco fica evidente em todas as feiras internacionais, certamente um motivo de orgulho para aquele país, talvez como para nós é o investimento em estádios de futebol com dinheiro público.

- Por que quando se pensa em exportação da nossa produção editorial só pensamos em autores de alta literatura? Se há uma crise no mercado editorial, aproximar outros públicos dos eventos literários e das livrarias pode ser uma maneira de reverter esse quadro.

Proponho uma mudança de conceito. Por que, por exemplo, um programa de apoio a traduções no Brasil contempla apenas autores consagrados pela crítica? Porque essa crítica, que representa apenas um grupo de leitores, continua guiando desde premiações, estilos e escolas literárias a oficinas e palestras em bienais. Devemos buscar uma visão mais democrática, pensar mais nos leitores, no público, no incentivo para que o bolo (número de leitores) cresça e não continue pautado pelas mesmas visões de sempre.

Com tantos paradigmas quebrados recentemente, como a mudança dos gêneros de livros mais lidos e o aumento do número de leitores e da produção nacional de ficção comercial, podemos concluir que os valores de hoje provavelmente não serão os de amanhã.

Voltando ao filme, para quem viu ou vai assistir, uma reflexão: foi a opinião dissonante que permitiu o surgimento de uma vida nova para cada uma daquelas duas pessoas. Talvez mudar, escutar quem não é ouvido, abrir-se um pouco para novas questões não seja uma má ideia. Fazer isso não é fácil. Críticos dirão que estamos popularizando demais as coisas, destruindo a cultura, baixando o nível cultural dos eventos e premiações. Mas, mesmo se houvesse algum risco real, alijar qualquer público do mercado editorial não faz nenhum sentido.

Até a próxima coluna. Se quiserem fazer comentários mandem para o meu blog: http://faroeditorial.wordpress.com/

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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