
Metade dos livros publicados pelo poeta são traduções. Além das oito obras completas que traduziu, as quatro biografias que escreveu (Cruz e Souza, Bashô, Jesus Cristo e Trótski) também trazem traduções, além de outros textos esparsos publicados em revistas literárias e trechos presentes em diários e cartas. Leminski conseguiu percorrer diferentes gêneros, temas e linguagens e ainda assim unir ou encontrar coincidências em textos aparentemente tão distantes entre si. Desde autores como o romano Petrônio, o japonês Yukio Mishima até John Fante, John Lennon e Samuel Beckett, o poeta conseguiu encaixá-los, obras e autores, nos paradigmas que dizia perseguir ao traduzir. Todos com conteúdo potencial para atingir um público amplo, além da possibilidade de ligação entre diferentes artes, como a música e o teatro e da oportunidade de quebrar paradigmas estéticos e conceituais.
As obras que Leminski escolheu para fazer parte de seu paideuma particular são obras de autores que foram, em sua maioria, revolucionários em suas épocas e formadores de textos e movimentos que serviram como referenciais para outros poetas e outras gerações. São obras, também, que não possuem um gênero fixo, que brincam com a mistura de gêneros, que trabalham com a materialidade da linguagem, que quebram barreiras linguísticas e que são extremamente inventivas e inovadoras, tanto na forma quanto no assunto.
O trabalho de Leminski como tradutor foi coerente com sua postura como escritor, de acordo com seu projeto literário existencial. Além da influência do ideário tradutório dos poetas concretos, que é indiscutível, sua tradução estava associada ao estudo obsessivo de idiomas, à curiosidade poética de dialogar com outras vozes, distante no tempo e no espaço.
O poeta não foi um leitor passivo das teorias e vertentes literárias que consumiu. Ao contrário, ele assumiu uma atitude própria, não apenas seguindo modelos ou protótipos ditados por aqueles que considerava “patriarcas”, mas mesclando aprendizados e interpretações para construir algo novo. Ao construir seu próprio paideuma, Leminski pretendeu atingir um grande público, esteve preocupado em igual maneira pelo sentido e pela forma, estava conectado com obras e autores de diversos gêneros, como a música, e não procurava apenas por poesias ditas cerebrais.
*Lívia Mendes Pereira se graduou em Letras, é doutora em Linguística (UNICAMP) e especialista em Jornalismo Científico (LABJOR/UNICAMP). Desenvolve projetos nas áreas de Estudos Literários, Estudos Tradutórios e Letras Clássicas. É autora do livro 'Paulo Leminski tradutor' (Dialética, 2022) e divulga seu trabalho no @leminski_tradutor.