Estávamos em 2005 e eu trabalhava há três anos em um banco. Era meu segundo emprego e, aparentemente, seria o último, já que meus colegas logo iriam completar 30 anos de empresa. Bom salário, bons benefícios, um ambiente saudável: o único problema é que eu tinha certeza que não queria trabalhar ali, determinado a ser escritor, para desespero dos meus pais.
Havia conseguido rapidamente duas promoções: a primeira, para assessorar um gerente, que passava o dia ao telefone, era ótimo vendedor, porém não sabia sequer enviar um e-mail. Não estou exagerando: os conhecimentos de informática do meu chefe se limitavam a ligar um computador, e me cabia executar tudo que ele pensava. Um ano depois, com 22 anos, decidiram me promover novamente: era minha vez de fazer as negociações. Buscando parecer mais velho, decidi deixar a barba crescer e parar de usar os ternos do meu pai. Considerei ainda incorporar um prendedor de gravata, mas logo desisti.
Nunca trabalhei tanto quanto nessa época. Chegava cedo — na verdade, atrasado todos os dias —, do trabalho ia para a faculdade, depois de tudo ainda tentava escrever um romance, que terminei, mas felizmente nunca foi publicado. Eu tinha tanto sono que adotei uma série de técnicas para dormir alguns minutos a mais. A melhor delas era a seguinte: acordava, enfiava as roupas e corria para o trabalho. Gastava meros dez minutos entre levantar da cama e sair de casa. Então, chegando à agência, tomava o café da manhã, escovava os dentes, penteava o cabelo. O pessoal debochava, lembrava de um quadrinho do Calvin e Haroldo, no qual o personagem principal pede para a mãe pendurar o uniforme no corrimão da escada de casa, assim ele pode se vestir enquanto escorrega. Calvin diz: "Se o cereal estiver na porta, eu posso me levantar apenas 30 segundos antes do ônibus escolar chegar". Era a minha vida. E funcionava! Descobri também uma forma dormir um pouco quando o chefe ia almoçar, escondido em um cantinho, para recuperar as energias. Só assim conseguia cumprir o ritmo, dormindo muito tarde, acordando cedo, estudando.
Foi também nessa época que tive meus primeiros contatos com o mercado editorial. Um cliente era editor, outro era gráfico, e eu fazia questão de visitá-los mensalmente, encantado em descobrir os caminhos do livro. Perguntava sobre tudo: como os títulos eram escolhidos, como eram publicados, como eram impressos. Aprendia muito e buscava uma oportunidade para me dizer escritor, ansioso por publicar meu primeiro livro, porém nunca disse nada. Descobri ali que a consignação era um sofrimento e que ninguém queria se arriscar com literatura brasileira. Naquela época, bom mesmo era autoajuda.
A saga durou quatro anos e foi concluída com lágrimas de colegas e clientes — eu gosto de lembrar assim, mas acho que, de verdade, ninguém chorou. Conservei bons amigos e ótimas histórias, inclusive a da vez em que houve um assalto, sem vítimas, mas que contou com dois fatos inusitados: o primeiro, é que eu não percebi o que estava acontecendo até que tudo estivesse terminado (digamos que o chefe tinha saído para almoçar...). A segunda é que, pouco depois da saída dos assaltantes, percebeu-se que um deles havia esquecido a carteira, com os documentos, com dinheiro, com uma conta de luz!, o que possibilitou a polícia aparecer em sua casa menos de 15 minutos após a investida criminosa. Eu era bastante distraído na época, aqui e ali vivia perdendo celular, carteira, documentos de identificação. Famoso pela falta de cuidado, os parentes brincaram que eu devia ter algum parentesco com o meliante. E eu juro que não!
Não pensei mais naquilo até ser convidado para a inauguração da livraria Liberdade & Consciência, em São Bernardo. Claro que aceitei! Atualmente, aceito todos os convites! E qual não foi minha surpresa ao descobrir que o endereço era justamente o do banco onde eu havia trabalhado. No térreo, onde ficavam os caixas eletrônicos, agora está um café bem servido, com ótimas opções, inclusive um cappuccino que recomendo. O caixa fica no mesmo local onde antes estava instalada a porta giratória, testemunha de tantas e diárias discussões. A mesa do gerente, onde levei algumas broncas (ou feedbacks, como se dizia), foi retirada e no local se instalou um escorregador! E, no exato local onde eu trabalhava, bem onde ficava minha mesa, está a sessão infantojuvenil, onde está à venda meu primeiro livro publicado, O sorriso do Leão.
Para quem não acredita em destino, eis o meu argumento.
Leonardo Garzaro é escritor, editor e jornalista. Paulista, nascido em 1983, fundou diferentes editoras independentes e editou dezenas de livros. Seu primeiro romance, o infantojuvenil O sorriso do leão, teve os direitos vendidos para editoras de seis países, com traduções para o inglês, espanhol, turco e árabe. Alguns de seus contos foram publicados na premiada revista norte-americana Literal Latin Voices. É consultor de literatura brasileira das editoras Interzona, da Argentina; Arlequin Ediciones, do México; e Corredor Sur, do Equador. Lançou em 2022 O guardião de nomes, que foi elencado como um dos melhores romances de 2022 pelo Suplemento Literário Pernambuco.
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