Se algum país pode ser considerado vitrine para a indústria mundial de audiolivros, sem dúvidas, são os EUA. Há boas razões para isso: mais da metade dos americanos já escutou um audiolivro; o formato cresce há 12 anos consecutivos no país; personalidades conhecidíssimas, de atores hollywoodianos a políticos, narram audiolivros; e, claro, seu faturamento é bilionário.
Neste artigo, falaremos sobre tudo o que aconteceu na premiação de 2025 e traremos opiniões de figuras influentes no mercado mundial de audiolivros, que responderam com exclusividade a algumas perguntas.
Teremos também uma versão em podcast deste artigo, em inglês, com as respostas nas vozes dos próprios entrevistados, trechos dos audiolivros citados e muito mais, numa produção oferecida pela Narratix.
A trigésima edição do Audie Awards, realizada no último dia 4 de março em Nova Iorque, foi emblemática desde o início. Conduzida por Michele Cobb, diretora executiva da Audio Publishers Association (que organiza os chamados “Audies”), a cerimônia aproveitou a marca histórica de 30 edições para homenagear alguns dos pioneiros da indústria dos EUA, entre narradores e profissionais de estúdios de produção.
Alguns narradores relembraram que recebiam os textos para narração impressos e que as pesquisas de pronúncia eram feitas manualmente, consultando espessos dicionários. Tudo isso para que, depois de finalizados, os audiolivros fossem distribuídos em mídias físicas, como CDs ou mesmo fitas cassete — bem antes do “boom” do áudio digital.
Curioso relembrar isso em tempos como os atuais, em que a inteligência artificial adentra cada vez mais os processos produtivos de conteúdos falados. Empresas de IA generativa para áudio, como a ElevenLabs e a DeepZen, têm desenvolvido diversas ferramentas voltadas para audiolivros. A própria Audio Publishers Association já discute como creditar audiolivros narrados usando IA, com classificações que diferenciam vozes sintetizadas, clonadas ou humanas.
Hoje, algumas editoras de audiolivros, como a GraphicAudio (que venceu na categoria Trabalho Original), já utilizam um selo nas capas das obras para destacar produções feitas com elenco completo de narradores e efeitos especiais. Será que o selo “narrado por voz humana” passará a ser também um diferencial a ser anunciado nas capas de audiolivros?
A poderosa casa editorial HarperCollins já anunciou a produção de audiolivros narrados por IA para certas linhas de seu catálogo, enquanto a plataforma sueca Storytel divulgou recentemente sua primeira produção escrita por IA.
Mesmo assim, e com tantas transformações, o Audie Awards continua sendo um palco para a celebração da narração humana.
Agora, vamos analisar alguns dos vencedores desta edição de 2025 e examinar mais tendências.
My name is Barbra, da Penguin Random House Audio, escrito e narrado por Barbra Streisand, foi a produção vencedora (assim como na categoria Autobiografia/Memórias). Com quase 50 horas de duração, muitas das milhares de resenhas feitas por ouvintes na Audible destacam o sentimento único de proximidade com a autora ao ouvirem o audiolivro narrado por ela, como numa conversa.
É uma tendência já vista em edições anteriores. Em 2022, com Finding Me (Em busca de mim), de Viola Davis, e em 2023, com Surrender (Surrender: 40 músicas uma história), de Bono Vox, os prêmios ficaram com obras autobiográficas narradas pelos próprios autores. Tipo de produção que propicia essa sensação de estar ao lado de alguém ouvindo sua história de vida.
Das 28 categorias dos Audie Awards desta edição, nove foram vencidas por obras que ou foram narradas pelos próprios autores, ou tiveram sua participação em parte delas.
Nós conversamos com Michele Cobb, da Audio Publishers Association, sobre essa tendência:
André Calgaro: Michele, temo visto nos últimos anos que o prêmio de Audiolivro do Ano tem ficado com obras autobiográficas narradas pelos próprios autores. Além dessa sensação de proximidade com o autor, a que você atribui o sucesso desse tipo de produção?
