Por dentro dos Audie Awards 2024
PublishNews, André Calgaro*, 13/03/2024
O 'Oscar' dos audiolivros, organizado pela Audio Publishers Association, ocorre anualmente e é muito importante para todos que atuam ou se interessam por esse segmento

Audie Awards é considerado o Oscar dos audiolivros | © audiopub.org/audies-gala
Audie Awards é considerado o Oscar dos audiolivros | © audiopub.org/audies-gala
Nenhum evento entusiasma mais o prestigiado e bilionário mercado de audiolivros dos Estados Unidos do que a cerimônia dos Audie Awards, ocorrida no último dia 4 de março em Los Angeles. O “Oscar” dos audiolivros, organizado pela Audio Publishers Association, ocorre anualmente e é muito importante para todos que atuam ou se interessam por esse segmento, porque o evento sempre revela uma série de tendências impactantes que afetam toda a indústria. Afinal, o mercado de audiolivros norte-americano cresce dois dígitos há impressionantes 11 anos seguidos e é o mais cobiçado do mundo.

Mas, em que momento estamos hoje no mercado? Atuando com minha empresa de produção de áudio storytelling em vários idiomas, a Narratix, estes são alguns fatos que mais têm sido discutidos pelas pessoas da indústria:

  • O envolvimento cada vez mais expressivo do Spotify nos audiolivros. Esse colosso do áudio global com mais de 213 milhões de assinantes, tem desenvolvido ações contínuas para ser um player decisivo. Na feira de Frankfurt do ano passado, peças de propaganda do Spotify estavam espalhadas por vários locais, mostrando a importância que a empresa tem dado aos audiolivros. E isso parece ser só o começo.
  • O crescimento da indústria de áudio entretenimento em espanhol. Esse mercado praticamente dobrou de tamanho em um ano, chegando ao patamar de 75% de crescimento conforme estudo de Javier Celaya da Dosdoce.com. Não à toa, no mês passado, foi realizado em Madrid, na Espanha o “Audio Day Parix”, um encontro internacional organizado pelo próprio Javier e pela Germán Sánchez Ruipérez Foundation (FGSR), onde foram discutidas não apenas as tendências específicas do mercado de áudio em espanhol, mas também aquelas que abrangem o mercado em geral.
  • O avanço da inteligência artificial no universo do áudio falado. Muito tem acontecido nesse cenário, desde grandes players adotando a I.A para narrações, como a sueca Storytel – que recentemente lançou seu VoiceSwitcher, em parceria com a ElevenLabs, oferecendo cinco opções de vozes sintéticas para a narração de audiolivros – até o surgimento de empresas que buscam atender processos específicos na produção, como revisão de audiolivros, usando a I.A. Por outro lado, artistas de voz de todo o mundo têm se manifestado e se unido em torno de pautas para melhor regulamentar o uso da inteligência artificial e de suas vozes sintéticas, preocupados em como isso pode impactar seu trabalho.

Audio Day Parix, em fevereiro na Espanha | © FGSR
Audio Day Parix, em fevereiro na Espanha | © FGSR
Voltando à cerimônia, tivemos neste ano 27 categorias, sendo a principal novidade, o fim das categorias melhor narrador e melhor narradora, sendo substituídas pelas categorias melhor narrador(a) de ficção, e melhor narrador(a) de não-ficção, sem distinção de gênero.

Vamos aos vencedores das principais categorias:

  • Audiolivro do Ano

O prêmio mais importante ficou com o fantástico Surrender, livro de memórias de Bono, vocalista do U2, publicado pela Penguin Random House. Surrender não é um audiolivro qualquer, mas uma obra de áudio em seu estado de arte. Narrado pelo próprio Bono, contou com uma produção muito sofisticada, incluindo dezenas de músicas (muitas delas em versões exclusivas) e efeitos sonoros, além da própria excelente narração dele, claro. Uma experiência imersiva.

