Por fim, o último dia de evento para mim, que foi a sexta-feira (25), foi o mais marcante de todos. Primeiro, porque descolei um encontro de última hora com uma editora-chefe russa que soube que eu estaria lá e me chamou para uma reunião, que aconteceu ali mesmo na área de alimentação! Quem sabe muito em breve não veremos a concretização de alguns dos frutos que plantei na Feira?
Depois, topei com a presidente da CBL e diretora geral da VR Editora, a Sevani Matos, que é a mesma editora que irá publicar minha história em quadrinhos João Pé de Feijão no próximo ano. É engraçada a sensação de encontrar brasileiros pela primeira vez logo quando vocês estão fora do país!
A Tamires Atzingen, gerente executiva editorial da VR, também estava ali e me levou junto em algumas reuniões que fez com editoras estrangeiras, nas quais fiquei de penetra e embasbacada com o capricho de projetos gráficos delas. As capas com relevos brilhantes, laminações holográficas localizadas, hot stamping, cortes não somente coloridos como também laminados e o uso indiscriminado de pantone… Meus olhos de capista se encheram de brilho folheando os catálogos e exemplares, ao mesmo tempo que uma melancolia tomava conta dos meus pensamentos porque não conseguia esquecer da triste realidade do mercado brasileiro, em que esses tipos de ornamentação encarecem muito o preço do livro e se limitam somente a títulos ou projetos muito específicos. Sinto que aprendi muito vendo a Tamires entrando em ação, nesse vislumbre de como são feitos esses jogos de negociação em Frankfurt.
Um aspecto que acho muito bonito em minha cultura é a de dividir comida, pois as porções de restaurantes coreanos comumente são feitas para serem compartilhadas entre as pessoas. E assim saboreamos uma noite de trocas e relatos, partilhando uma mesa com pessoas de quatro continentes diferentes, como Lianne observou em determinado momento e que eu complementei dizendo que éramos como os Power Rangers do mercado editorial. A comida tem mesmo um poder incrível de conectar as pessoas.
Apesar do objetivo inicial da ida a Berlim ter sido meramente um passeio turístico, acabou virando muito mais que isso: fui convidada para palestrar na Freie Universität Berlin, no Instituto de Estudos Latino Americanos (LAI). Pude discorrer sobre o contexto da hierarquia racial brasileira e como se deu o desenvolvimento dos coletivos asiático-brasileiros de que participei, e contextualizei como minha trajetória artística se conecta a essas questões.
Embora já tenha ministrado inúmeras palestras e superado a vergonha de falar em público há um tempo, foi a minha primeira vez me apresentando totalmente em inglês para um público estrangeiro. Mas, como já estava afiadíssima e com a apresentação bem amarrada, correu tudo bem. Na verdade, foi excelente! Após a minha fala, tivemos uma discussão com as mediadoras e o público que foi não somente bastante produtiva, como também muito afetiva e bonita. Comparamos as experiências que nos diferenciavam e as semelhanças que encontrávamos em nossas trajetórias, e foi simplesmente algo muito lindo de se vislumbrar. Senti-me acolhida e ouvida, e voltei da Alemanha de coração quentinho pelas conexões que construí durante toda a viagem, e que tenho certeza que continuarão comigo muito depois dela.
*Ing Lee é coreano-brasileira e surda oralizada, natural de Belo Horizonte(MG) e reside atualmente em São Paulo(SP). É bacharel de Artes Visuais pela UFMG, atua como quadrinista e ilustradora freelancer desde 2018. Já trabalhou para clientes como Penguin UK, Wim Wenders Foundation, KCC, Bioré, Companhia das Letras, Sesc-SP, LUSH, Japanese Breakfast, Piauí e Revista Pesquisa Fapesp. Este ano, foi a vencedora do Prêmio Jovens Talentos da Indústria do Livro do PublishNews em parceria com a Feira do Livro de Frankfurt, sendo a primeira capista do mercado editorial a ganhar o prêmio. Foi artista convidada do FIQ 2022 e da Bienal de Quadrinhos de Curitiba em 2020; em 2022, foi júri no Prêmio João-de-barro na categoria "Livro Ilustrado". É representada internacionalmente pela agência de ilustração IllustrationX e também pela agência literária Três Pontos. Ministra cursos, palestras e workshops para instituições como Sesc SP e Instituto Tomie Ohtake. Entre seus trabalhos de HQs, destacam-se as webtiras sobre a imigração coreana no Brasil para o Sesc Av. Paulista, e o projeto de webcomic 'João Pé-de-feijão'. Paralelamente, integrou o programa Amigos da Embaixada da Coreia em 2022, como promotora da cultura coreana no Brasil; fez parte do Mitchossó (coletivo da diáspora coreana da Casa do Povo), Lótus Feminismo Asiático e foi co-fundadora do Selo Pólvora (coletivo artístico feminista asiático-brasileiro).