Três Perguntas do PN para Jorge Ialanji Filholini, autor de 'Muqueta'
PublishNews, Guilherme Sobota, 08/08/2023
Escritor, jornalista e produtor cultural inaugurou com o livro o selo EditoRia

Escritor, jornalista, curador e produtor: essas são algumas das atividades de Jorge Ialanji Filholini, autor do recente Muqueta – livro de contos que inaugurou o selo EditoRia, da Ria Livraria (Rua Marinho Falcão, 58 - Sumarezinho, São Paulo / SP). O espaço, fundado por Marcos Benuthe, vem cada vez mais se fixando no lugar da Mercearia São Pedro, também na Vila Madalena, como bar e livraria e ponto de encontro de escritores na zona oeste da cidade.

Filholini foi finalista do Prêmio Jabuti em 2017 com Somos mais limpos pela manhã (selo Demônio Negro) e também é autor de Somente nos cinemas (2019, Ateliê Editorial). Nesta entrevista, ele conta sobre as inspirações para o seu terceiro livro, detalha a origem do EditoRia e avalia o atual cenário de eventos literários no país, defendendo e exaltando modelos híbridos e alternativos.

Sobre esses assuntos, Jorge Ialanji Filholini respondeu a três perguntas do PN.

PublishNews – Como a experiência do isolamento social imposta pela pandemia influenciou a escrita e os temas de 'Muqueta'?

Jorge – Eu gosto de uma definição feita pela autora Maria Valéria Rezende, ela diz que existem dois tipos de escrita: a escrita de janela e a escrita de espelho. Com meus dois primeiros livros – Somos mais limpos pela manhã e Somente nos cinemas – eu escrevi olhando pela janela, uma observação sobre a rotina urbana e as relações das pessoas com o cotidiano. Gostava muito de escutar a cidade. Colocar os ouvidos em prática nos bares, praças, avenidas, vagões de metrô, um modo de construir a história por meio das relações humanas e a cidade.

Com o advento da pandemia, fiquei dois anos dentro de meu apartamento, perdendo todo o acesso ao ambiente que me inspirou a criar narrativas e assuntos para um futuro livro. Foi nessa situação que olhei para dentro de mim, por meio do espelho, a imaginação forneceu personagens que viveram comigo no isolamento. Eles me faziam companhia, almoçavam e dormiam juntos. Daí percebi que esses personagens queriam falar, participar de algo na minha escrita, colocando para fora seus anseios, temperamentos, opiniões, diálogos. Dei mais atenção ao que me confidenciaram e, assim, foram surgindo novas histórias, mais introspectivas e reflexivas.

Com Muqueta eu quis ser mais pessoal com os temas e as histórias. Algo meditativo em torno do preocupante contexto, da solidão imposta, da loucura, da falta de memória, da compaixão, de um futuro incerto. Meu apartamento se tornou a minha praça, bar e estação de metrô.

– O livro inaugura também o selo independente EditoRia, ligado à Livraria Ria, em São Paulo. Como surgiu a ideia de fazer esse novo selo, como será feita a curadoria dele e quais são os planos para o futuro?

Já tinha a vontade de publicar o livro Muqueta de forma independente, sem editoras, como edição do autor. Quem muito me influenciou para essa escolha foram a Marilene Felinto e o Ferréz, que já fizeram esse trabalho de publicação independente em suas trajetórias literárias. Eu admiro muito essa atitude dos dois.

O escritor quer ser lido. Eu também quero ser lido. Então, uma forma para que isso acontecesse era fazer minha própria edição e colocar a um preço acessível, fugindo dos preços altos do mercado. Minha causa com Muqueta sempre foi a de fornecer a um valor popular, de no máximo R$ 30.

Marcos Benuthe, o Marquinhos, proprietário da Ria, já tinha um desejo de transformar a livraria em uma editora independente, criando um selo que pudesse publicar jovens autores, assim como fornecer um valor mais em conta na hora da venda. Sendo um querido amigo e parceiro de longa data, além de saber que eu ia lançar um novo livro, ele decidiu me chamar para inaugurar a EditoRia, e publicar o Muqueta, aceitando os meus critérios: de forma independente e a preço acessível. A partir desse convite do Marquinhos, eu pude trabalhar na produção editorial do livro, indo na contramão dos preços exorbitantes das obras do mercado, tornando concreta a publicação da obra, que teve o seu lançamento em junho a um preço de R$ 15 por exemplar.

Eu e o Marquinhos estamos em conversação em torno do futuro do selo, temos algumas ideias que queremos colocar em prática ainda neste ano, possibilitando a construção de um catálogo bacana para a EditoRia.

– Você também atua como curador, produtor e divulgador de eventos literários. Agora que já estamos no segundo semestre de 2023, qual a sua percepção sobre esse cenário – o das feiras e festas literárias – no Brasil atual?

Olha, eu sempre fui apoiador do formato híbrido para festivais e feiras. Acredito que se os festivais fornecerem uma programação onde o presencial e o virtual circulam juntos é de uma transformação excepcional.

Existem ótimas ideias e temas que os curadores elaboram, mas que ficam restritos apenas a uma camada da sociedade e espaço físico. Com a possibilidade do virtual, as pessoas poderão participar e acompanhar diversos trabalhos que envolvam a cultura. E falo de festivais e feiras independentes, apresentando novos autores e artistas que queiram mostrar os seus trabalhos para além dos seus pares. O bom curador precisa ampliar suas referências culturais. Não ficar focado em apenas duas ou três editoras do país e os autores de seus catálogos. Há tanta gente espetacular escrevendo atualmente, longe das grandes editoras. Esses autores gostariam de ser escutados e lidos por um público maior.

Aliás, já é uma realidade, é só verificar os festivais e as feiras que são montadas de forma independente. Alguns exemplos são: o trabalho da editora Borboleta Azul marcando presença em feiras e criando encontros literários, Selo Auroras – desenvolvido pela autora Dani Costa Russo e pela Editora Penalux – que publica e apresenta escritoras de todas as partes do país, as livrarias como a própria Ria em fornecerem o espaço para a realização de ocupações culturais e reuniões de novos autores para a elaboração de eventos, o trabalho da Editora Gráfica Heliópolis que tomou a iniciativa de publicar e distribuir as obras dos autores moradores do bairro, os saraus – que são muitos, ainda bem – onde as programações apresentam e compartilham os trabalhos literários dos artistas que fazem parte do grupo. Esse movimento é visto durante o ano todo, marcando a identidade e pluralidade dos eventos no país.

[08/08/2023 08:40:00]