O mercado de arte e literatura foi sacudido nesse domingo (16) com a notícia da venda online de um exemplar de poesia, Cord, da escritora colombiana americana Ana Maria Caballero por US$ 11,43 mil, ou 0.28 Bitcoin, em criptomoeda.
O detalhe é que essa poesia é publicada em exemplar imaterial ao qual foi atrelado um NFT, um código eletrônico individual (falo mais sobre o tema no artigo Obras literárias e o NFT) que torna esse exemplar alienado único no mundo, embora existam cópias da poesia disponíveis na rede. Ele pode ser exibido pelo dono num computador, numa tela digital na sua parede, ou numa galeria.
Não só a notícia dessa venda chama a atenção – outras já ocorreram, como a que noticiei aqui do leilão do manuscrito da música American Pie, de Don Mclean – mas também o fato de se tratar de poesia, em NFT, e da autora ter intensa atividade ligada a literatura veiculada por suportes de publicação que não o físico.
A poesia Cord, alienada pela renomada casa de leilões Sotheby’s foi anunciada em 22 de janeiro e tinha estimativa de preço de venda entre US$ 5mil e US$ 7mil, mas acabou sendo arrematada por US$ 11,4 mil, segundo o jornal O Globo, por um brasileiro. Saliente-se que naquela tradicional casa já existe um departamento de leilões de arte digital, com intensa programação, muito embora os preços não estejam hoje, nos patamares que já alcançaram.
O fato significa uma faceta inovadora e positiva dos NFTs, que surgiram num hype, numa onda intensa e de preços estratosféricos, mas foram ofuscados pela fulgurante, onipresente e onisciente inteligência artificial, e atrofiaram com queda abrupta, de interesse do público e de valor. No entanto, essa tecnologia de individualização de obras imateriais deixou suas marcas no mercado e catálogos raisonées de obras de artistas vêm sendo lançados no blockchain, rede de registro de criações imateriais e NFTs.
A obra de arte plástica normalmente se corporifica num objeto apreciado por ser único. Já a obra literária é compartilhada simultaneamente pelos leitores, que acessam o conteúdo, sem necessariamente apreciar a matriz, o manuscrito.
Literalmente singular é o caso do poema de Ana Maria, que mesmo sendo uma obra normalmente apreciada por milhares de pessoas - dada a sua reprodutividade em livros, corporificada em exemplar único que passa a ser objeto de admiração e desejo -, foi arrematada por valor relativamente alto para poesia, mas sem prejuízo do consumo do texto pelos leitores.
Então fica criada uma obra de arte de conteúdo literário, porém com aspecto estético e com um componente da economia da escassez, na medida em que, por ser única, adquire o simbolismo da singularidade, referencial para o mercado de arte.
O fato de constar na blockchain e ser leiloada ostensivamente constitui exemplo de que aos poucos o registro de obras de arte vai sendo efetuado nessa rede.
Saliente-se que existem registros para livros (ISBN - International Standard Book Number), partituras (ISMN - International Standard Music Number for Notated Music) e fonogramas (ISRC - International Standard Recording Code), mas não há um órgão de registro de obras de arte. A blockchain vai se tornando um caminho para a documentação das obras de arte alienadas e suas subsequentes transferências de propriedade, inclusive onerações e instituição e condomínios.
Sobre Ana Maria Caballero importante destacar que a premiada poetisa e artista colombiana americana, moradora em Madri, nasceu em 1981. Graduada magna cum laude por Harvard e com bolsa da Universidade Complutense de Madri tem intensa produção no campo da poesia e também na esfera de esculturas e objetos criativos, como se pode ver no seu rico site.
Destacou-se na poesia digital com indicação para vários prêmios, como o Maxxi Bulgari. Tem textos narrados por ela em vídeos ou em instalações com efeitos digitais, voz e legendas. Recitou poemas em vários lugares do mundo e as reações do público, anotadas em uma palavra escrita pelos ouvintes em bilhetes, foram transformadas em origâmis.
Cofundadora do site theVERSEverse, uma galeria de poesia em NFT, celebra o crescimento da poesia cripto nativa e faz parte de movimento de criação da literatura no blockchain.
Ainda dentro do site theVERSEverse consta uma instigante (e preocupante) ferramenta; a “gentext”, que permite a um poeta, um artista visual e um programa de geração de texto por inteligência artificial, o “sudowrite”, criarem obras com temática e estilos pré-determinados. Já testei e fiquei impressionado. Começa a escrever textos e dá opções de continuação!!!!
Quando os sinais de que o hype do NFT definhava, surge um sopro indicador de presença da arte imaterial individualizada no panorama artístico, especialmente literário, com reflexos em várias modalidades de expressão das artes.
Além dessa modernidade impressionante, o livro físico da mesma autora, Mammal: Sacrifice is not a virtue está à venda na Amazon e tem seu ISBN indicado normalmente 978-1949540406.
Em tempos de fusão de mídia, há o desafio de registro dessas obras de arte que tem simultâneo conteúdo e apresentação literário, visual e de áudio, desafiando os registros tradicionais e possivelmente apontando para a blockchain como novo caminho para as novas criações artísticas, resultantes de fusões de forma de expressão.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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