Dois dedos de prosa com Karin Schindler
PublishNews, Leonardo Neto, 15/06/2015
Testemunha da profissionalização do mercado brasileiro, a agente recebeu o PublishNews para um papo

“O melhor da aposentadoria é não ter que pular da cama logo cedo”. É com essas palavras que Karin Schindler, a pioneira agente literária que anunciou recentemente a sua aposentadoria, recebeu a equipe do PublishNews em sua casa para um papo. Aos 84 – 60 deles vividos no Brasil e mais de 40 dedicados ao livro – Dona Karin aposentada em nada lembra a enérgica e durona negociadora de direitos autorais que se fez conhecer no mercado brasileiro. Conta ao PublishNews que sua grande missão agora é colocar ordem às coisas em sua casa. “Moro nesta casa há muitos anos. Tem muitas histórias aqui dentro e junto com as muitas histórias há também muitas coisas. Quero, aos poucos, colocar isso em ordem”, revela a ex-agente literária. Entre essas coisas, estão desde livros trazido com os pais da Alemanha, de onde fugiram na Segunda Guerra Mundial, até as traquitanas do tempo em que seu filho fazia parte de um grupo escoteiro.

Dona Karin chegou no Brasil em 1955 e a sua entrada no mundo literário se deu por acaso. Ela conta que uma amiga a telefonou pedindo indicação de alguma secretária trilíngue (alemão, inglês e português) e ela disse “sim, eu conheço”. Assim, começou a trabalhar com o Johannes Bloch, o primeiro agente literário que o Brasil teve. Dr. Bloch, como dona Karin o chama, também chegou ao Brasil fugido da guerra. Na Alemanha, seus pais eram proprietários de uma editora especializada em textos teatrais. Exilado no Brasil, começou a representar oito editoras britânicas. “Ele trabalhava atravessando o Brasil de ponta a ponta com malas cheias de capas e catálogos. Era um trabalho fisicamente exaustivo”, lembra dona Karin.

Até que um dia, o livreiro Jorge Zahar decidiu montar uma editora (a Zahar) e recorreu ao amigo Bloch para que ele conseguisse os direitos de alguns livros que eram representados no Brasil pelo alemão. “E foi assim, na contramão, que nasceu a agência. Por que agências literárias normalmente acontecem com algum autor que você representa e tenta colocar a sua obra em alguma editora. Aqui não. Aqui, [doutor Bloch] encontrou o livro já publicado que veio para cá para [o departamento de] direitos e tradução”, lembra a ex-agente literária.

A conversa aconteceu dias antes da decisão histórica do Supremo Tribunal Federal de tornar inexigível a autorização prévia de biografados. Mas dona Karin não deixou de dar a sua opinião sobre o tema polêmico. Ao ser perguntada se não pensava em deixar suas memórias registradas em livro, revelou ao PublishNews que pensa nisso e que já foi sondada por duas editoras, mas, o projeto, por enquanto, está engavetado. “E, dentre os biógrafos que existem no mercado brasileiro, há algum a quem a senhora entregaria a sua história?”. Dona Karin foi categórica ao dizer que a história é dela e que, biógrafo nenhum, por melhor que seja, conseguiria transpor as suas emoções para o papel. “Como alguma outra pessoa vai expressar a dor que senti quando era apedrejada por outras crianças pelas ruas de Berlin? Ou como vão saber como é se sentar com meu neto em um restaurante e ele me contar coisas que não conta nem à sua mãe? Só eu poderia escrever sobre isso”, diz emocionada.

O passado e o presente da Agência Schindler

Os primeiros anos na Agência Bloch, dona Karin atuou como secretária trilíngue. Acometido por uma doença, Bloch teve que se ausentar do dia-a-dia da agência e Karin, nessa altura do campeonato com 45 anos, assumiu o negócio. Dona Karin então fez as malas e foi até Londres falar com as 36 editoras representadas no Brasil pela Agência Bloch. De todas elas, apenas uma disse que não continuaria sendo atendida por Karin. “Costumo dizer que me jogaram no fundo da piscina e eu tive que aprender a nadar”, ilustra. Com a morte de Bloch, em 1981, dona Karin criou a sua própria agência que tocou até o início de abril de 2015.

A agência hoje é capitaneada por Suely Pedro, que pontuou que o papel do agente literário mudou muito nos últimos anos. “Hoje somos como antenas parabólicas. Conseguimos captar tendências e adiantar bons livros aos nossos clientes”, disse. Outra característica importante da agência criada por dona Karin é que não atende autores nacionais. “Não nasci para ser babá”, disse. Ela conta que a única exceção que abriu não foi lá muito agradável. “Uma noite, eu estava com amigos em casa, jogando uma partida de bridge, quando o telefone toca e esse autor querendo saber por que o livro dele não estava exposto em uma livraria da rua Itapetininga”, lembra dona Karin. Foi a gota d´água para tomar a decisão de nunca mais representar um autor nacional.

A dor de voltar à Alemanha

Apesar de Frankfurt sediar a maior e mais importante feira do livro do mundo, a cidade só foi visitada por dona Karin por duas vezes, desde que deixou o seu país natal. Ela conta que a primeira vez que foi à feira de Frankfurt, nos anos 1980, saindo do aeroporto, avistou uma placa que indicava um lugar que tem o mesmo nome do campo de concentração onde seu pai ficou preso nos arredores de Berlin. “A minha vontade era pedir para que o motorista desse meia volta e me levasse de volta para o aeroporto”, lembra. Depois disso, voltou a feira mais uma vez e percebeu que o mal-estar persistia. Assim, nunca mais voltou. “Era curioso ver como as coisas funcionavam em Frankfurt naquela época. Os leilões aconteciam nos corredores da feira. Hoje não precisa mais. Você faz seus lances pela internet”, relembra.

Livro digital

“Eu ainda preciso sentir o papel, o cheiro da tinta”, foi o que dona Karin respondeu ao ser perguntada se já tinha tido a experiência de ler um livro digital. “É um caminho sem volta, mas não é para mim”, decretou. Fora do dia-a-dia da agência, mas ainda se preocupa em como lidar com novos contratos de direitos autorais nessa era digital. “Isso agora é assunto para a Suely, mas sei que precisamos achar novos caminhos para novas situações”, disse. Suely concorda com dona Karin e diz que contratos com bibliotecas digitais, por exemplo, ainda é um assunto sem uma solução fechada. “Temos que estudar melhor esses casos”, observa.

A conversa com dona Karin foi acompanhada pelo nosso colunista Pedro Almeida e registrada pelas lentes da PublishNews TV, operadas pelo repórter André Argolo. Para conferir os bastidores da conversa, clique aqui.

[15/06/2015 00:00:00]