É uma produção que mostra parte das possibilidades ainda pouco exploradas na produção de audiolivros, tornando cada vez mais indistintas as fronteiras que separam audiolivros, podcasts e outras formas de áudio falado. Por que não usar, em alguns casos, mais conteúdos exclusivos e diferentes na versão audiolivro, e ousar mais com o sound design?

Dan Zitt, Vice-Presidente Sênior de Produção de Conteúdo da Penguin Random House Audio, conversou conosco sobre essa premiação.

André Calgaro: O grupo Penguin Random House foi a editora mais premiada este ano no Audie Awards, com sete prêmios, o que é bastante impressionante! Quais são os principais fatores que fazem as produções da Penguin Random House se destacarem assim?

Dan Zitt: Por trás de todo audiolivro, há uma talentosa equipe criativa que trabalha junto ao autor para dar vida ao livro. Seja interpretado por um único narrador ou por um elenco de várias vozes, nós nos empenhamos em encontrar o som certo para cada livro que produzimos. Os vencedores dos Audies deste ano, desde Melhor Narrador(a) de Ficção por Billie Fulford-Brown em The Last Lifeboat, até melhor narração de Mistério, vencido por Eunice Wong narrando Unsolicited Advice for Murderers, são exemplos da magia que acontece quando a voz certa é combinada com um livro – ele canta. O audiolivro do ano, Surrender, de Bono, é um testemunho das possibilidades imersivas do formato de audiolivro, entrelaçando uma narrativa inesquecível do próprio autor com trechos de mais de 40 músicas e efeitos sonoros para criar uma experiência auditiva incrivelmente única, que levou dois anos para ser concebida.

  • Melhor Narrador(a) de Ficção

A super premiada artista de voz britânica Billie Fulford-Brown levou essa cobiçadíssima estatueta por sua performance em The Last Lifeboat, também da Penguin Random House. Com sua narração arrebatadora, recheada de sutilezas nas interpretações de vários personagens, e com uma carga emocional intensa, é surpreendente saber que Billie começou sua carreira profissional trabalhando num banco privado (felizmente, para os ouvintes, ela trocou o banco por seu home studio). A qualidade de sua narração nessa obra nos mostra o poder da voz humana quando há talento e conexão com o texto.

  • Melhor Narrador(a) de Não-Ficção

Vencedor de inúmeros Audies por audiolivros de vários segmentos diferentes, o ator e narrador Dion Graham parece brilhar ainda mais na não-ficção. Não é coincidência que tenha recebido dois Audies este ano. Além de melhor narrador de não-ficção por King: A Life, publicado pela Macmillan Audio, também venceu na categoria “melhor não-ficção” por Poverty, by America, da Penguin Random House. Dion deu voz a diversas biografias, como a de Martin Luther King Jr. e Miles Davis. A não-ficção, ao contrário do que muitos podem pensar, é um gênero muito difícil de ser narrado, pois diferente da ficção, em que abundam diálogos, personagens e possibilidades de modulações vocais mais amplas, aqui temos citações e passagens que precisam soar atrativas aos ouvintes por meio de pausas, leves mudanças de entonações e mudanças de intenção menos abruptas, mas convincentes.

  • Melhor Audiolivro em Espanhol

Isso é o que podemos chamar de uma super produção! O processo de produção de um audiolivro com um narrador já é por si só complexo e delicado, agora com 28 narradores (um para cada personagem), o esforço é enorme. Ainda mais somando-se a isso o fato de que o audiolivro tem 18 horas de duração (talvez mais que o dobro da média) e é baseado no texto clássico de Miguel de Cervantes. A Penguin Random House tem ousado em suas produções e recebido louros por isso. Com El ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha não foi diferente.

Matías Fernandes, Gerente de Marca da Penguin Audio, também falou com a gente, comentando sobre como foi vencer nesta categoria.

André Calgaro: Olá, Matías! Você e sua equipe receberam o prêmio pelo melhor audiolivro em espanhol, mas não foi com uma produção mais tradicional. Em vez disso, foi um audiolivro com quase 19 horas de duração, com 28 narradores. Como foi o processo de criação de uma produção tão complexa, especialmente considerando que foi baseada na obra extremamente importante de Miguel de Cervantes?

