A palavra do ano de 2021 escolhida pelo prestigioso dicionário Collins foi “NFT”. A abreviatura de Non fungible token, expressão que significa literalmente ficha não fungível, é a moda, o hype do momento no planeta.
Começando a explicação por fungibilidade. Quem empresta 100 dólares a alguém espera receber os mesmos 100 dólares, mas não necessariamente a mesma cédula representativa da quantia que foi emprestada; podem ser outras cédulas ou uma remessa eletrônica.
No mundo físico, se empresto para alguém 1kg de café, não espero receber de volta a mesmíssima embalagem que entreguei, com igual peso e conteúdo, pois será consumido. Serei restituído com produto igual no peso, mas equivalente nas características e dimensões. Trata-se de bem fungível, isto é, que pode ser substituído por outro de igual qualidade, sem perda da substância.
Já se empresto um livro dos Rolling Stones com autógrafo original de Mick Jagger para mim, o destinatário fica obrigado a devolver aquele mesmíssimo livro. Não há outro igual. Aquele bem emprestado deve ser o mesmo a ser restituído, no prazo e nas mesmas condições. Esse livro autografado tem características singulares, não pode ser substituído; é infungível.
Migrando para o mundo dos bens incorpóreos, os NFTs são códigos aos quais se podem vincular arquivos digitais, ou serviços. São a forma que se encontrou, na tecnologia atual, de individualizar um bem imaterial, reproduzido aos milhões. O exemplo clássico é a imagem da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, ícone da arte, presente no cotidiano desde que foi exposta no Museu do Louvre, em Paris, em 1797.
O original está exposto no museu, diminuto fisicamente para sua fama, sem preço palpável, apesar das ameaças de sopa de tomate; Warhol meets Da Vinci. As cópias digitais circulam como o ar e os sinais de internet. Mas imagine que o Louvre certificasse uma dessas cópias digitais, um arquivo JPEG (de Joint Photographic Experts Group), e esse arquivo fosse considerado “A” versão digital da Gioconda.
Com sua pintura já quebradiça, seus detalhes (o dedo mínimo da mão direita não teria sido acabado), suas dimensões, essa réplica virtual teria uma tatuagem na aura (alô Walter Benjamim!). O colecionador que a adquirisse poderia exibir na tela digital em sua parede, ou na sua sala no metaverso, o resultado cromático de códigos eletrônicos geradores da obra de arte imaterial única, vinculada a um NFT.
Essa tecnologia surgiu em 2008, e permite registrar o curso das informações em formato imaterial, com grande segurança e precisão, de modo que se possa atribuir a propriedade de determinado bem imaterial, transferi-lo e acompanhar o trajeto de sua transferência de vínculo. Esse é o sistema blockchain.
Nesse sistema podem ser utilizadas moedas para as mais diversas operações financeiras, e uma variedade de formatos jurídicos, como operações financeiras, garantias, dívidas, serviços, etc. A Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou que em 2023 o IPTU dos imóveis da cidade poderá ser pago em criptoativos.
E o livro autografado nessa história? Ora, um livro autografado é um NFB, non fungible book (dei uma busca no Google e não achei essa expressão, que criei em 16.10.22, as 07h12). Existem inúmeros exemplares idênticos de cada edição ou tiragem publicada em papel, mas aquela com a assinatura original do autor, e eventualmente com uma dedicatória personalizada, enriquece a alma do proprietário e no futuro pode aumentar seu patrimônio material, ou de seus herdeiros. Tenho na minha estante de livros a deliciosa prateleira dos autografados, que serão uma dia muito bem apreciados e cuidados por meus queridos filhos.
Assim, a um livro físico é agregado um código impresso em tinta, a dedicatória e assinatura do autor, que o torna único, singular, personalizado.
Então um livro físico autografado é um NFB! Se torna único, contém o símbolo impresso, assinatura do autor, que singulariza aquele exemplar, dentre os vários publicados fisicamente, com mesma forma e conteúdo. Já falei aqui sobre autógrafo em 2014 e 2021 e talvez seja útil rever algumas histórias a respeito (Autógrafo, manuscrito e matriz | PublishNews e Tarde de autógrafos - as origens e a retomada | PublishNews).
Ainda no mundo físico, uma camisa retrô do Flamengo pode ser comprada por R$ 200 on-line, mas a mesma camisa autografada pelo Zico se torna única no meio das demais e seu preço pode chegar a milhares de reais. Para os paulistas, vi que uma camisa do Santos autografada por Pelé foi arrematada num leilão beneficente por R$ 300 mil. Já os FTS, imagens de Tom Brady e Cruyff tem saído bem mais caras que objetos físicos ligados a eles.
Voltando ao imaterial, como seria o autógrafo do audiobook? Ora, o autor gravaria uma dedicatória, cujo arquivo de voz seria vinculado ao livro sonoro. Uma variação, o NFAB, non fungible audio book.
E como se autografaria um e-book? Quem sabe uma foto, ou vídeo, ou print de uma tela no metaverso, na noite de... autógrafos (?), melhor, noite de lançamento, com autor e leitor lado a lado, incorporada diretamente ao livro. Mas o DRM (Digital Rights Management, código eletrônico que impede a reprodução dos e-books) talvez vetasse a alteração de conteúdo. Então só fotos autorizadas pela editora e autor seriam tatuadas no livro; NFEB, non fungible ebook.
Essa mutação, que agrega material e imaterial, pode ser um segundo estágio, pós invasão dos bens imateriais. Salvo alimentação, moradia e transporte, os bens imateriais invadiram o mundo. Ações de companhias, vídeos, músicas, livros, leis, voto, toda a informação é convertida para o mundo imaterial.
O NFT, ou NFB tem reflexos econômicos, representa a escassez artificial planejada, a singularidade, diferencia um bem imaterial dos demais. Além desse aspecto, todo um ambiente digital se desenvolve em torno do mundo editorial. Livrarias no metaverso já surgiram na Coreia, smart contracts (sobre eles vem artigo em breve) que permitem pagar ao autor (prioritariamente de obras de artes) parte do preço em cada revenda de obra, são novidades que refletem também no mundo jurídico.
A Feira do Livro de Frankfurt acontece essa semana, com muitas novidades, com destaque para o BookTok e audiolivros, que abordei nos meus dois últimos artigos aqui do PublishNews. As obras trocarão de editoras em silêncio e o mundo vai se se integrando na paz dos livros. Vamos ver como se portarão os NFBs e suas variações.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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