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Inteligência artificial e contratos de edição
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 27/02/2023
Em seu artigo, Gustavo Martins traz novos aspectos que envolvem o uso da inteligência artificial e esclarece dúvidas sobre a autoria das obras

No último artigo publicado aqui no PN, de 27/01/2023, apontei alguns aspectos de inteligência artificial, para surpresa de muitos leitores, já que o tema, até então, ainda não tinha aparecido com destaque nos jornais, como foi nas edições do Globo, Folha e Estadão de 30 de janeiro, domingo.

Salientei que era apenas o começo e que o tempo estava ausente da equação, dada a rapidez com que os ciclos – históricos, econômicos e sociais – se sucedem. Não demorou e já começam a surgir as situações de dúvida, derivadas da nova tecnologia. A autoria das obras.

A premissa da autoria, que decorre do art. 11 da Lei 9.610/98 (LDA), reguladora do direito autoral brasileiro (“Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.”), tem raiz na Constituição Federal do Brasil que dispõe, no art. 5º, inc. XXVII “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.

Portanto, segundo a lei, autor é quem cria a obra, e essa condição lhe permite, com exclusividade, utilizar, publicar ou reproduzir a sua criação. Em exemplos simplificados, o autor pode interpretar sua composição, o escritor publicar seu livro, o pintor autorizar a reprodução de seus quadros.

E aqui entra a inteligência artificial. O padrão adotado nos contratos de edição de livros é a declaração do autor de que ele é o criador da obra submetida a editora, se responsabiliza por essa afirmação, e nessa condição transfere temporariamente os direitos de sua publicação, que não são só direitos, mas também deveres de divulgação, pagamento de remuneração, etc.

Doravante, deverá ser acrescentado aos contratos que o autor declara não ter se utilizado da inteligência artificial para criar seu texto. Mencionei, no artigo de 27.01, que uma pessoa, após inserir tópicos num desses programas de IA, teve um livro inteiro elaborado pelo software, que depois foi publicado.

O mesmo deve acontecer com imagens. Principalmente pelo fato de a LDA exigir identificação do autor e fidelidade na reprodução de fotografias:

“Art. 79. O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda, observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas protegidas.

§ 1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o nome do seu autor.

§ 2º É vedada a reprodução de obra fotográfica que não esteja em absoluta consonância com o original, salvo prévia autorização do autor.”

Então o autor das imagens fotográficas deve explicitar no contrato de edição de sua obra, assim como o pintor e o escultor (computadores já pintam e esculpem), que a autoria dos trabalhos a serem publicados é sua, com ou sem interferência, ou auxílio, da inteligência artificial. Não se sabe o que a lei respectiva, cujos projetos tramitam atualmente no Congresso, definirá sobre autoria de obras pela IA.

E o consumidor deve ser informado sobre o produto que é ofertado ao mercado, como diz o art. 6º da lei 8.078 (Código do Consumidor) “ Art. 6º São direitos básicos do consumidor:.... III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Dessa forma, as editoras devem informar acerca da autoria da obra, principalmente em livros técnicos e didáticos, pois são fornecedoras, responsáveis pelo produtor posto em mercado.

O genial fotógrafo Pedro Garcia de Moura, pseudônimo “Cartiê Bressão”, criou uma série de imagens sobre o Carnaval carioca, usando inteligência artificial, e explicitando esse fato com toda a clareza e transparência na sua página no Instagram. Conduta profissional adequada para um fornecedor de produtos.

Portanto, um fator novo, eventual coautoria relevante com a máquina, deve ser mencionado nos contratos de edição. Obviamente, refiro-me a participação decisiva, pois este artigo passou por programa de revisão ortográfica, que não pode ser considerado cotitular originário do texto.

Em tempos de inteligência artificial “polida”, as mutações tecnológicas se sucedem freneticamente. As editoras precisam ficar atentas para essas mudanças jurídicas, que estão só começando. Por enquanto, pela lei, autor é a pessoa física. Se funciona é obsoleto.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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