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O terrorista na biblioteca
PublishNews, Henrique Rodrigues, 12/01/2023
Em nova coluna, Henrique Rodrigues reflete sobre a permanência de livros em meio ao caos

De todas as notícias absurdas que nos invadiram nos últimos dias sobre os atos ocorridos em Brasília, uma chamou minha atenção: a biblioteca do Senado permaneceu intacta diante da onda de vandalismo que assolou a capital federal.

Se monumentos, móveis, obras de arte e tudo o que estivesse no caminho foi destruído, eis que o local que abriga livros, bastante visível por conta das portas e paredes de vidro, sequer foi adentrado pelos bolsonaristas.

A biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho tem mais de 200 mil livros, além de coleções de jornais e obras raras. Um verdadeiro tesouro brasileiro.

Fundada em 1826, quando os índices de alfabetização no Brasil ainda eram baixíssimos, é uma das bibliotecas mais antigas do país. Funcionou em diferentes prédios no Rio de Janeiro até a transferência para Brasília na década de 1960. Atualmente, o espaço é tocado por 20 bibliotecários formados na área, como é a lei. Consta que, em 2019, último ano de funcionamento normal antes da pandemia, foram realizados quase 25 mil empréstimos.

Desde a sua criação até o último domingo, a biblioteca não deixou de representar a relação de brasileiros com livros nesses quase dois séculos. Na esteira da Constituição de 1824, a existência de um espaço de pesquisa para os legisladores já era questionada. Para o Visconde de Maricá, era uma “despesa enorme, desnecessária”, visto que cada parlamentar poderia muito bem usar os livros que tivesse em casa, num pensamento míope em termos de coletividade e acesso ao público. Mesmo instituída, atravessou do Império à República com um acervo pequeno e pouco frequentada pela população. Em 1979, foi ampliada pelo senador Luiz Viana Filho, que passou a ser patrono do espaço.

Ainda que funcionando, a biblioteca do Senado sofreu censura durante o período ditatorial. Livros considerados “subversivos” foram apreendidos, algo que tem se repetido nos últimos anos em todo o país.

A censura a livros se dá por medo e aversão às ideias contidas neles. Quando terroristas invadem espaços para depredá-los, faria todo o sentido que a biblioteca também fosse alvo. Longe de reclamar do fato de ela ter passado incólume aos ataques, o ponto é a curiosidade sobre o motivo.

Um pensamento mais otimista nos levaria a crer que, em meio à devastação do parlamento, os participantes tiveram algum impulso de preservar algo sagrado, educativo, que rememorasse seu período de aprendizado na escola.

Seria possível associar o fenômeno atual da bibliofobia aos participantes do ato: qualquer informação que não chegue pelos grupos de WhatsApp não teria validade. Cabe lembrar que livros, bem como todo produto cultural, têm sido associados a vagabundos nos últimos anos. Exceto a Bíblia, claro.

Nessa linha, pode-se concluir que, para os terroristas que foram a Brasília, livros são objetos tão desprezíveis que nem valeria a pena perder tempo com eles, nem que fossem para ser usados como papel higiênico pelo indivíduo que defecou em cima de uma mesa.

No discurso de posse, o presidente Lula declarou, nesses tempos nos quais o óbvio precisa ser dito claramente, que precisamos de mais livros e menos armas. Ao não ser profanada, a biblioteca do Senado, transparente e ilesa, talvez seja um dos símbolos dos novos tempos.

Henrique Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 1975. É formado em Letras pela Uerj, com especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestre e doutor em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ e coordenador pedagógico do programa Oi Kabum!. Trabalha na gestão de projetos literários no Sesc Nacional. É autor de 23 livros, entre poesia, infantis, juvenis e o romance O próximo da fila (Record), publicado também na França. Site do autor: www.henriquerodrigues.net

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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