Matías Fernández: Estamos incrivelmente emocionados e honrados por termos ganhado o Audie de melhor audiolivro em Espanhol pela quarta vez consecutiva. Tivemos três finalistas este ano na categoria, o que acredito que mostra todo o amor e cuidado que colocamos em nosso trabalho, e, de certa forma, devemos nosso sucesso a todos os leitores. Criar a produção dramatizada de uma obra tão icônica como Dom Quixote demanda muito tempo e trabalho, mas é, em última análise, um trabalho de amor pelo texto e pelo autor. E somos muito sortudos por ter uma equipe maravilhosa de talentos internos, colaboradores externos, diretores, escritores... que compartilham nosso amor pelos livros e estão sempre dispostos a embarcar em uma nova aventura conosco. Obrigado!

  • Jovens Ouvintes

Nós também conversamos com Erick Black, da Dreamscape Media, sobre o prêmio para Jovens Ouvintes.

André Calgaro: Olá, Erick! Quão significativo é para a Dreamscape Media ganhar um Audie?

Erick Black: Bem, como tenho certeza de que você sabe, os Audies são considerados os Oscars do mundo dos audiolivros. Então, é claro que é uma grande honra ter nosso livro, The Skull, reconhecido como o melhor livro do ano no gênero. Foi um trabalho feito com amor, fizemos muitas coisas especiais nesse título, e ter esse reconhecimento é ao mesmo tempo honroso e validador, então estamos muito orgulhosos do que criamos e não poderíamos estar mais felizes em receber o prêmio.

André Calgaro: O que tornou a produção de "The Skull" tão especial para receber o prêmio?

Erick Black: Como mencionei, foi realmente um trabalho feito com amor, fizemos o máximo por ele. O produtor Andy Jones teve uma visão quando leu o material de Jon Klassen pela primeira vez, percebemos que era especial. Sua escrita é um pouco excêntrica, um pouco sombria, especialmente quando se considera que esses livros são feitos para crianças. Escolhemos Fairuza Balk, que é uma atriz incrível, e realmente se encaixou no tom e no estilo. Ela nunca havia gravado um audiolivro antes e ficou bastante evidente quando ouvimos sua performance que ela capturou exatamente o tom e entregou uma performance simplesmente fantástica. Neste título, também fizemos design de som, adicionando efeitos sonoros em lugares selecionados, bem como uma trilha sonora personalizada criada por um músico local aqui de Toledo, Ohio, chamado Jules Roberts, que trabalha com sintetizadores e outros instrumentos únicos e criou uma trilha sonora que realmente refletiu o tom da escrita de Jon, às vezes sombria, às vezes assustadora, um pouco excêntrica. No final, quando reunimos todos esses componentes, obtivemos um produto do qual estamos muito orgulhosos, que valeu muito a pena o tempo e o esforço, e realmente não poderíamos estar mais felizes com o que criamos e, mais uma vez, nos sentimos extremamente honrados por ter recebido o prêmio.

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Após analisar de perto os Audie Awards nos últimos anos, enquanto atuo no cenário mundial de audiolivros, posso dizer que tempos empolgantes nos aguardam. Novos formatos de produção, ferramentas de inteligência artificial, novos players, inovação em conteúdo… tudo isso tende a construir um ecossistema ainda mais vibrante para os próximos meses e anos. Voltamos ano que vem!

Ah! Esse ano resolvemos lançar também uma versão em podcast do artigo, em inglês. O podcast conta com as entrevistas que você leu acima, mas nas vozes dos próprios entrevistados. Você poderá escutar no link abaixo.


*André Calgaro, empreendedor e pesquisador do universo do áudio digital, é fundador da Narratix (www.narratix.com.br), uma empresa especializada em áudio storytelling em vários idiomas, incluindo a produção de audiolivros, podcasts e outros conteúdos falados, e que colabora com as mais importantes companhias nacionais e estrangeiras, entre plataformas, grupos editoriais e instituições privadas. Seu contato é andre.calgaro@narratix.com.br.

[13/03/2024 11:48:29]