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Sem autorização, não
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 17/09/2024
Em novo artigo, Gustavo Martins comenta a decisão judicial americana referente ao comércio gratuito de livros

© IA / ChatGPT
© IA / ChatGPT
Acaba de ser proferida relevante decisão, pelo Judiciário dos Estados Unidos da América, considerando não ser uso razoável e, portanto, proibido o escaneamento para empréstimo e distribuição gratuita de livros para o público em geral.

O site Internet Archive, doravante IA (não confundir com a abreviatura de Inteligência Artificial) iniciou a sua prática em 2019, que foi intensificada durante a pandemia em 2020 vindo a prosseguir até recentemente. Em virtude disso quatro grandes editoras; Hachette, Harper Collins, John Wiley e Penguin Random House ajuizaram uma ação visando a proibir essa prática.

Houve uma decisão de primeira instância favorável às editoras e agora o Tribunal de Recursos do Segundo Circuito, de NY, decidiu claramente da seguinte forma, em tradução livre, respondendo a uma indagação: “Constitui ‘fair use’ para uma organização sem fins lucrativos escanear livros impressos protegidos por direitos autorais, em sua totalidade, e distribuir essas cópias digitais on-line, na íntegra, gratuitamente, na proporção de um para um de propriedade para empréstimo entre suas cópias impressas e as cópias digitais que ela disponibiliza a qualquer momento, tudo sem autorização dos editores ou autores detentores dos direitos autorais? Aplicando as disposições relevantes da Lei de Direitos Autorais, bem como a vinculante da Suprema Corte e o precedente do Segundo Circuito, concluímos que a resposta é não.” (hachette book group, inc. v. internet archive, case 23-1260, document 306-1, 09/04/2024, 3633246).

A análise dessa decisão mostra que foram levados em conta os investimentos feitos pelas editoras, inclusive em e-books, e o enorme crescimento dessa forma de edição entre 2010 e 2020.

Funcionou como amicus curiae, dentre outros, o SNEL-Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Os amici curiae são pessoas ligadas ao tema de demanda relevante, que podem ser chamadas pelo Juiz a prestar esclarecimentos que contribuam para o bom julgamento da causa. No Brasil existe essa previsão, no art. 138 do Código de Processo Civil.[1]

As licenças de uso de e-books por bibliotecas têm suas singularidades, pois enquanto a cópia impressa pode ser emprestada para um usuário por vez, o arquivo digital poderia ser emprestado simultaneamente a mais de uma pessoa. Daí a variação de preço da licença de empréstimo para biblioteca dessa forma de publicação(e-book), em relação ao livro impresso. Sob o argumento de propiciar acesso universal ao conhecimento, a Internet Archive oferece acesso gratuito on-line de textos, áudio, imagens software e outros produtos culturais, inclusive a Wayback Machine que disponibiliza sites já apagados.

Cada cliente da IA pode acessar até 10 livros por 14 dias, segundo a IA sem risco de serem copiados pelos clientes finais. Em 2018 a IA inseriu a bibliotecas no seu projeto, ampliando seu catálogo de livros disponíveis. Durante a Covid a IA permitiu que cada livro fosse acessado por 10.000 clientes simultaneamente, entre março e junho de 2020 quando a ação agora comentada foi proposta.

A IA tem 3,2 milhões de cópias de livros em seu site, acessadas por 5,9 milhões de usuários, que pedem emprestado cerca de 70 mil livros por dia; cerca de 25 milhões por ano.

A IA sustentou no recurso que sua prática constituía fair use e não violava o direito autoral de autores e editoras.

O Tribunal entendeu que sua prática não cabia nesse molde pois (a) não havia nenhuma transformação criativa nos livros disponibilizados, (b) apesar de não ter fins econômicos a IA pedia doações em seu site e recebia parcela do valor de venda dos livros em seu site, (c) os livros eram reproduzidos na íntegra e (d) a sua atuação configurava competição com as editoras, titulares dos direitos autorais.

Confirmando a decisão o Tribunal reafirmou o conjunto de direitos assegurados aos autores individuais e que essa exclusividade seria destinada a remunerar o autor, em benefício do público.

A Corte analisou o caso Sony sobre evolução tecnológica, e o precedente do caso Andy Warhol e Prince. Em relevante argumentação afirmou que, em tradução livre: “O ponto crucial da distinção entre lucro/sem fins lucrativos”, então, “não é se o único motivo do uso é ganho monetário [,] mas se o usuário lucra com a exploração do material protegido por direitos autorais, sem pagar o preço habitual.” Harper & Row, 471 U.S.

Por último, além de uso integral das obras, essa utilização causa danos na comercialização do produto, em qualquer formato, prejudicando editoras e autores, ao contrário do que afirma IA. Por fim a Corte manteve sua decisão, inclusive sustentando que o comércio gratuito de livros, sem beneficiar os autores, desincentiva a produção literária.

A curiosidade me impulsionou a verificar o site IA, e lá encontrei situação curiosa. Fui pesquisar Machado de Assis e dei de cara com Esaú e Jacó, disponível para membros do site com limitações de leitura, o que seria uma exceção da legislação de direito autoral.

Fui mais adiante, consultei as regras empréstimo da biblioteca. E transcrevo uma curiosa opção – ratifico que o empréstimo é ilegal, nos termos em que ofertado: “Qual é a duração do empréstimo para livros do Internet Archive?

“Os livros geralmente estão disponíveis para empréstimos renováveis de 1 hora. Alguns livros também oferecem um empréstimo mais longo de 14 dias; para esses livros, se não houver cópias disponíveis, os usuários podem entrar em uma lista de espera. (Atualmente, não hálista de espera disponível para livros que oferecem apenas empréstimos de 1 hora.)” Empréstimo por 1 hora! É a amostra por tempo. Achei interessante, desde que não possa ser baixado o arquivo.

Impressiona, no caso, o volume de procura de livros pelos leitores, e a constante luta contra a reprodução não autorizada. O site poderia focar em obras em domínio público, ou com licenças livres de publicação do Creative Commons, cujo site valer a pena visitar.

O tempo, como item de tipo de empréstimo, pode ser um fator da atividade editorial on-line, mas o tema ficará para outra coluna.


[1] Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º.
§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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