Eu não poderia discordar mais.
Eu acredito que as feiras de livros ou outros eventos literários presenciais são a chave para o negócio do livro, e aqui, eu ressalto a palavra negócio. Não, feiras de livros não são só um pequeno carnaval, com festas sem sentido, como fazem supor alguns controladores financeiros de grupos corporativos. As feiras são destinadas aos negócios. E, sim, elas são divertidas. Lá acontecem festas e eventos sociais, mas tudo isso faz parte do negócio. A propósito, mesmo o maior Carnaval do mundo, no Brasil, é também um grande negócio, só para constar.
Negócios pedem confiança. Não qualquer tipo de confiança, mas confiança pessoal. Em uma indústria com tantos lançamentos de produtos, tantos fornecedores, e também tantos varejistas, construir confiança não é só importante como é um grande desafio e um evento presencial serve muito bem para esse propósito. Sentar-se à mesa para uma reunião, olhar olho no olho, dá uma perspectiva pessoal que uma reunião no Zoom nunca oferecerá.
O negócio do livro é um negócio promíscuo. Precisamos conquistar novos autores, novos tradutores, novos varejistas, novos impressores... E você já tentou conhecer novas pessoas on-line? Eu já e posso dizer que não é a mesma coisa. Além disso, o acaso não acontece e a nossa indústria está cheia de histórias em que o acaso fez total diferença. Agora, as ferramentas virtuais têm se mostrado ótimas para manter relacionamentos, admito e sou muito grato a elas, mas construir novas relações on-line são outros quinhentos: é extremamente difícil.
Para pessoas que lidam com o desenvolvimento de novos negócios, como eu, não estar nos eventos e não poder viajar torna o trabalho virtualmente impossível – trocadilho intencional. Acabei de me juntar ao time da StreetLib, na Itália, e, embora a recepção virtual de boas-vindas tenha sido calorosa, eu terei claramente que ir até a Itália tão logo seja possível para entender melhor a empresa.
As feiras de livros também são a melhor, mais fácil e rápida maneira de ver o que o resto do mercado está fazendo pelo mundo. É onde as tendências se tornam quase que palpáveis; onde são apresentados os novos modelos de negócios; novas ideias são testadas e é onde se torna possível a descoberta de novos autores e novas categorias que se tornarão best-sellers. Mas, mais importante do que tudo isso: as feiras são a chave para entender os mercados estrangeiros, seus players e sua literatura. Sem os eventos físicos, o mercado editorial corre o risco de voltar para o nacionalismo e ao etnocentrismo.
O meu histórico pessoal e profissional não poderia ser mais distante da Rússia, mas, em 2019, eu comecei a trabalhar com o mercado russo de audiolivros, e visitando a Feira de Livros de Não Ficção de Moscou, naquele ano, tive um panorama do mercado russo, mesmo eu não sabendo ler o alfabeto cirílico. Em uma das noites, tive a chance de ir a uma festa organizada pela descolada editora Ad Marginem, onde pude conhecer pessoas novas. Eu só fui convidado para essa festa porque um editor brasileiro me apresentou um dos editores da Ad Marginem em uma edição passada da Feira do Livro de Frankfurt. Os dois foram colegas do programa no Fellowship de Frankfurt.
Por fim, as feiras de livros são importantes para a moral, do ponto de vista dos recursos humanos (RH) mesmo. Os profissionais do mercado do livro são mal pagos em todos os lugares. Mas nós aceitamos os salários mais baixos em troca de fazer algo que amamos e com o qual nos divertimos. O mercado editorial também é cheio de frustrações, a tal ponto que o todo-poderoso Markus Dohle, o chama de “negócio do fracasso”. Então nós, profissionais da edição, não só merecemos, mas precisamos da diversão e das festas intrínsecas às feiras de negócios do livro. Tire a diversão – e as festas – da equação e é melhor que a indústria do livro comece a pagar salários mais decentes para manter suas melhores cabeças.
