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Papel, tela, fone de ouvido
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 19/07/2018
Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida fala dos direitos decorrentes do novo hábito de se ouvir um livro

A análise dos suportes de leitura nos últimos 500 anos pode ser sintetizada no título deste artigo. O papel recebeu a tinta permanente dos textos, desde Gutemberg – não falo da milenar transmissão oral do conhecimento, nem dos singulares manuscritos em pergaminho, mas dos livros impressos em tiragens – mas recentemente uma geração, que pode ser chamada de screenager, fixou seus olhos na tela de leitores de textos, tablets e smartphones, e agora os fones de ouvido sem fio do IPhone 7 surgem como “longa auris” de uma geração.

Esse novo e crescente prolongamento auricular gerou reportagens na Copa do Mundo, já que os jogadores desciam dos ônibus e aviões com os cabinhos brancos - esses bisnetos do walkman - aparecendo nas orelhas. Em outros casos os fones de ouvido com a marca aparente geraram conflitos por conta da exclusividade de publicidade nos estádios.

Pesquisa feita no Google, enquanto escrevia esse artigo, na noite do último dia 17, com a expressão "listen to the book" apontou, em 0,62 segundo, mais de 72 milhões de resultados; já a pesquisa com a expressão "ouça o livro" gerou 365 mil resultados em 0,48 segundo. Ou seja, cresce muito o número de audiobooks, sinal forte de que a saudável invasão do método de escuta de livros já está no páreo da transmissão de conhecimento, habitualmente feita pela leitura de livros.

Destaco o lançamento no Brasil da Ubook que tem a lista dos “mais ouvidos”, num site que aparenta facilidade, com catálogo de 100 mil títulos. Uma experiência a conferir.

O lançamento do assistente virtual Alexa, da Amazon – que já tem vários concorrentes, na mesma linha - um aparelho comandado pela voz, que faz tudo o que você faria teclando no computador, como comprar uma passagem área, determinar que uma música seja executada, pedir uma pizza, ou ditar um texto, introduz a vocalização dos comandos, a predominância da fala e da escuta sobre a escrita. A fala e a audição começam a emparelhar com a visão e o tato – até em termos de acessibilidade é um fator relevante – pois os sistemas de inteligência artificial e algoritmos combinados permitem respostas adequadas a perguntas nem sempre óbvias, em atendimentos feitos por máquinas.

Desde logo digo que odeio propaganda telefônica e intromissão na minha vida. Mas talvez me agrade receber uma amostra de queijo de cabra, em casa, enviada pelo computador que detectou esse meu hábito na lista de compras, através do meu CPF entregue para o big brother do supermercado. Ou receber e-mail com trailer do próximo filme de Brian de Palma. Saí um pouco do assunto para falar da segmentação da propaganda em decorrência da identificação dos meus hábitos de consumo registrados em lojas e sites que frequento, e da nova tendência da “degustação” de produtos encaminhados sob medida para quem compra habitualmente determinadas mercadorias.

Mas volto ao script, ou ao discurso, para dizer que a nova geração de reconhecimento não se restringe ao nome e o telefone dos meus contatos impressos na tela. A minha voz, reconhecida pelo meu smartphone, liga – já ia falar “disca” - para o telefone 11-3816-1270 quando peço para ligar para o PublishNews.

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei 13.146/2015) tem um artigo, o 68, que exige das editoras concorrentes ao sistema de fornecimento de livros para órgãos públicos o uso de mecanismos de conversão de texto em voz.

Já falei sobre a mudança de sentidos na leitura em coluna anterior. Esse fenômeno se intensificou de forma inacreditável em meses, como todo hábito novo, isto num período caracterizado pela crescente aceleração do tempo histórico. Os resultados das pesquisas do Google reproduzidos acima indicam que a audição de livros acaba sendo mais fácil por vários motivos; o primeiro deles não andar lendo smartphones na rua e tropeçando em coisas e pessoas. Além do mais, há o benefício da concentração decorrente do isolamento que a transmissão da leitura pelo fone produz, vantagem sobre os efeitos de olhos grudados na tela durante horas a fio, ao longo de anos, que poderão ser medidos por consequências negativas em estatísticas a serem publicados por oftalmologistas num futuro próximo.

Outras consequências. Voz metálica artificial, ou de artista famoso? Recriar voz? Indício da audição na crista da onda está no discurso que nunca foi proferido por John Kennedy. A companhia CereProc registrou 831 discursos proferidos por Kennedy e a máquina “leu”, com entonação, durante 20 minutos, as 2.590 palavras do discurso que estava escrito para ser lido na noite do fatídico 22 de novembro de 1963. Ouça o resultado.

Fato curioso é que podemos tocar nas colunas do Foro romano; sentir o cheiro do perfume utilizado por Cleópatra, através da recriação de sua fórmula; provar os pratos das receitas de Brillat Savarin, e apreciar visualmente a Mona Lisa; ou seja, tato, olfato, gosto e visão podem ser reproduzidos. No entanto, somente após a invenção do fonógrafo podemos ter o registro sonoro das vozes. Até o advento da eletricidade e de Edison os registros sonoros não podiam ser feitos e não sabemos como era a voz de Napoleão, Leonardo da Vinci ou Tiradentes.

Uma nova onda vai surgir. Locução de livros por voz feminina ou masculina? Luiz Jatobá, Paulo Cesar Pereio, Cid Moreira, Iris Letieri; quais serão as vozes que nos agradam? Lembro que recentemente uma companhia aérea utilizou a voz de atriz em momento de fama e presença assídua na TV, por sua aparição em novela de sucesso, para transmitir as instruções de segurança em voo, o que realmente chamou a atenção do público, pela familiaridade com aquela voz, na época visitante domiciliar noturna, por força de aparição em novela.

Os direitos decorrentes desse novo hábito são vários e convém ler que a Constituição, em seus direitos fundamentais, no art. 5º, estabelece, no inciso XXVIII, a proteção sobre a voz. Escute:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;


Portanto, os contratos de e-books podem ter novo componente, o de licença de uso de voz de locutor. No campo das infrações, a reprodução de uma voz imitando o timbre de alguém famoso pode ser uma ofensa ao direito de personalidade, só que em vez de cópia de imagem teremos cópia fraudada de voz, o que pode gerar direito a indenização.

O assunto gera vários desdobramentos, servindo o presente artigo para chamar a atenção para o novo fenômeno, e como vai se operar na sociedade essa mudança de hábitos. Vai ter muita gente de orelha quente; ouvintes e escritores, e muita gente de orelha em pé; advogados e editores.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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