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Notícias d'Além Mar: Entraves à comercialização e à circulação do livro brasileiro em mercados externos
PublishNews, Jaime Mendes, 09/04/2024
Ao apresentar um panorama da publicação de livros em países de língua portuguesa, Jaime Mendes comenta sobre fronteiras encontradas na circulação dos livros

Após a época pioneira de Johannes Block (atividade entre 1956 e 1981) e de dona Karin Schindler (atividade entre 1981 e 2015), mas que representavam quase que exclusivamente autoras e autores estrangeiros no Brasil, ao longo desse período, surgiram muitas agências literárias no Brasil, e continuam surgindo, para cuidar de direitos autorais, de permissão para impressão e circulação de livros e representar e orientar suas escritoras e escritores.

Além do trabalho no mercado interno, também fazem a ponte entre o Brasil e outros mercados externos, propiciando condições para a circulação do livro brasileiro. Essa já significativa quantidade de agências literárias, das maiores e já consagradas, até às que surgiram há pouco tempo acabam, como é óbvio, concorrendo entre si, o que é bom para quem escreve e para a profissionalização do mercado, pois há a opção de escolha.

Cada agência literária é um negócio e, portanto, precisa dar certo. Mesmo sediadas no Brasil, devem ter uma visão e atuação global. Mas, para fins deste artigo, vamos restringir a atuação global aos países que fazem parte da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e que é constituída por:

Feira do livro de Lisboa 2023
Feira do livro de Lisboa 2023
Angola (33 milhões de habitantes)
Brasil (213 milhões de habitantes)
Cabo Verde (560 mil habitantes)
Guiné-Bissau (2 milhões de habitantes)
Guiné Equatorial 1,4 milhões de habitantes)
Portugal (10 milhões de habitantes)
Moçambique (31 milhões de habitantes)
São Tomé e Príncipe (220 mil habitantes)
Timor-Leste (1,3 milhões de habitantes)

Se fez a conta de somar, são cerca de 293 milhões de pessoas que se utilizam da língua portuguesa no seu dia a dia, o que a torna a sexta língua mais falada no mundo.

Voltando às agências literárias e pensando no negócio de cada uma, e nos mercados de língua portuguesa que podem atingir (são nove), entende-se porque os contratos são cada vez mais restritos e específicos quanto à comercialização por território. Afinal, se existe a possibilidade de vender direitos para nove países de língua portuguesa, à primeira vista não faz nenhum sentido vender os direitos de publicação e comercialização, de forma exclusiva, para uma única editora de língua portuguesa.

Entretanto, entre o desejo e a realidade, podem existir imensos oceanos de impossibilidades. Depois do Brasil, pela população, os maiores mercados seriam Angola (33 milhões de habitantes), Moçambique (31 milhões de habitantes) e Portugal (10 milhões de habitantes). Mas, quantos títulos são publicados por ano nesses países? O número de habitantes tem alguma relação direta com os números de publicação?

Em Portugal a agência do ISBN está a cargo da APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. No Brasil é a CBL quem exerce essa função. Pelos dados divulgados pela APEL para o ano de 2021, em Portugal, foram atribuídos 13.286 números de ISBN a livros físicos. Os outros países de língua oficial portuguesa (exceto Brasil) têm um mercado do livro tão pequeno, que nem agência oficial de ISBN têm. Assim, a APEL também funciona como agência do ISBN para os países da PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, além de Timor-Leste. A quantidade de ISBN atribuídos (de forma gratuita) para esses países foi a seguinte:

780 para Angola
91 para Cabo Verde
4 para Guiné-Bissau
315 para Moçambique
3 para São Tomé e Príncipe
26 para Timor-Leste

Total de 1.219 ISBN.

Feira do livro de Lisboa 2023 com livros de 80 editoras do Brasil
Feira do livro de Lisboa 2023 com livros de 80 editoras do Brasil
Portanto, fica claro que existem, na prática, dois mercados para livros em língua portuguesa: Brasil e Portugal.

Para evitar trazer livros que já estão publicados em Portugal, foi feito aqui na Saudade um levantamento, que é atualizando constantemente, para identificar e saber quantos e quem são as autoras e autores brasileiros publicados por cá. Neste momento o número está em 220 (duzentos e vinte), incluindo também quem já está em domínio público. Mesmo que não tenham sido identificadas algumas autorias neste levantamento, na minha avaliação, é um número ínfimo!

Há três anos que a Saudade Distribuidora importa livros do Brasil e os distribui por Portugal, outros países da Europa e países da PALOP. Assim, além da compra e venda, a Saudade acaba colaborando também com a divulgação do livro brasileiro no exterior. O melhor exemplo prático que posso dar, é com relação aos livros da Aline Bei. A Saudade, entre 2021 e 2023, vendeu umas poucas centenas de exemplares dos livros O peso do pássaro morto e A pequena coreografia do adeus. É claro que os editores daqui não têm acesso aos números de venda da Saudade. Não sei se sabem, mas Portugal é do tamanho do estado de Pernambuco e tem a mesma população de cerca de 10 milhões de habitantes. Logo, não é difícil terem destaque, nas mídias sociais, os comentários das leitoras e leitores sobre os livros da Aline Bei. Editoras e editores conectados às redes conseguem perceber esses movimentos em torno dos livros da autora e, muito provavelmente, isso os ajudou a decidir pela publicação. Neste caso a editora portuguesa foi a Infinito Particular.

