O mundo inteiro vê o crescimento exponencial da produção de e-books e audiolivros [1], trazendo o aprimoramento de aparelhos de “leitura” (também escuta), a expansão do mercado de narradores, inclusive vozes famosas, e questões contratuais inéditas, como a relacionada a “aparência” de novas edições e uso de inteligência artificial.
O livro de papel recebe a competição dos novos aparelhos, que suportam conteúdo literário, com características próprias, dentre elas, e a principal para este artigo, a utilização do tempo como unidade de medida da leitura, ao invés do número das páginas, como o mercado se acostumou. Basta a consulta ao site do jornal New York Times para constatar que abaixo da manchete de todas as matérias aparece uma indicação do tempo de leitura, como na seguinte:
Esse referencial de tempo, ao invés de páginas ou linhas, vai se mostrando cada vez mais presente no mercado editorial. Por exemplo, o site There ad Time se destina a medir o tempo de leitura de textos e aumentar a velocidade do leitor.
O ato de ler, principal forma de absorção do conhecimento, também vem sofrendo as pressões da aceleração do tempo histórico da sociedade. Mais e mais o tempo de leitura dos textos vai sendo comprimido, ou otimizado, na medida em que a oferta de conteúdo é grande e a absorção desse ativo intelectual equivale a acúmulo potencial de poder.
Estamos em plena era da digitalização no setor editorial, com aumento dos títulos comercializados no formato de e-books e audiolivros, alteração dos hábitos de leitura e demandas do mercado. Principalmente as novas gerações, que se acostumaram a realizar várias tarefas simultaneamente, fazem a “leitura” por audiolivros. Segundo o site Challix, a média de leitura (escuta) de um audiolivro é de 150/160 palavras por minuto e a leitura direta de um livro físico ou e book é de 250/300 palavras por minuto. Talvez para reduzir, ou compensar essa diferença surjam os meios de acelerar a fala/escuta dos livros, como referido acima.
Em artigo publicado aqui em 2018, Papel, tela, fone de ouvido, eu disse serem os earphones a nova longa auris, uma extensão dos ouvidos do ser humano, que captam os sons por aquele acessório, conectado aos seus e-readers, audiolivros e Spotify. Acho que acertei!
O Digital Publishing Report, a se realizar nesta quinta (21), trará certamente novidades a respeito na área de digitalização e transformação do setor de leitura, pois podcasts, booktokers, e outros formatos de divulgação e comercialização constituem um novo núcleo de expansão da leitura, que vai se consolidando e ao mesmo tempo sendo aprimorado. O STF inclusive isentou os aparelhos de leitura de tributação[1], estendendo a imunidade Constitucional ao setor.
Nessa linha de nova medida de leitura, o sistema de leitura Kindle, além de indicar na tela as páginas do livro “aberto”, contém dispositivo que mede o tempo projetado de leitura da obra, de acordo com o ritmo que o leitor emprega na mudança de páginas.
Já existe um prêmio internacional de audiolivros, o Audie Awards, com diversas categorias (drama, narrador, erótico, biografia etc.) promovido pela Audio Publisher Association, esse ano vencido pelo livro Surrender, do artista do conjunto musical U2, Bono. Significativo quematéria publicada a respeito desse livro indique, logo abaixo do título, o tempo estimado de leitura da obra, “20.5 hrs.”.
Essa medida temporal de leitura, ao invés de páginas, faz parte da mudança de suporte da obra literária, do papel para o e-reader ou aparelho de áudio, com a curiosidade, por exemplo, de uma citação de trecho da obra publicada em formato de áudio ter que ser feita em tempo padrão de narração do livro, já que a velocidade da voz pode ser acelerada.
Não raro as pessoas se utilizam do mecanismo (terrível, a meu ver) de aceleração da voz na execução de mensagens de áudio enviadas por Whatsapp. Para economizar tempo?
A medicina já identificou a taquifemia, codificada na "Classificação Internacional de Doenças" (CID-10) com os caracteres F98.6; como um distúrbio ou transtorno de fluência.
Além da questão tempo, o uso da voz na relação com as máquinas é uma realidade inafastável, como elemento de comando de celulares ou aparelhos assistentes de uso; Siri ou Alexa. A voz também é empregada como elemento complementar de registro de manifestação de vontade de conteúdo, como no Código Civil brasileiro, que determina, no caso de testamento público feito por cego, que esse deverá ser lido em voz alta duas vezes pelo tabelião (arts. 1.864 e 1.867).
No Brasil, o mercado de e-books e audiolivros também começa a se expandir, impulsionado pela associação de editoras a empresas de telecomunicação, permitindo a distribuição dos livros para grande público [3]. Não que necessariamente aumente o público leitor, mas há considerável aumento de oferta desses produtos.
Por último, a internet transformou cada pessoa em potencial emissor de conteúdo, e os podcasts constituem modelo de rápida análise e difusão de informações na sociedade, sendo incluídos em quase todos os sites de comunicação, consumidos por aparelhos de escuta.
O fato é que as novas tecnologias trazem como unidade de medida de leitura, além das páginas do livro, o tempo de consumo das obras. Pode parecer incômodo aos cubicularistas, mas é uma realidade do setor, que traz novos desafios e hábitos, e facilita a difusão do conhecimento. Os desafios jurídicos também surgem e se refletem, dentre outros, nas cláusulas de exclusividade, novas edições, compactação de obras, velocidade de narrativa e simulação de vozes criadas pela inteligência artificial. Realmente, o tempo também é de leitura!
[1] Revenue in the Audiobooks market worldwide is projected to reach US$7.93bn in 2024. This revenue is expected to show an annual growth rate (CAGR 2024-2029) of 10.44%, leading to a projected market volume of US$13.03bn by 2029. The global audiobook market is experiencing rapid growth, driven by increasing consumer demand for convenient and accessible storytelling across diverse genres. Here.
[2] Súmula Vinculante 57
A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.
[3] https://exame.com/negocios/skeelo-os-planos-da-maior-plataforma-de-livros-digitais-do-brasil-depois-de-faturar-r-100-milhoes/
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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