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Bye-bye, miss american pie
PublishNews, 01/04/2015
Será leiloado o manuscrito da letra de 'American Pie', mas qual a relevância dessa notícia para uma coluna de direito e mercado editorial?

No próximo dia 7, será leiloado o manuscrito contendo a letra da canção American Pie, de Don Mclean, um dos ícones musicais contemporâneos, o que acontecerá na filial de Nova York da renomada e bicentenária casa de leilões Christie´s.

Além do rebuliço que a venda vem causando, estima-se que o preço de arrematação (o chamado hammer price, do bater do martelo) atinja US$ 1,5 milhão. A letra é repleta de citações de ícones pop contemporâneos e a canção foi interpretada e regravada recentemente por Madonna, dentre outros artistas. E qual a relevância dessa notícia para uma coluna de direito e mercado editorial? De início, o fato de se leiloar manuscrito contemporâneo, objeto não muito comum em época de pendrives, digitalização, nuvens, etc., na qual a escrita do próprio punho vai, literalmente, escorrendo pelas mãos, se liquefazendo e volatilizando.

Além disso, duas pequenas lições de direito autoral. A primeira consistente na diferença entre corpus mechanicum e corpus mysthicum. Expressões latinas, antiquíssimas, aparentemente complicadas, mas belíssimas. A primeira o suporte físico, a corporificação da obra, sua representação material; o manuscrito. A outra, a alma da obra, o permanente, a sua essência. Portanto, será alienado “apenas” o manuscrito, o documento de criação da canção, primeiro registro físico da emoção e do ingegno do compositor. No entanto, os direitos sobre essa composição musical não se restringem àquele papel; eles já foram alienados e se reproduzem em licenças, permissões, concessões e cessões, através das quais o autor transfere, total ou parcialmente, com limitações de tempo, lugar e forma de uso, as faculdades de uso da composição. Novas interpretações, trilha sonora de obra audiovisual, eventualmente uso em publicidade, são várias as formas de nova corporificação de American Pie. A autoria nunca será alterada (é um direito moral do autor); quem compôs foi Don McLean e seu nome está indissociavelmente ligado àquela “torta”, mas a titularidade dos direitos patrimoniais pode ser transferida sem restrições. Em tempos de digitalização de tudo, impressiona a atenção dada a um manuscrito, sinal de que se se concentrarem todas as atenções na obra digitalizada, um dia não se vai lembrar do original, que no fundo faz parte da nossa história.

Outro ponto – e consultei a Christie´s a respeito – reside no fato de ser a primeira alienação do manuscrito, não estando, portanto, sujeita ao direito de sequência (droit de suite, ou resale right), consubstanciado no ganho atribuído ao autor pelas alienações sucessivas de (geralmente) obras de arte, mas também de manuscritos. Assim, resguardados detalhes da legislação internacional, na próxima venda do manuscrito, Don McLean terá o direito de receber mais alguns dólares.

Relembrando o conceito de direito de sequência, este pode ser definido como um direito inalienável e irrenunciável a receber uma participação sobre o preço obtido pela venda de obra de arte, após a sua alienação inicial pelo autor.

O direito de sequência vem sendo discutido de maneira discreta, mas intensa, no mundo inteiro, e o mercado se questiona sobre a sua longa duração, que é a mesma da queda da obra em domínio público, geralmente de 70 anos após a morte do autor. Pela aceleração do tempo histórico, talvez 35 anos fosse um período mais razoável. Prossegue a discussão, mas o manuscrito....

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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