'A Saraiva machucou muito o mercado', diz Marcos Guedes
PublishNews, Thales de Menezes, 22/08/2022
Em entrevista ao PN, o CEO da empresa fala de bons resultados iniciais na redução da dívida e destaca a busca da credibilidade das editoras e do público como grande desafio e maior necessidade na jornada de recuperação da rede

Marcos Guedes | © Divulgação Saraiva
Marcos Guedes | © Divulgação Saraiva
Em recuperação judicial desde 2018, a Saraiva está novamente sob o comando de Marcos Guedes. Ele já havia ocupado como interino a função de diretor-presidente durante o exercício social de 2021, e desde junho está definitivamente no cargo, substituindo a Sandro Alves Benelli. A empresa divulgou seu desempenho no segundo trimestre deste ano, com lucro líquido de R$ 20,15 milhões no período. O comunicado oficial destaca como a principal conquista no trimestre a homologação do 2º Aditamento ao Plano de Recuperação Judicial – PRJ, ocorrido em 19 de abril, autorizando que credores recebam ações da empresa como pagamento.

O PRJ também permitirá que a Saraiva otimize seus recursos financeiros, tornando possível a reposição do estoque por meio de compras e a retomada do crédito para operações de consignação, melhorando substancialmente a oferta de produtos nas lojas. A tradicional agenda de eventos nas lojas está sendo retomada. Parte desse movimento já mostra seus efeitos em julho, com o aumento de 36% na receita em relação ao mês de junho.

Em entrevista ao PublishNews, Guedes fala do momento da empresa, comemora de forma contida o bom resultado do aditamento e admite que a Saraiva ainda não está salva. Afirma que a recuperação judicial da empresa machucou muito o mercado, o que impõe à Saraiva uma árdua tarefa de reconquistar a confiança dos editores. Ele fala também sobre a situação da Saraiva em vendas digitais e comenta as perspectivas do mercado depois da eleição presidencial.

Em novembro do ano passado, Guedes participou do Sabatina PublishNews e falou, dentre outros assuntos, sobre a situação da varejista.

PublishNews – Em que ponto está agora o movimento criado para salvar a Saraiva?

Marcos Guedes – A Saraiva não está resolvida. Alguns avanços aconteceram, estamos no processo de converter dívidas em ações. Temos R$ 160 milhões em dívidas que vão virar ações. O resto da dívida em recuperação judicial vai começar a ser pago em 2026. Melhorou bastante. A companhia tem nessa conta quase R$ 600 milhões de dívidas que deixaram de precisar ser resolvidas a curto prazo. A dívida junto ao Banco do Brasil foi vendida para o Fundo Travessia, temos esse montante que virou ações e o restante para começar a pagar daqui a quatro anos. Mas tem a dívida assumida depois da recuperação judicial, a dívida que a gente fez depois de começar a pandemia. Essa é uma dívida que ainda pressiona o caixa, e a gente está trabalhando para poder fazer com que ela seja paga. Foi um grande passo vencido, mas ainda não chegou ao final.

PN – É possível pensar em expansão da rede?

MG – Eu estou agora apto a fazer a minha expansão, mas é difícil conseguir ponto. Os preços estão mais duros, a minha capacidade financeira reduziu. Com certeza eu vou começar um projeto de expansão em 2023. Mas vai ser, vamos dizer, de um jeito low profile, bem do jeito que a Saraiva está indo, porque ainda temos bastante a entregar até os editores voltarem a ter confiança na Saraiva. Eu, particularmente, acredito muito. Acho que a Saraiva deu grandes passos, mas eu não posso criar uma grande expectativa e depois não conseguir entregar. Temos sido muito comedidos nesta questão.

PN – Como estão hoje as relações com as editoras?

MG – A Saraiva machucou muito o mercado. As pessoas falam muito mal do que aconteceu com a Saraiva lá atrás. Depois da recuperção judicial da Abril, depois da Cultura, e a Saraiva no mês seguinte, tudo foi muito pesado para o mercado editorial. Depois veio a pandemia e os planos não foram cumpridos, isso deixou todo mundo mais ressabiado ainda. Credibilidade é uma coisa que a Saraiva ainda tem que trabalhar muito para recuperar.

PN – Isso afeta a reposição, a compra de livros fica dificultada?