Sim, existem muitos problemas e o novo coronavírus pode ter nos forçado a encarar esses problemas e também melhorar os eventos literários. É claro que as feiras de livros podem fazer melhor e que precisam se adaptar e mudar. A maioria das críticas é válida. Eu realmente não vejo sentido nos estandes cheios de ostentação, de dois andares, nas feiras latino-americanas voltadas para o público final. Além disso, os preços das acomodações em Frankfurt são exorbitantes. Algumas feiras perderam sua identidade tentando ser um evento profissional e ao mesmo tempo voltado ao público. Não tenho dúvidas de que o futuro das feiras de livros é híbrido. Elas existirão tanto fisicamente como on-line, permitindo uma necessária democratização e inclusão que eventos elitistas como Frankfurt e Londres nunca permitiram. E isso é ótimo.
No entanto, as feiras de livros simplesmente não são substituíveis ainda e nunca serão enquanto a humanidade permanecer baseada nas relações sociais. Os profissionais do livro ainda são humanos e a indústria valoriza a sua diversidade. O ramo da publicação precisa do networking e isso raramente acontece no ambiente on-line. No Reboot Books, estamos sempre discutindo como promover o networking nos eventos sociais e até agora não chegamos nem perto de uma solução decente.
Enquanto isso, nunca vou me esquecer do que aconteceu em um intervalo da nossa conferência do Reboot em outubro passado, quando alguns palestrantes, entre eles os CEOs da Planeta (Espanha), da Sextante (Brasil) e Mauro Spagnol (Itália), começaram a conversar na frente de todos os presentes, com sede de socializar. Ok, todos eram latinos, mas mesmo assim...
No final das contas, as feiras de livros digitais são como sexo virtual. Pode funcionar por um tempo, é mais seguro, mas não é real, e a concepção – seja de bebês ou de novos negócios – é quase impossível.
Eu gostaria de terminar com um convite. A pandemia estourou quando eu estava tentando organizar uma festa do PublishNews Espanhol na Feira do Livro de Buenos Aires, no ano passado. Eu queria fazer isso num bar badalado no bairro de Palermo, bem perto da feira, copiando as festas do PublishNews Brasil. Eu até tinha um patrocinador! Bem, os planos foram adiados, mas não cancelados. Todos estão convidados!
E seja em Buenos Aires, na minha cidade natal São Paulo, na minha agora doméstica feira de livros em Gotemburgo, na gigantesca Frankfurt, na descolada Londres, na divertida Bolonha, na descontraída Thessaloniki, na elegante feira de Não Ficção de Moscou ou na badalada Guadalajara, só quero ver, abraçar e beijar todos os meus amigos e colegas quando a próxima feira do livro acontecer. Cara, eu sinto falta disso! E tenho certeza de que “o fim do mundo” acabará em breve e todos vamos comemorar em um bar de Palermo. Reitero o convite.
Obs.: Caso você tenha pensado que esse artigo era sobre Palermo, na Itália, bem, podemos considerar uma festa lá também.
Carlo Carrenho é o fundador do PublishNews no Brasil e co-fundador do PublishNews na Espanha. Formado em Economia pela FEA-USP, especializou-se em Edição de Livros e Revistas no Radcliffe Publishing Course, em Cambridge (EUA). Atualmente trabalha na área de desenvolvimento internacional de novos negócios para a Word Audio Publishing International na Suécia e é advisor da Meta Brasil e da BR75 no Brasil. Como especialista no mercado de livros, já foi convidado para dar palestras e participar de mesas em países como EUA, Alemanha, China, África do Sul, Inglaterra e Emirados Árabes, entre outros. É co-curador da conferência profissional Feira do Livro de Tessalônica.
Carlo é paulista, morou no Rio, e atualmente vive em Estocolmo, na Suécia. É cristão, mas estudou em escola judaica. É brasileiro, mas ama a Escandinávia. Enfim, sua vida tende à contradição. Talvez por isso ele torça para o Flamengo e adore o seriado Blue Bloods.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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