Em 27 de março de 2013 publiquei coluna aqui no PublishNews tratando dos direitos autorais sobre os textos do Papa, na época já era Francisco, ainda no início de seu mandato, que começou em 13 de março de 2013.
Passados quase 12 anos de seu papado Francisco passa por delicado momento de saúde, cujos informes obtenho no site da Santa Sé. Vi suas orações e escrevo este artigo rezando por sua recuperação.
Principio por breve histórico sobre a Santa Sé e o Vaticano. Revisitando o site da Santa Sé (holysee.com) convém distingui-la, entidade que representa a chefia da Igreja católica, do Estado do Vaticano, território onde ela se localiza. O Estado da Cidade do Vaticano foi criado pelo Tratado de Latrão estipulado entre a Santa Sé e a Itália em 11.2.1929. Por esse tratado a entidade Santa Sé passou a funcionar na cidade-estado do Vaticano.
Mas o tema desse artigo é a Voz do Papa e os direitos decorrentes de sua difusão e utilização. Em 2013 falava dos escritos e do audiovisual representando as mensagens papais. Nesse ínterim, a tecnologia evoluiu também na preservação e disseminação da voz; os audiolivros são constantemente aprimorados e disseminados, seja porque ouvir livro é mais fácil pelos novos aparelhos – menores e com mais recursos – durante deslocamentos e trabalho, bem como facilita a geração multitarefas a exercer atividades diversas enquanto absorve mensagens sonoras.
Além do mais, em termos de acessibilidade o áudio permite aos cegos “lerem” os livros, convertidos pelo programa ePUB, de transformação de texto escrito em voz, como formato inclusivo brasileiro.
E como ouvir os sermões e orações na voz do Papa? Acessando o link The Pope's Voice, no podcast da Santa Sé, é possível ouvir discursos e alocuções do Papa em várias línguas, com arquivos sonoros organizados por datas. Imagino que possa ter sido utilizada a inteligência artificial, pois os sermões são veiculados em mais de 20 idiomas, mas isso não é informado.
Já para ouvir o Boletim de Notícias do Vaticano em língua portuguesa, basta acessar o Vatican News.
Mas destaco aqui a possibilidade – que me agrada como curioso sobre línguas – de ouvir as notícias do Vaticano em latim (!), no link “a semana do papa”, a “Hebdômada Papae”. Hebdômada vem do grego semana, sete dias; hebdomadário, jornal semanal.
Esses arquivos constituem mais um sinal do crescimento da voz como meio transmissor de conteúdo, fato que só foi possível no início do séc. XX, com o registro sonoro das expressões vocais humanas, viabilizado pela eletricidade. Hoje, a mensagem fica facilmente registrada e armazenada, podendo ser reproduzida quando desejado pelo ouvinte, em trechos ou por inteiro, mais lenta ou mais rápida, e com a possibilidade de tradução simultânea para várias línguas.
Da mesma forma que o crescimento do suporte sonoro da voz expande os horizontes e alcance das mensagens, inclusive religiosas, se faz igualmente necessário proteger esse conteúdo de reproduções indevidas, ou deturpações, como o chamado deep fake.
Assim, consta do site o seguinte alerta: “O conteúdo deste podcast é protegido por direitos autorais pelo Dicastério para a Comunicação que, de acordo com seu estatuto, é encarregado de gerenciar e proteger as gravações sonoras do Romano Pontífice, garantindo que seu caráter pastoral e os direitos de propriedade intelectual sejam protegidos quando usados por terceiros. O conteúdo deste podcast é disponibilizado apenas para uso pessoal e privado e não pode ser explorado para fins comerciais, sem autorização prévia por escrito do Dicastério para a Comunicação. Para mais informações, entre em contato com o Escritório de Relações Internacionais em relazioni.internazionali@spc.va [1]”.
Dicastérios equivalem a secretarias, órgãos auxiliares do Papa, no caso o de Comunicação, mas existem outros, como o da Doutrina da Fé e o da Cultura e Educação.[2]
Aliás, merece leitura, para crítica cabível, a nota “Antiqua et Nova” publicada pelo Papa Francisco sobre a relação entre a inteligência artificial e a inteligência humana, tema a respeito do qual ele vem lançando seguidos comentários [3].
O fato é que a voz do Papa é protegida pelo direito – no Brasil, na Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVIII – e mesmo que ele venha a faltar, seu registro sonoro permanece, já que constitui suporte imaterial autônomo de transmissão de conteúdo.
Também recebem expressa proteção legal os “sermões”, como consta da lei brasileira de direito autoral (L. 9610/98, art. 7º, II [4]) e da Convenção de Berna, de 1886, que regula direitos sobre obras literárias no mundo (Art. 2, Alínea 1[5]).
Logo, a proteção à qual tanto me refiro consiste em evitar a difusão indevida de áudios do Papa, a montagem e venda de audiolivros com sua voz, enfim, a limitação ao uso de conteúdo, para evitar a utilização comercial não autorizada do conteúdo do site, ou mesmo a alteração deliberada do conteúdo.
A titularidade das novas formas de comunicação, desde o primeiro registro audiovisual de um Papa, Pio XII, é regulada pela Santa Sé, que tem em seu texto várias notas legais sobre o conteúdo do site, bem como como execuções musicais.
Destaco ainda a sensível e atual mensagem enviada ao Presidente da França e integrantes a respeito do encontro sobre inteligência artificial ocorrido em Paris, em fevereiro último.
Antes de terminar, uma pequena guinada, para não me limitar ao Papa. Fui consultar o interessante site do Dalai Lama, onde constam várias mensagens, vídeos e informações. O ponto de atração, ligado a este artigo, foi a mensagem no rodapé do site informando que os direitos sobre todo o conteúdo pertencem ao “office” de Sua Santidade o Dalai Lama.
Voltando. Em tempos de inteligência artificial e mutação não autorizada da voz, o uso dessa forma de transmissão de conteúdo, em site acessado por milhões de pessoas, tem vantagens e riscos. Como toda a informação hoje, a sua ampla disponibilidade gera potenciais problemas na difusão, mas é necessário, para alcançar fieis e seguidores, o uso da tecnologia disponível para os visitantes do site.
O Papa discorre sobre a operação dos algoritmos e o poder do coração. Razão e emoção percorrem o direito autoral, liberdade de conteúdo e proteção da forma, com o acréscimo da voz. Não mais vox clamantis in deserto.
[1] The content of this podcast is copyrighted by the Dicastery for Communication which, according to its statute, is entrusted to manage and protect the sound recordings of the Roman Pontiff, ensuring that their pastoral character and intellectual property's rights are protected when used by third parties. The content of this podcast is made available only for personal and private use and cannot be exploited for commercial purposes, without prior written authorization by the Dicastery for Communication. For further information, please contact the International Relation Office at relazioni.internazionali@spc.va https://www.vaticannews.va/en/...
[2] https://www.vatican.va/content...
[3] “I distinguished between the operation of algorithms and the power of the ‘heart’,”
[4] “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;”
[5] “1) Os termos «obras literárias e artísticas» compreendem todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão, tais como: os livros, folhetos e outras escritos; as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;”
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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