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Butiás da literatura brasileira
PublishNews, Paulo Tedesco, 24/08/2020
Em nova coluna, Paulo Tedesco discute a influência da política de cotas na literatura nacional, ao descobrir que Jeferson Tenório, ganhador do Jabuti, ingressou em universidade por esse mecanismo

Num encontro público recente, tive a oportunidade de saber, diretamente do autor, que ele fazia parte do contingente de alunos da política de cotas raciais das universidades. Esse autor era nada menos do que Jeferson Tenório, nascido na Bahia e morador aqui de Porto Alegre, e escritor de um dos mais premiados romances da atualidade, O avesso da pele (Companhia das Letras), vencedor do Prêmio Jabuti 2021.

Como há algum tempo meditava sobre as dificuldades de escrever ficção no Brasil, de se tentar viver da escrita, descobrir a história do Jeferson moveu minhas engrenagens. Sabia da concentração de editoras e da importação de livros que afogam o leitor com títulos estrangeiros, e fui somando ao incrível fenômeno de termos leitores que nunca, veja bem, nunca leram um romancista nacional. Sim, eu ouvi de uma leitora que dizia, gabando-se que, se nem na escola precisara, não seria agora. E, como dizem aqui, me caiu os butiás do bolso!

Feito isso, vem à memória Machado de Assis, Castro Alves, Maria Firmina dos Reis, entre outros, que, além de escreverem nessa língua periférica de um país periférico, tinham também o racismo a lhes barrar pretensões artístico-literárias. Machado, pelo que sei, lutou e abriu a Academia Brasileira de Letras (ABL), e ali conseguiu alguma estabilidade financeira, mas, e os demais? Quem, no Brasil, sendo negro, teve o mesmo espaço destinado aos brancos? Ou, sendo nativo indígena, que ainda hoje é visto com desconfiança, ainda que lidando com a língua do dominador branco, se assumiu indígena e publicou com sucesso e louvas midiáticas e acadêmicas?

E recorro, agora, à memória da faculdade na UFRGS, onde discutíamos as limitações do escritor, sem nunca nem ninguém ter colocado em questão o racismo, o machismo, opção sexual e a invisibilidade dos povos originários. Não é coincidência, nos 1990, o incensamento de romances como O Quatrilho, de José Pozenato, entre outros a falar da imigração branca e europeia, seu sucesso e riqueza: a esses, sim, foi dado alguma escola, voz e terras, enquanto aos demais nem bananas.

E pela invisibilidade passam outros, muitos outros. Afinal, no mundo editorial, se hoje é motivo de celebração termos o Paulo Scott, o amarelo de irmão negro, de Marrom e Amarelo (Companhia das Letras, 2019), ou a recuperação de nomes como Oliveira Silveira, ou a luta de Ronald Augusto para manter a poesia e a literatura em sua melhor forma, num passado nada distante eram publicados os amigos do editor e dos donos do jornal, ou daqueles que muitas vezes silenciavam diante das atrocidades da ditadura. Aliás, é bom perguntar, quantos escritores negros tiveram empregos em redações dos grandes jornais e conseguiram publicar seus livros?

Não podemos julgar alguns pela inexistência de outros, porém, sim, sempre houve cotas para brancos classe-média, sempre. Oportunidades iguais, no Brasil, foram raras na história, e a atual política de cotas nas universidades é uma dessas, e bom será o dia quando voltarmos a investir, com cotas também nos autores e no mercado editorial, como patrimônio cultural da nação. Mas, sobre isso, aguardemos. 2023 é logo ali.

Paulo Tedesco é escritor, editor e consultor em projetos editoriais. Desenvolveu o primeiro curso em EAD de Processos Editorais na PUCRS. Coordena o www.editoraconsultoreditorial.com (livraria, editora e cursos). É autor, entre outros, do Livros Um Guia para Autores pelo Consultor Editorial, prêmio AGES2015, categoria especial. Pode ser acompanhado pelo Facebook, BlueSky, Instagram e LinkedIn.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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