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Os melhores lugares de São Paulo para aproveitar a tristeza
PublishNews, Leonardo Garzaro, 03/01/2023
Em sua coluna, Leo Garzaro fala sobre os 'melhores lugares da cidade para uma breve infelicidade' e das boas surpresas que o passeio pode trazer

Comecei a última semana desanimado. Apesar da alegria em iniciar esta coluna no PublishNews, bem como das mensagens gentis que recebi de muitos amigos do mercado editorial, estava desanimado. O motivo foi um check up: lambuzaram meu tronco com aquele gel gelado, e a ultrassonografia viu um nódulo onde não deveria haver nódulo, um cálculo onde não deveria haver cálculo. Ah, o colesterol bom estava péssimo. E o colesterol ruim, esse sim vai de vento em popa!

Tranquilizo os leitores: não é nada sério. A família sequer entendeu porque me senti derrubado. Contudo, próximo de completar 40 anos, sinto que chegou ao fim aquela fase na qual visitava o médico para ouvir elogios que nem sei de onde vinham, a saúde perfeita sem que eu precisasse fazer nada. Antes, o corpo era aquele filho prodígio, que tira ótimas notas sem revelar de onde herdou a inteligência. Agora, tornou-se a criança repetente, que envolve toda a família nas dificuldades da gramática, que faz avós e primos se perguntarem qual era mesmo a diferença entre adjetivo e locução adjetiva.

Diferente de muitos, não quis me afastar da tristeza. Há um certo desespero na alegria contínua. Claro que a depressão é doença e deve ser tratada, cuidada com atenção, mas não acho que há problema em se arrastar por alguns dias, repensando as coisas, deixando o olhar pousado no horizonte sem ver nada. A tristeza me parece uma bebida amarga, que, em pequenas doses, tem seu sabor.

Comecei a pensar quais seriam os melhores lugares para ficar triste em São Paulo. Imaginei a Laura Di Pietro, editora carioca, dizendo que a cidade toda é ótima para isso, mas, calma! Quero dizer que não faltam guias de melhores bares de SP, melhores praias, melhores festas, melhores shows de rua. O que fazer no final de semana com crianças, com pets, em casal, com amigos. Mas, quais os melhores lugares da cidade para uma breve infelicidade?

O primeiro lugar que me ocorreu foram os pontos de Natal, onde as luzes, e crianças, e enfeites, se desenham há alguma distância. Estar isolado, observando tranquilamente a alegria alheia é uma ótima pedida. Entrega a sensação de que a felicidade está ali, na esquina, e basta dar alguns passinhos para mergulhar em flocos de neve, renas e presentes. Podemos curtir uma fossinha, mas é bom deixar a alegria por perto.

Outra boa pedida são as pistas de skate. Acreditem de mim: é um alento para o coração solitário assistir aqueles meninos e meninas desesperados para fazerem um flip, um ollie, um rocket air grab como se o futuro da civilização dependesse disso. Curtindo minha solidão, fui até a praça Roosevelt, e me encantei a ponto de considerar umas manobras. Felizmente, desisti antes que, aos problemas de saúde já existentes, se somassem uma luxação ou menisco fraturado (confesso que sequer imagino onde fica o menisco, mas, pelo nome, parece algo terrível de se quebrar).

Era sábado e, já que estava na vizinhança, caminhei sem pressa até a rua Rocha, onde fica a Livraria Simples. Dar uma olhada nos livros, acompanhar um lançamento, certamente ler um pouco era uma boa pedida. Logo na entrada, quase fui atropelado pelo João, neto da dona Geralda. Ela estava trabalhando, ele brincava por lá. Moram na vizinhança. Cumprimentei a Aline, o Beirigo, o Erico, que estavam no caixa. Observei o carinho com que eles preparavam os embrulhos, carimbando, letra a letra, o nome dos clientes. São adoráveis.

Livraria Simples
Livraria Simples
Encontrei entre os corredores alguns livros que editei. Encontrei muitos outros de autores amigos, de editores amigos, de velhos conhecidos. Como é bom estar no mercado editorial! Ao ver o livro da Giovana Madalosso, por exemplo, lembrei daquela foto linda na qual ela está no meio da selva, escrevendo em condições mínimas, com a iluminação possível. O livro Antifa, de Mark Bray, da editora Autonomia Literária, me lembrou de quando ajudei o Cauê Ameni a remeter uma invoice para o exterior.

Nos fundos da livraria, um DJ ajustava o som. Mais tarde haveria um evento, algumas pessoas já se aqueciam tomando vinho. O ambiente me contagiou. Fizeram uma graça sobre o Beto sempre perder o celular, Felipe me deu de presente um exemplar do livro Memórias Resistentes, Memórias Residentes, editado pela Prefeitura de São Paulo. A dona Geralda, vó do João, disse “tá murchinho, filho”, e me ofereceu um cafezinho com bolo. Estava bom! As horas correram, passei a tarde por lá.

Ao sair da livraria, percebi que precisava me apressar para escrever esta coluna. A tristeza já tinha ido embora, o texto perderia seu sabor. Se algum dia escreverem um guia sobre os melhores lugares de São Paulo para curtir uma tristeza, é preciso desconsiderar a Livraria Simples: ninguém sai de lá desanimado.

Leonardo Garzaro é escritor, editor e jornalista. Paulista, nascido em 1983, fundou diferentes editoras independentes e editou dezenas de livros. Seu primeiro romance, o infantojuvenil O sorriso do leão, teve os direitos vendidos para editoras de seis países, com traduções para o inglês, espanhol, turco e árabe. Alguns de seus contos foram publicados na premiada revista norte-americana Literal Latin Voices. É consultor de literatura brasileira das editoras Interzona, da Argentina; Arlequin Ediciones, do México; e Corredor Sur, do Equador. Lançou em 2022 O guardião de nomes, que foi elencado como um dos melhores romances de 2022 pelo Suplemento Literário Pernambuco.

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