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'Tembetá': o grito ancestral que ainda ecoa nas pedras de São Paulo
PublishNews, Vanessa Passos, 27/06/2025
Clóvis Wey, como um xamã das palavras, evoca fantasmas e futuros e nos faz pensar que talvez o que nos falta não seja progresso, mas escuta

Clóvis Wey, autor de 'Tembetá' | © Divulgação
Clóvis Wey, autor de 'Tembetá' | © Divulgação
É preciso ouvir o chão.

Em Tembetá (Confraria do Vento), Clóvis Wey nos convida a colocar o ouvido no concreto e escutar o que ainda pulsa sob as fundações da cidade que chamamos São Paulo. Eu, que moro nesta cidade há apenas dez anos, tive uma aula histórica sobre a fundação da cidade. O romance alterna tempos, mas não perde o fio da memória: do Piratininga indígena ao caos urbano, há um mesmo clamor por pertencimento, por luta, por voz.

Não é só o passado que habita essas páginas. É o tempo circular das cosmologias originárias. São os tambores que insistem, mesmo quando abafados. Wey escreve com precisão histórica, mas é no ritmo do sangue que sua narrativa vibra.

João Ramalho, Tibiriçá, Cunhambebe, o padre José. Homens que se enfrentaram, se aliaram, se traíram. Todos em cena, sob um céu que já foi mais vasto. A vila de São Paulo não é apenas cenário: é personagem viva, e sua fundação, como tudo que nasce da fricção, é feita de conflito, pólvora e resistência.

Como uma arqueologia da palavra, o autor cava camadas de tempo. E ao fazer isso, nos mostra que o passado nunca passou: ele se infiltra nos becos, nos nomes das ruas, no apagamento sistemático dos povos originários. Mas também nos sonhos de um mundo novo, ainda por nascer.

Em sua estrutura espelhada, Tembetá costura as vozes de ontem e de hoje. Os personagens, embora separados por séculos, compartilham um desejo comum: reconstruir o território, refundar o sentido, reexistir.

É um livro que não se lê apenas com os olhos, mas com o corpo. Com a pele que se lembra, mesmo quando a cabeça esquece. Clóvis Wey, como um xamã das palavras, evoca fantasmas e futuros. E nos faz pensar que talvez o que nos falta não seja progresso, mas escuta.

Escutar o que grita nos rios soterrados. Escutar o que canta na língua esquecida. Escutar o que ainda vibra no tembetá, esse adorno ancestral que é também símbolo de resistência, de fala, de identidade.

Um romance que não se contenta em contar a história: ele a reencarna.

Livro indicado:

Tembetá, de Clóvis Wey
Editora: Confraria do vento

Vanessa Passos é escritora, roteirista, professora de escrita criativa, doutora em Literatura (UFC) e pós-doutora em Escrita Criativa (PUCRS), sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. É idealizadora do Programa 321escreva, do Método Mais Vendidos e do Encontro Nacional de Escritoras. Lidera uma comunidade de escritoras que tem voz em mais de 9 países, orientando centenas de escritoras a escrever, publicar e divulgar seus livros. Autora do volume de contos A mulher mais amada do mundo (2020). Seu romance de estreia A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura (2021), do Prêmio Jacarandá (2022), do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura (2023) e vai ser adaptado para o cinema pela Modo Operante Produções, agora publicado pela José Olympio. É colunista do Jornal O POVO e do PublishNews. Nas redes sociais, a escritora pode ser encontrada no perfil: @vanessapassos.voz.

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