Outro detalhe interessante é que, entre os indicados para esse prêmio, estava também Playground: A Novel, de Richard Powers, uma produção da Spotify Audiobooks, que teve pela primeira vez uma indicação aos Audie Awards. O gigante do streaming tem investido fortemente no segmento de audiolivros nos últimos anos e expandido sua atuação para além dos EUA (o primeiro mercado em que lançou seu serviço de audiolivros). Não só isso, mas a empresa também tem explorado novas formas de experiência para o formato, como a Author Page (uma espécie de página de perfil de autores, acessada dentro da plataforma), vídeoclipes (como entrevistas ou trechos da sessão de gravação em estúdio) e Follow-Along (um recurso em que o ouvinte pode ver ilustrações, gráficos e outras imagens do livro físico sincronizadas com a narração).
Nesta categoria, temos o tipo mais complexo de produção, em que normalmente há múltiplos narradores, músicas e efeitos sonoros. Logo, são produções mais sofisticadas (e bem mais caras) e que muitas vezes possuem roteiros originais ou adaptados para melhor funcionar no áudio. Na maior parte dos audiodramas, não há um narrador descrevendo as ações. Os efeitos sonoros e os diálogos guiam o ouvinte pela história.
Das cinco produções indicadas para essa categoria, quatro eram da Audible, a mais conhecida plataforma de audiolivros e que possui uma longa tradição de títulos originais de alta qualidade. Assim como em 2024, a Audible levou essa premiação, mas agora com George Orwell’s 1984 — sua versão ultra-imersiva adaptada deste clássico.
Interessante notar que, na edição do ano passado, outra grande plataforma, dessa vez a Storytel, foi indicada na mesma categoria com uma produção baseada no mesmo livro.
Quem levou a estatueta este ano foi a premiadíssima Julia Whelan, por sua performance em The Women, de Kristin Hannah, publicado pela Macmillan Audio.
Essa parceria entre Whelan e Hannah já rendeu várias outras indicações e nos leva a pensar que, assim como no cinema, onde há diretores fortemente ligados a certos atores (Quentin Tarantino & Samuel L. Jackson, Tim Burton & Johnny Depp, etc.), no universo dos audiolivros também existem narradores que traduzem tão brilhantemente as obras de certos autores que passam a ser associados intrinsecamente a eles.
Scott Brick, outro narrador estelar que venceu este ano na categoria Thriller/Suspense, por exemplo, já narrou dezenas de títulos de Clive Cussler.
Muitos dizem que a Não Ficção é um dos segmentos que mais podem ser afetados pelas vozes sintetizadas, já que, em tese, não demanda tanto as qualidades dramáticas de interpretação de um audiolivro de ficção, que envolve múltiplos personagens, por exemplo. Com a tecnologia atual, mesmo as melhores vozes de IA podem, no máximo, ser toleradas — e isso apenas por ouvintes nada exigentes — em trechos de diálogos
Tomemos como exemplo o audiolivro vencedor dessa categoria, Candy Darling: Dreamer, Icon, Superstar, de Cynthia Carr, que conta a vida e trajetória de Candy Darling, atriz transgênero e musa de Andy Warhol. A obra, lançada pela Macmillan Audio, foi narrada por Justin Vivian Bond, artista de gênero não binário que, possivelmente, enfrentou algumas questões similares em sua trajetória. Ao dar voz à história de Darling, Bond reverberou algo de si, tornando a obra ainda mais poderosa.
Logo, mesmo em não ficção, uma voz humana, para além da performance (que, no caso dessa produção, foi muitíssimo elogiada), ainda traz consigo camadas de vivência e experiência que agregam valor a um audiolivro.
Uma das grandes novidades deste ano, porém, foi que Medea Me Cantó un Corrido, a obra vencedora, foi produzida por uma jovem editora de áudio do México, a Editorial Audiolibre. Em uma premiação quase inteiramente dominada por grandes e tradicionais editoras, esse é um feito louvável.