MG – Já foi pior. Hoje em dia tem atrapalhado um pouco, mas eu digo para você que no ano passado atrapalhou bastante. Por isso a gente tem que estar centrado e ir mostrando um crescimento real. Eu não estou aqui soltando fogos, eu tenho um projeto muito grande para fazer, é difícil demais salvar a Saraiva. A empresa não está totalmente salva. Pode continuar funcionando por anos, sim, mas ela vai voltar a ser a Saraiva que ela já foi um dia? É um trabalho muito grande, ainda que tem que ser feito. Eu não posso criar uma expectativa de que eu tenho dinheiro para pagar todo mundo, porque eu ainda não tenho. O caixa ainda é uma questão que precisa de muita atenção.constante.

PN – Há um trabalho para transmitir ao público a volta da normalidade na Saraiva, não? As lojas voltaram a fazer suas atividades com crianças, rodas de leituras...

MG – A Saraiva está voltando às origens, ela está se fortalecendo, volta a ser livraria e papelaria. Essas rodas de leitura, esses eventos, eles faziam parte da Saraiva antes das megalivrarias. A gente tem um compromisso de manter um tamanho no mercado para garantir o faturamento mínimo que a gente precisa. Para isso, precisa voltar a ser aquela Saraiva de antes, uma loja na qual você encontra o livro que procura, um lugar legal para levar o filho ler um livro infantil, um lugar para ouvir alguém falando sobre um tema. Enfim, queremos voltar a trazer essa experiência para o cliente, é o que a gente está buscando todos os dias. Eu trabalho muito forte com as editoras para fazer com que elas fiquem cada vez mais perto da gente.

PN – Apesar das boas notícias, o último relatório trimestral exibe os problemas da Saraiva.com. As quedas são muito grandes. Como vocês estão lidando com isso?

MG – No ano passado, o plano de recuperação judicial era fazer a venda do on-line para pagar as dívidas e minimizar a situação da companhia. Estava no segundo plano de recuperação da empresa, votado em fevereiro. Nós tínhamos interessados no site da Saraiva, mas no fim de junho o mercado acabou dizendo não à compra. Só a partir daí é que a Saraiva passa de novo a tomar conta do seu on-line. Ele estava sendo vendido, então não era o core da companhia. Daí para a frente a gente começou a fazer um plano para reestruturar o on-line, do jeito que deveria ter sido antes. A gente está relançando a plataforma em setembro. Ninguém vai ganhar muito dinheiro no on-line com os livros. A Amazon dilui o prejuízo na venda dos livros em outras categorias. Se você pensar em concorrer com a Amazon, vai quebrar a cara. A ideia que a gente tem com a nova plataforma é repaginar toda a estrutura, atualizando o site para ações que alavanquem as lojas físicas. O resultado de qualquer site com venda de livros é realmente muito pequeno.

PN - Existe algum recurso ao qual a Saraiva ainda possa recorrer para reduzir a dívida?

MG – A redução da dívida está feita. Quem aceitou a opção vai receber 20% em ações e perdoar o restante. A dívida vai ser paga a partir de 2026, dentro do fluxo que está no plano. Além disso não tem mais nada para se reduzir da dívida em recuperação judicial. Quanto à dívida feita depois, eu também estou oferecendo às pessoas a conversão em ações, porque eu também não consigo pagar todos em curto prazo. Muitos aceitam porque é uma forma para eles terem o seu dinheiro de volta mais rápido, em vez de eu levar cinco anos para pagar. Eles pegam as ações e vendem quando quiserem.

PN – Como você vê o futuro da Saraiva, e do mercado como um todo, depois da eleição presidencial?

MG – Eu não acho que a eleição propriamente dita afete o mercado editorial. A gente conhece o país, ele acaba se adequando sempre, independentemente de quem está liderando. O mercado sempre foi muito inteligente e astuto nisso. Mas a gente tem que tomar cuidado quando esses dirigentes resolvem começar a mexer em política pública, política de educação, no PNLD. Aí o mercado passa a sofrer. Por exemplo, mexer na regra do imposto sobre o livro. Acho que nem o atual presidente e o talvez futuro presidente, os dois primeiros nas pesquisas, eles não têm atividades que possam mudar muito as políticas públicas da leitura e da educação nos próximos quatro anos. O que pode acontecer é uma maior recessão, um varejo um pouco mais fraco ou sem muito dinheiro, dependendo do candidato que ganhar. O que a gente precisa é aprovar a Lei Cortez, a gente precisa manter a livraria de bairro e começar a aumentar as livrarias nas cidades menores. Sair um pouco da dependência da internet. Tem que aumentar a capilaridade e fazer com que a livraria pertença a cada uma de suas comunidades, atuando na educação e na cultura daquela região. Acho que esse é o principal ponto.

[22/08/2022 11:00:00]