Como digerir a perda de 7 milhões de leitores brasileiros nos últimos 5 anos? De início, fui ao ChatGPT perguntar quais países têm esse número de população, por ser mais ágil que o Google, e me vi assessorado por um poderoso instrumento de informação. Sim, Líbano, Sérvia e Paraguai têm aproximadamente 7 milhões de habitantes. É como se o Paraguai inteiro não tivesse mais leitores.
A IA das redes sociais vem tragando, em poucos anos, jovens e tradicionais habitués da leitura para pontos de atenção com predominância de imagens e símbolos. Foram necessários 5 séculos para tornar a Europa um continente de leitores, e o Brasil, que nunca chegou a sê-lo, agora parece distanciar-se desse perfil. Aliás, é como perfis e não como leitores que nos ajustamos melhor, como consumidores mapeados por algoritmos na Web. Antes que a falta de intimidade com a ironia cause ruído, isso é uma crítica.
Como editor no setor livreiro, procuro elaborar alguma resposta útil ao triste cenário divulgado na Pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro neste 19 de novembro de 2024.Ocorreu-me que o resultado das eleições nos EUA foi relacionado por especialistas à censura de obras literárias na maior parte do país, que a extrema direita tem aumentado seus representantes nos governos da Alemanha, capital econômica da Europa, e da América Latina, em que o Brasil é um dos casos mais emblemáticos.
Essa conjuntura de tendência autoritária coloca em risco as democracias, os sistemas de proteção ambiental e contenção das mudanças climáticas, e os direitos humanos, especialmente entre populações menos favorecidas.
Mas o que a leitura tem a ver com isso? Em poucas palavras: cidadania, direitos civis, proteção social, liberdade, equidade. Não é exagero lembrar que todas as social media e seus sistemas de informação são controlados por grandes acionistas, um número reduzido de empresários com alta concentração de renda e pouco compromisso com o futuro do planeta.
No período da Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, existiram pessoas que imaginaram sociedades mais justas e igualitárias diante das condições de trabalho difíceis da época. Foram chamados de “socialistas utópicos”: Henri de Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen. Gosto de pensar neles como pessoas altruístas.
Hoje em dia, os cursos de administração propagam a Sociedade 5.0. O conceito, apresentado em 2016 pelo governo japonês, promete uma sociedade em que as tecnologias digitais, como a IA, a robótica e a Internet das Coisas, devem melhorar a vida de todas as pessoas e resolver os problemas sociais. Acho esse projeto tão utópico quanto o dos socialistas. Na verdade, ao longo da História, sempre há modelos de organização e controle do mundo em disputa, mas parece que chegamos a um limiar perigoso, com as grandes potências nucleares dispostas a usar sua força, e poucos estadistas de peso voltados para a paz mundial, o combate à fome e ao equilíbrio socioeconômico entre as nações. Além disso, temos sido pautados e manipulados pelas grandes empresas que controlam as redes sociais de informação.
Voltando ao Brasil, apenas 26% dizem que gostam muito de ler e 43% gostam só um pouco. Estão todos conectados aos algoritmos, ao lado de 46% que dizem não ter tempo para livros. Perdemos um Líbano, e, em três ou cinco anos, podemos perder uma Sérvia, até nos perdermos de nós mesmos.
*Francis Manzoni é pós-graduado em edição de livros, mestre em história pela Unesp e doutor em história pela mesma área na PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França. Atualmente é aluno do MBA em Gestão Estratégica de Pessoas na FGV. Atuou como consultor da área de literatura do Sesc São Paulo e, neste momento, é gerente adjunto das Edições Sesc. É autor do livro 'Mercados e feiras livres em São Paulo: 1867 – 1933' (Sesc, 2019) e 'A criação do Centro Cultural São Paulo' (Alameda, 2022).