Publicidade
Publicidade
Diálogo entre literatura e dramaturgia: a potência cênica de 'Triste! Triste… Triste?'
PublishNews, Vanessa Passos, 28/11/2025
Peça escrita e dirigida por Nicolas Ahnert, com atuação visceral de Thalles Cabral, tem últimos dias em cartaz em São Paulo

Cartaz de 'Triste! Triste… Triste?', peça do Núcleo Experimental de Teatro | © Divulgação
Cartaz de 'Triste! Triste… Triste?', peça do Núcleo Experimental de Teatro | © Divulgação
Triste não é ao certo a palavra (Companhia das Letras), de Gabriel Abreu, é uma obra que pulsa para além de si mesma, que pede voz, gesto, presença. Não surpreende, portanto, que encontre agora um desdobramento tão potente quanto íntimo em Triste! Triste… Triste?, peça escrita e dirigida por Nicolas Ahnert, com atuação visceral de Thalles Cabral.

Ahnert compreende que adaptar não é transcrever, é traduzir vibrações. Sua dramaturgia se aproxima do livro por dentro, buscando o que nele não se nomeia com facilidade e o que está em potência: a dor que não cabe na linguagem, a palavra que falha, o sentido que se desfaz no instante em que tenta se afirmar. Em vez de explicitar, ele escolhe tensionar. Em vez de ilustrar, ele expõe o vazio, esse território movediço em que Gabriel Abreu constrói a experiência do indizível.

Thalles Cabral torna essa vibração matéria. Sua atuação é feita de nuances, hesitações, silêncios, pequenos gestos que se alargam diante do público. Ele não interpreta o texto, ele o atravessa. Fui assistir a peça com toda a família e, confesso, demorei para digerir o que vi, ouvi e senti, por isso a demora em escrever sobre.

A encenação aposta no mínimo, e é justamente nesse mínimo que reside sua força. A luz rarefeita, os poucos objetos, o palco passarela com uma estrutura com água dentro, tudo isso cria um espaço de suspensão, quase um terreno liminar, onde o público entra em contato com aquilo que escapa da linearidade e das certezas. Nicolas Ahnert depura o palco, assim como Abreu depura a linguagem, e dessa dupla depuração nasce um encontro profundo entre literatura e corpo.

A peça não pretende domesticar o livro, e essa recusa é uma de suas maiores virtudes. Como no texto original, a palavra “triste” não funciona como diagnóstico, nem como limite. Ela é abertura. É campo de tensão. É convite. Em cena, ela se torna movimento, ressonância, risco.

Ao final, Triste! Triste… Triste? devolve ao público uma experiência que ecoa Gabriel Abreu sem jamais tentar imitá-lo. A peça confirma que algumas obras, quando atravessam para outro meio, não se diluem, mas se amplificam. E que o teatro, quando guiado por escuta e rigor, é capaz de fazer a palavra respirar de um modo novo.

Há uma força particular nesse encontro entre literatura e palco. Talvez seja justamente aí que a peça se torna tão necessária: ao lembrar que a tristeza, assim como a linguagem, se move, se deforma, se abre, nunca se fecha completamente. E que a arte, quando assume esse movimento, encontra sua potência mais verdadeira.

Indicação:

Peça: Triste! Triste… Triste?

Local: Teatro Do Núcleo Experimental (R. Barra Funda, 637, Barra Funda – São Paulo / SP)

Última semana em cartaz

Dias: sábado e domingo, 29 e 30 de novembro

Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia)

Link para ingressos: https://www.sympla.com.br/even...

Vanessa Passos é escritora, roteirista, professora de escrita criativa, doutora em Literatura (UFC) e pós-doutora em Escrita Criativa (PUCRS), sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. É idealizadora do Programa 321escreva, do Método Mais Vendidos e do Encontro Nacional de Escritoras. Lidera uma comunidade de escritoras que tem voz em mais de 9 países, orientando centenas de escritoras a escrever, publicar e divulgar seus livros. Autora do volume de contos A mulher mais amada do mundo (2020). Seu romance de estreia A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura (2021), do Prêmio Jacarandá (2022), do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura (2023) e vai ser adaptado para o cinema pela Modo Operante Produções, agora publicado pela José Olympio. É colunista do Jornal O POVO e do PublishNews. Nas redes sociais, a escritora pode ser encontrada no perfil: @vanessapassos.voz.

Publicidade
Leia também
Ao reunir histórias que se equilibram entre o íntimo e o universal em 'De repente nenhum som', Bruno Inácio reafirma que, às vezes, o que não se diz tem mais peso do que qualquer frase inteira. Leia a coluna!
Em novo romance independente, Marília Lovatel articula destinos com um olhar poético que evita o sentimentalismo e se detém na potência do detalhe
Livro se aproxima da tradição dos romances de formação tardia, ou seja, histórias de adultos que, em meio ao colapso de certezas, descobrem que crescer não é apenas uma questão de idade
'Eu, inútil' é um livro que olha de frente para o impacto psicológico da maternidade narcisista, mas sem reduzir sua personagem à dor
Em 'Engravidei' (Caravana Grupo Editorial)​, Andrea Nunes se lança num mergulho íntimo e corajoso
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Peça escrita e dirigida por Nicolas Ahnert, com atuação visceral de Thalles Cabral, tem últimos dias em cartaz em São Paulo
No episódio da semana, o escritor e influenciador Tiago Valente explica o que pensa sobre o fenômeno da 'leitura performática', tradução da expressão 'performative reading', uma tendência que vem se consolidando nas redes sociais
Para a dupla de escritoras estrangeiras, um dos choques culturais mais curiosos foi perceber como os brasileiros estavam sempre se abraçando, como se fôssemos parentes distantes em sucessivos reencontros
Ao reunir histórias que se equilibram entre o íntimo e o universal em 'De repente nenhum som', Bruno Inácio reafirma que, às vezes, o que não se diz tem mais peso do que qualquer frase inteira. Leia a coluna!
Fernando Tavares destrincha tendências de inteligência artificial e separa possíveis aprendizados para o mercado editorial brasileiro
Eu definiria o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo.
Umberto Eco
Escritor italiano (1932-2016)

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar