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Bater na porta — e bater e bater e bater
PublishNews, Leonardo Garzaro, 02/09/2024
Em 15 anos de mercado editorial, vi carreiras que jamais decolaram, projetos lindos que deram errado. Contudo, a lição que extraio diariamente é a de que é preciso seguir batendo nas portas

No final de 2019, quando planejava abrir uma nova editora, tomei um café com o Leonardo Pinto Silva, tradutor do norueguês. Expliquei meus planos: encontrar os títulos premiados da literatura norueguesa contemporânea inéditos em português, comprar os direitos e publicá-los no Brasil. Criar um selo, dedicado à literatura escandinava. Ele adorou a ideia, me colocou em contato com a agência de promoção da literatura norueguesa (a Norla), com os agentes literários, mas confessou seu desânimo. Apesar de todo o suporte oferecido pelo governo norueguês, ano após ano se publicava menos títulos no Brasil. Os números de vendas eram fracos, os editores se empolgavam, mas logo os projetos eram descontinuados. Ele já havia encontrado outros editores, igualmente entusiasmados, mas todos haviam deixado a literatura escandinava de lado. Naquele ano, apesar do seu amplo domínio do idioma e de já ter traduzido nomes como Karl Ove Knausgård e Jostein Gaarder, ele havia traduzido apenas um título.

Na mesma época, conheci o Luciano Dutra e o Daniel Dago, tradutores do sueco e holandês. As queixas do Luciano eram as mesmas: poucos projetos apesar do suporte oferecido pela Suécia. O Daniel Dago enfrentava outros problemas: a agência de promoção da literatura holandesa tinha um processo seletivo bastante complicado, que dificultava a entrada de novos tradutores. Apesar de seu domínio do idioma, dos projetos de promoção da literatura holandesa que tinha capitaneado (como o barco holandês, na FLIP de 2019), a Fundação Holandesa utilizava tradutores de Portugal para avaliar os candidatos brasileiros. Há anos, não aprovava ninguém.

Naquela ocasião, insisti com o Leonardo, o Luciano e o Daniel em algo que acredito muito: Vamos bater na porta, uma hora ela abre. Bater e bater e bater. Lançamos os primeiros títulos e logo conseguimos um bom destaque. A Linda Boström Knausgård, autora sueca à época inédita no Brasil, foi resenhada por todos os grandes veículos. O primeiro título que publicamos, A pequena outubrista, vende bem até hoje. Na literatura norueguesa, o retorno significativo veio no terceiro título, Lugar Nenhum — Um atlas de países que deixaram de existir. A primeira edição se esgotou em poucas semanas. E um título holandês, Este post precisou ser removido, foi adotado por um clube de leitura, que comprou toda a primeira edição.

Leonardo Dutra com o Presidente da Islândia | © Divulgação
Leonardo Dutra com o Presidente da Islândia | © Divulgação
Conversei recentemente com os três tradutores. Leonardo Pinto Silva ganhou em 2022 o prêmio de tradutor do ano na Noruega. Com o Nobel de Literatura Jon Fosse, está traduzindo tanto que recusou alguns trabalhos. Luciano Dutra recebeu em 2024 um reconhecimento pelo trabalho na promoção do idioma islandês. Foi recebido pelo presidente. E o Daniel Dago foi convidado para uma residência literária na casa onde o Jan Wolkers viveu. Mora na Holanda, prepara seu doutorado, traduz. Em comum entre os três, mais de uma década insistindo, de editora em editora, de projeto em projeto, divulgando sempre o seu trabalho.

Eu e Natalia Timerman
Eu e Natalia Timerman
Também assisti de perto a carreira de alguns autores, hoje bastante conhecidos. Em 2014, tomei um café na extinta Livraria Cultura do Conjunto Nacional com a Natalia Timerman. Ela havia enviado um original para a Companhia das Letras, que foi recusado. Tive a sorte de ser o seu primeiro editor. Fui a alguns de seus lançamentos com pouco público, assisti uma live com menos de dez pessoas, vi a Natalia batendo nas portas até que elas começaram a se abrir. Em uma década, ela se tornou uma das autoras mais vendidas no Brasil. Também dividi um estande na Feira do Livro com o Wesley Barbosa, que de livro em livro, com sua banca no Beco do Batman, vendeu dez mil exemplares e viu seu Viela ensanguentada ser publicado na França. Em 2020, participei de um encontro no canal do CIEE com um autor recém-lançado, pouco conhecido, chamado Stênio Gardel. Antes de publicar seu livro, Stênio cumpriu bons anos de oficinas literárias com a Socorro Acioli. Depois, participou de uma dezena de eventos, sempre se esforçando bastante para vencer a timidez. Quando o vi de smoking, em Nova York, recebendo o National Book Award, pensei na sua longa jornada.

Há também os editores. O Cauê Ameni, conheci em 2005, em um bar na Augusta, contando sobre como conseguia livros em consignação para vender em sua livraria na PUC. Hoje ele dirige a Autonomia Literária, uma das mais importantes editoras de esquerda do País. A Laura di Pietro, da Tabla, com quem conversei pela primeira vez no podcast do PublishNews, logo depois venceu o mais importante prêmio editorial do mundo árabe. Dois anos atrás, jantei com o Leopoldo Cavalcante, que lançava uma newsletter sobre literatura. O projeto cresceu e se transformou na editora Aboio. Em comum entre os três, diversos livros que não venderam, festivais sem público, recusas em editais — e garra.

É claro que, em 15 anos de mercado editorial, vi carreiras que jamais decolaram, projetos lindos que deram errado. A lição que extraio diariamente, contudo, é a de que é preciso seguir batendo nas portas. Vi mais portas se abrirem do que se fecharem, vi que a insistência dá resultado, vi que gente talentosa e que acredita no que está fazendo encontra o seu espaço.

N'A Feira do Livro de 2024, conheci duas autoras que estavam iniciando a carreira. Eram a Carolina Zweig, autora de A herança do agente funerário (Caravana) e a Elisa Calado, autora de Essa avenida ainda me mastiga (Patuá). Fui à festa de inauguração da editora Madame Psicose, do João Lucas Dusi. E publiquei os primeiros trabalhos de dois tradutores do árabe: Nisreene Matar e Mohamed Elshenawy.

Daqui a dez anos, espero escrever sobre eles.

Daniel Dago na casa de Jan Wolker
Daniel Dago na casa de Jan Wolker

Eu e Daniel Dago n'A Feira do Livro
Eu e Daniel Dago n'A Feira do Livro

Leonardo Garzaro é escritor, editor e jornalista. Paulista, nascido em 1983, fundou diferentes editoras independentes e editou dezenas de livros. Seu primeiro romance, o infantojuvenil O sorriso do leão, teve os direitos vendidos para editoras de seis países, com traduções para o inglês, espanhol, turco e árabe. Alguns de seus contos foram publicados na premiada revista norte-americana Literal Latin Voices. A revista literária Latin America Literature Today, LALT, elegeu seu conto The Fanatic's Story como um dos dez melhores de 2023.

É consultor de literatura brasileira das editoras Monogramático, da Argentina; Textofilia Ediciones, do México; Corredor Sur, do Equador; e da agência turca Introtema. O guardião de nomes, seu último romance, foi publicado em quatro países e indicado para o prêmio Jabuti de Literatura.

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