Conversamos com Alvaro Ortiz, sócio e diretor de conteúdo da Editorial Audiolibre, sobre essa conquista:
André Calgaro: Alvaro, a Editorial Audiolibre é uma empresa que, em menos de dois anos de existência, já conseguiu conquistar um Audie, numa premiação dominada por grandes e tradicionais editoras. Qual foi a estratégia pensada para alcançar isso? E que dica daria para novas editoras de áudio?
O conselho que posso dar é o seguinte: primeiro, concentre-se no manuscrito que você tem em mãos. Depois, pergunte-se que tipo de produção pode ajudá-lo a alcançar sua melhor versão em áudio. E nunca pule o essencial: escolha o elenco com cuidado, tenha ouvidos confiáveis acompanhando todas as etapas da gravação e pós-produção, e mantenha contato com os autores – seja para obter feedback ou simplesmente para envolvê-los no processo. Isso é tão importante quanto qualquer outro aspecto.
Um dos maiores especialistas no mercado de audiolivros em língua espanhola é Javier Celaya, fundador da Dosdoce.com. Também conversamos com ele sobre como enxerga o futuro da indústria nesse idioma.
André Calgaro: Javier, a indústria de conteúdos falados em espanhol tem crescido de forma consistente. Quais foram os principais fatores que impulsionaram esse crescimento? E como as editoras, tanto as que já trabalham com a língua espanhola quanto as que ainda não atuam nesse mercado, podem aproveitar as oportunidades que estão surgindo?
O espanhol é a terceira língua global depois do inglês e do alemão, sem contar o chinês. Os mercados de língua inglesa e alemã sempre estiveram na vanguarda da indústria do áudio, e agora há novas línguas emergindo, como o espanhol, que é um idioma global, falado por mais de 500 milhões de pessoas no mundo. Isso tem permitido que editoras não apenas da Espanha e da América Latina, mas também dos EUA e de outras partes da Europa, invistam na produção de conteúdo em espanhol, criando uma nova fonte de receita, para além de seus mercados domésticos. Uma tendência crescente, então, é a expansão dos catálogos multilíngues por editoras internacionais como parte de suas estratégias de mercado. O idioma doméstico deles pode ser o dos EUA ou do Reino Unido, pode ser o alemão, pode ser um dos nórdicos aqui na Europa e, uma vez que tenham coberto esses mercados, estão investindo em idiomas globais como o espanhol, o português ou o árabe para lançar mais títulos em diferentes línguas e complementar seu idioma nativo. Essa é uma tendência que veremos crescer cada vez mais nos próximos cinco anos, em diferentes mercados e idiomas.
A indústria de audiolivros está se tornando cada vez mais global a cada ano. Existem cerca de 1,5 milhão de audiolivros disponíveis no mundo, em diversos idiomas, principalmente inglês, alemão, espanhol, francês e italiano. Desse total, aproximadamente 1 milhão de títulos pertencem ao mercado de língua inglesa, cerca de 250 mil, são em alemão, e o restante se divide entre espanhol, com quase 50 mil títulos, francês, com cerca de 25 mil, italiano e português, ambos com aproximadamente 10 mil títulos.
O que estamos vendo é que os audiolivros estão se tornando mais globais, pois há mais idiomas e mais pessoas ouvindo audiolivros em diferentes línguas ao redor do mundo. Não apenas nos mercados domésticos, mas também, por exemplo, no consumo de audiolivros em inglês na Alemanha, nos países nórdicos e em outros mercados, como um complemento ao idioma local.
Prêmios e tendências
As editoras mais premiadas desta edição foram Penguin Random House Audio e Macmillan Audio, com um total de 13 obras — quase metade do total, um número muito similar ao de 2024. Outros selos de áudio de destaque (também tradicionais) foram Hachette Audio e Harper Audio. Clique aqui para ver todos os vencedores e indicados.
