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Autógrafo, manuscrito e matriz
PublishNews, 29/01/2014
Autógrafo, manuscrito e matriz

A identificação das pessoas pela assinatura é uma das principais marcas do ser humano através da história, seria uma projeção gráfica da personalidade do autor. Desde o uso das penas de animais, passando pela caneta tinteiro, Bic e Montblanc, o “desenho peculiar” do nome se vincula ao seu autor, a ponto de existir o reconhecimento de firma, a conferência da assinatura nos cheques e valiosíssimos bens serem transferidos de mãos com um “rabisco” num papel.

A súbita mudança de identificação da pessoa para o código numérico (CPF), o código de barras (carteiras de identidade), a senha do cartão eletrônico ou a “assinatura digital” constitui mudança relativamente recente, que já começa a sofrer a rápida competição da biometria (identificação pela íris ou impressão digital).

No entanto, casos emblemáticos da identificação manuscrita permanecem com espaço próprio na nossa legislação. Começando pelo “autógrafo”, que além de significar a assinatura de pessoa notória, é o nome dado ao texto original de documentos oficiais (como nomeações) dos projetos de lei e das próprias leis, com a assinatura do responsável. De fato onde ficam, hoje, as leis originais (como o exemplar original da Lei Áurea) que antigamente eram todas manuscritas?

Assim é que o Manual de Redação da Presidência da República, descreve a comunicação de sanção (aprovação de projeto de lei pelo Poder Executivo, no caso o Presidente) da seguinte forma: “h) comunicação de sanção (com restituição de autógrafos). Esta mensagem é dirigida aos membros do Congresso Nacional, encaminhada por Aviso ao Primeiro Secretário da Casa onde se originaram os autógrafos. Nela se informa o número que tomou a lei e se restituem dois exemplares dos três autógrafos recebidos, nos quais o Presidente da República terá aposto o despacho de sanção.”

No Regimento Comum do Congresso Nacional também consta referência ao termo: “Art. 52. Aprovado em definitivo, o texto do projeto será encaminhado, em autógrafos, ao Presidente da República para sanção.”

E as assinaturas servem, também, para registrar termos de posse em cargos públicos e ainda a adesão a tratados internacionais. Então fica claro que apesar das demais identificações imateriais (assinatura digital, contratos de adesão on line, etc.), o autógrafo ainda tem seu destaque no mundo oficial.

O manuscrito, por sua vez, é referido na Lei de Direito Autoral brasileira (Lei 9.610/98, doravante LDA), no art. 38, que diz: ”O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado.” Sem entrar no mérito do dispositivo, o fato é que o referencial de obra literária, naquele dispositivo legal, é o manuscrito. No capítulo do contrato de edição faz-se referência mais atual a originais, como substantivo: “Art. 58. Se os originais forem entregues em desacordo com o ajustado e o editor não os recusar nos trinta dias seguintes ao do recebimento, ter-se-ão por aceitas as alterações introduzidas pelo autor.”

Aqui, então, o manuscrito é entendido como uma das formas de apresentação das versões originais de obras literárias.

Por último temos as “matrizes”. No tempo em que o suporte físico, isto é, o objeto em que se corporificam as obras literárias, como os livros de papel, os CDs, e as vetustas fitas cassetes, dependia de uma matriz, sua importância era enorme, pois desse “original” nasciam os exemplares, que o reproduziam. Assim, uma forma de aço prensava os CDs, os negativos geravam as fotos e os fotolitos permitiam a impressão dos livros. Relembro aqui o art. 56 da lei anterior de direitos autorais (5.988/73): “A tradição de negativo, ou de meio de reprodução análogo, induz à presunção de que foram cedidos os direitos do autor sobre a fotografia.” Como era importante o negativo!

Tanto é assim que até hoje a LDA estabelece, no seu art. 106: “A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição.”

Com a reprodutibilidade das obras de arte, muito bem abordada por Walter Benjamin, em 1937, deixam de ter importância cotidiana autógrafos, manuscritos e matrizes - estas últimas ainda tem destaque, por conta das esculturas - mas passam a fazer parte da história, como modo de transmissão de conhecimento e identificação do ser humano.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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