Toda mercadoria que tem seu acesso dificultado, seja por disponibilidade, por preço ou por restrição/proibição, é, desde sempre, passível de contrabando e pirataria. Em 2023, durante a Feira do Livro de Lisboa, ouvi de uma cliente a seguinte frase: “ah, que bom que vocês têm este livro aqui. Eu tenho o PDF”. Eu tenho o PDF traduz-se por: tenho uma cópia pirata. Na pirataria todos, exceto um, perdem. Neste caso, felizmente, a cliente comprou o livro.

Feira do livro do Porto em 2023
Feira do livro do Porto em 2023
Enquanto não existir a venda de um exemplar (excetuando-se o pagamento adiantado de direitos autorais), não se desencadeia todo o processo de ganho na cadeia “stricto sensu” do livro: autor+agência literária+editora+distribuidora+livraria.

A existência de uma norma restritiva à comercialização e circulação, para o caso do livro, só faz sentido se for para proteger direitos e, assim, evitar que alguém seja prejudicado.

No caso de um livro de autoria brasileira, que tem os direitos de publicação e comercialização somente para o Brasil, mas que ainda não foi publicado em nenhum dos outros países de língua portuguesa, quem seria prejudicado se exemplares da edição brasileira fossem vendidos no exterior? No meu modo de ver, ninguém. Quando a Saudade compra o livro no Brasil, ganha a editora, ganha quem escreveu o livro com o percentual de direito autoral, e ganha a agência literária. Em Portugal ganham a Saudade, a livraria e a leitora e o leitor, sem falar na importância de permitir que as ideias, as culturas e as diversas visões de mundo circulem.

Quando faço pedidos de compra, muitas editoras informam que determinados títulos de autoria brasileira não podem vir, pois têm os direitos de comercialização somente para o Brasil. As editoras só podem ter este controle com quem compra direto delas, e que, portanto, está claramente identificado que fará uma compra para mercado externo. Existem inúmeras livrarias que vendem livros brasileiros em vários países da Europa e não os compram diretamente das editoras no Brasil. Portanto, têm em seus stocks títulos que não poderiam ser exportados. Além disso, existem algumas dezenas de vendedores do Brasil com atuação nos marketplaces em Portugal e em outros países da Europa, principalmente nas Amazon, que disponibilizam quase que a totalidade dos catálogos das editoras brasileiras e com preços elevadíssimos. Portanto, centenas e centenas de títulos que não poderiam vir, estão disponíveis. Menciono estes exemplos para mostrar que, em tempos de internet, é impossível impor fronteiras físicas à circulação dos livros.

Assim, sugiro que autoras, autores, agências literárias e editoras revejam as restrições à comercialização por território. Olhem para seus catálogos e identifiquem quantos títulos, que estão restritos ao Brasil, ainda não estão publicados em outros países de língua portuguesa. E porque será?

Ter uma cláusula nos contratos que estipule que, enquanto os direitos não forem vendidos para outros países de língua portuguesa, esses livros podem ser comercializados, a partir do Brasil, em mercados externos, só vai ajudar toda a cadeia. Cercear a circulação de livros por territórios onde não está publicado, também não é, na prática, uma forma de censura, mesmo não sendo essa a intenção?

#emdefesadoslivros

Desde janeiro de 2020 Jaime Mendes reside em Portugal e é um dos sócios fundadores da Saudade Livraria e Distribuidora, empresa com operações no Brasil e em Portugal. A Saudade tem por objetivo conectar os países de língua portuguesa e ser o elo entre leitores, escritores, livrarias e editoras desta comunidade lusófona, facilitando a circulação de livros e diferentes ideias, culturas e visões de mundo.

Trabalha com livros desde 1981 quando, ao entrar para a faculdade de História no IFCS/UFRJ, foi um dos responsáveis pela cooperativa dos estudantes. Em 1986, já formado e com o fim da cooperativa funda, com mais quatro amigos, a Livraria Bruzundangas no próprio IFCS. Sai da sociedade em 1988 ao ser contratado pelo Arquivo Nacional | MJ. Em 1992 foi um dos sócios-fundadores da Contra Capa Livraria em Copacabana. Em 1995 pediu exoneração do emprego público para se dedicar exclusivamente à livraria, que abriu a segunda loja em 1998, no Leblon. Jaime deixa a sociedade, por opção pessoal, em setembro de 1999. Em outubro desse mesmo ano entrou na editora Zahar, onde trabalhou por quase 12 anos, na função de gerente comercial. Entre maio de 2011 e novembro de 2012 trabalhou na editora Cosac Naify em São Paulo, onde exerceu a função de diretor comercial. De janeiro de 2013 a dezembro de 2019 exerceu as funções de diretor comercial no GEN | Grupo Editorial Nacional, holding fundada em 2007, e que é líder no segmento de publicações e conteúdos CTP (científico, técnico e profissional) no Brasil.

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