O que podemos esperar de novas tendências no mercado de audiolivros que podem se refletir na premiação de 2026? Perguntamos isso a Nathan Hull, Chief Strategy Officer da Beat Technology e uma figura atuante em vários eventos mundiais ligados a audiolivros.
Nathan Hull: Primeiramente, acredito que o crescimento do formato de áudio continuará a se expandir como um hábito de consumo em geral, mas será interessante ver como isso realmente se refletirá nos números da indústria editorial. Nem toda a escuta será capturada pelos canais medidos pelos editores – com isso, quero dizer que estúdios e plataformas criarão cada vez mais conteúdo diretamente, gerando um tipo diferente de ouvinte que pode não ser mensurado nesses números de crescimento. Algumas outras tendências que acredito que veremos: o Spotify, naturalmente, continuará a se expandir para novos mercados, especialmente na Europa ao longo de 2025, o que deve impulsionar ainda mais disputas de conteúdo e marketing, particularmente entre eles e a Audible.
Também espero ver mais consolidação no mundo do áudio de maneira geral. Algumas empresas serão adquiridas e absorvidas por outras, enquanto algumas ficarão pelo caminho – mas isso acontece todos os anos. Em termos de novos mercados, acredito que há um enorme interesse no português brasileiro, especialmente por parte dos americanos no momento, então eu imagino que veremos cada vez mais crescimento e foco nesse grupo linguístico. Outro idioma que eu tenho falado por um tempo que eu realmente acho que vai começar a dar os primeiros sinais de um grande crescimento em 2025 é o árabe. A oportunidade é enorme. Muitas pessoas estão começando a pensar sobre isso e tentando entender esse mercado promissor, em como explorar isso. Se o conteúdo pode ser gravado localmente ou gravado em seus próprios mercados de origem. Mas há um enorme interesse por lá, e na literatura árabe.
Além disso, é claro, a inteligência artificial terá um impacto enorme. Acredito que de maneira positiva isso impulsionará um crescimento mais rápido em mercados menores de certos idiomas, onde o ouvido do consumidor pode não ser tão exigente quanto, por exemplo, o público europeu, americano ou de algumas partes da América do Sul. Em que o ouvinte pode não sentir tanta necessidade de ouvir uma voz humana real. E isso pode realmente acelerar o crescimento do mercado e ser benéfico. De maneira geral, a IA vai ampliar os catálogos de audiolivros em todas as línguas. Mas também penso que várias plataformas e varejistas usarão vozes de IA e os métodos de criação dessas vozes como uma forma de controle sobre onde certos conteúdos serão disponibilizados. Já sabemos que nem todas as plataformas aceitarão gravações feitas com IA, e algumas só permitirão se forem geradas internamente por elas mesmas.
Um grande disrupção que prevejo para o próximo ano será a criação de plataformas próprias por empresas de IA. Já estamos vendo isso começar a acontecer, onde as gravações nem serão mais necessárias – em vez de ingerirem conteúdo de editoras de audiolivros ou livros, essas plataformas simplesmente gerarão o conteúdo diretamente e em tempo real a partir do texto. No geral, acredito que os próximos 12 a 18 meses serão um período muito empolgante. O crescimento continuará, mas será essencial que as editoras se mantenham dentro desse movimento e não deixem que outros avancem à sua frente e tomem essa oportunidade para si.
Mais uma vez, lançamos também a versão em podcast do artigo, em inglês. O podcast conta com as entrevistas que você leu acima, mas nas vozes dos próprios entrevistados. Você poderá escutar abaixo, ou pelo YouTube.
André Calgaro é contador de histórias em áudio, empreendedor e pesquisador do universo do áudio digital. É fundador da Narratix, empresa especializada em áudio storytelling em vários idiomas, incluindo a produção de audiolivros, podcasts e outros conteúdos falados. Também criou a NarraKids, um selo editorial de áudio que oferece conteúdos premium voltados para crianças e famílias. Seu contato é andre.calgaro@narratix.com.br.
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