Publicidade
Natal de livro da Cooperifa
PublishNews, 17/12/2013
Natal de livro da Cooperifa

Domingo, dia 15 de dezembro participei da festa do Natal de Livros da Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia. Iniciativa do poeta Sérgio Vaz, a instituição fez seu terceiro Natal de Livros no Largo do Piraporinha, no Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo. Das dez da manhã à uma da tarde foram distribuídos milhares de livros para quem passava por ali, indo ou vindo da feira do bairro. Quem passava nos ônibus ou estava nas lojas do comércio popular da região era também abordado por quase cinquenta voluntários que ofereciam gratuitamente exemplares de livros novos e de todos os gêneros: ficção, ensaios, livros para crianças e jovens.

Foi uma experiência emocionante que me fez lembrar anos de militância cultural nos subúrbios do Rio de Janeiro, em Parada de Lucas, quando, com um grupo de amigos e militantes de várias organizações de esquerda e da igreja progressista fundamos o Centro Cultural dos Trabalhadores, o CECUT, e o “Jornal da Baixada”, lá pelos anos 70/80.

Mas a Cooperifa tem um caráter diferente. É uma iniciativa local, que faz um trabalho de valorização da produção cultural da periferia paulistana. Desde o ano 2000, o exemplo da Cooperifa já frutificou em quase vinte iniciativas semelhantes em outros bairros da metrópole.

Às quartas-feiras, no Bar do Zé Batidão, acontece o Sarau da Cooperifa. Dezenas de poetas recitam suas produções diante do público, ou leem poemas de autores conhecidos, invariavelmente aplaudidos e encorajados. Na laje do bar também acontece o festival Cinema na Laje, no qual são projetadas produções independentes e filmes nacionais. Em março sempre acontece o “Ajoelhaço”: os homens pedem desculpas às mulheres pelo machismo da sociedade. Eventualmente acontecem outras “Chuvas de Livros” no decorrer do ano, quando conseguem doações de editoras e amigos.

A Cooperifa é liderada pelo Sérgio Vaz, poeta que já alcançou um nível de reconhecimento no mundo editorial e literário mais amplo, com livros publicados pela Global. Mas o verbo liderar é enganador. A conjugação que se escuta nos saraus e outras atividades da Cooperifa é a da primeira pessoal do plural. Nós.

O “nós” é composto por trabalhadores de todas as áreas. Filhos de famílias humildes: operários, trabalhadores de serviços, domésticas; bancários e funcionários públicos de baixo escalão, professores de escolas públicas, estudantes; filhos de pipoqueiros, talvez pipoqueiros até hoje.

E os versos recitados se referem à “nossa cultura”, “nossa vida”, “nossa luta”, “nossa história”.

Certamente se escutam versos toscos e de rima pobre. Mas todos são escutados com respeito. E quem escuta, aprende. E evolui. Dali já saíram compositores de rap, outros que já participam de antologias e outros continuam indo aos saraus das quartas-feiras para se expressar. E esses saraus são uma experiência muito interessante. Aparece de tudo, de velhinhas a gays, mulheres, homens, jovens, tudo junto e misturado. Quem chega se inscreve e espera a vez para falar para um público de 150 a 200 pessoas. Uma vez apareceram mais de 500.

O caso dos escritores da periferia de São Paulo tem aspectos curiosos. Ainda que busquem o reconhecimento do campo literário mais amplo, escritores como Sérgio Vaz, Sacolinha, Ferréz e uma quantidade de autores de rap e do movimento hip-hop, permanecem diretamente ligados aos seus meio sociais de origem. Parece, para um observador externo como eu, que os processos de ascensão social derivados do reconhecimento literário fazem sentido para eles na medida em que continuam ligados às comunidades de origem. Talvez isso derive do fato de estarem na periferia de São Paulo. Ainda que na periferia, fazem parte do círculo concêntrico da gigantesca metrópole. Isso faz diferença quando se pensa em escritores com a mesma origem que nascem e vivem nas cidades afastadas de um centro magnético de cultura como é Sampa.

Esse Natal de Livros foi o terceiro promovido pela Cooperifa. No lançamento do último livro do Marcelino Freire, Sérgio Vaz me pediu que ajudasse a conseguir livros. Apelei para Sérgio Machado e Sônia Jardim, os donos da Record. Para a comemoração, mandaram 5.000 livros para a festa, dentro do espírito de celebração dos 70 anos do Grupo Record. Muito obrigado Sérgio e Sonia, por ajudarem no evento. Além dos livros da Record, Sérgio Vaz conseguiu mais uma quantidade de livros através de outros amigos e também exemplares dos livros infantis das coleções distribuídas pelo Banco Itaú. Agradeço também ao Itaú Cultural que ajudou a pagar o frete dos livros.

O Sarau da Cooperifa, que acontece às quartas-feiras, está suspenso até o início de 2014. Quem mora em Sampa ou passar por ali numa quarta-feira pode ir assistir e participar. Bar do Zé Batidão, Rua Bartolomeu dos Santos, 797 Chácara Santana.Várias linhas de ônibus passam por perto, na Av. M Boi Mirim.

O churrascão na laje do bar do Zé Batidão, depois da distribuição, foi ótimo. A cerveja do bar é geladíssima e a carne estava no capricho. Comemoração e confraternização depois de uma atividade porreta.

Algumas fotografias do Natal de Livros.


Barraca de feira com livros



Açougue literário

Dentro do ônibus

Mamão e livros na feira

Quero mais

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[16/12/2013 22:00:00]
Leia também
Em sua coluna, Felipe Lindoso dá seus pitacos sobre a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro divulgada na última segunda-feira
Felipe Lindoso resgata a história do ISBN para analisar a mudança da operação do ISBN, que deve acontecer em março próximo
Em sua coluna, Felipe Lindoso chama atenção para a importância do acervo bibliográfico e documental das bibliotecas do Museu Nacional, que foram destruídas no incêndio do ano passado
Felipe Lindoso sai em defesa do casal de sebistas processado por Edir Macedo. 'Esse processo representa um atentado à liberdade de expressão tão grave quanto o veto a Miriam Leitão e Sérgio Abranches', defende.
Em sua coluna, Felipe Lindoso conta os bastidores que possibilitaram a inauguração de uma biblioteca infantil dedicada à língua portuguesa no Japão
Outras colunas
Todas as sextas-feiras você confere uma tira dos passarinhos Hector e Afonso
Lançada pela Moah! Editora, coleção conta com quatro livros que funcionam como um diário, em que os tutores podem contar a sua história com o seu pet
O poeta, romancista e artista plástico Daniel Pimentel lança livro com poemas eroticamente ilustrados, boa parte deles com temática LGBTQIA+
Seção publieditorial do PublishNews traz livros escritos por Daniel Pimentel, Bruno Gualano e Heloisa Hernandez
Escrito por Bruno Gualano e publicado pela Moah! Editora, 'Bel e o admirável escudo invisível' será lançado no sábado (18/05), na Livraria Miúda