Quatro séculos depois de publicado pela primeira vez, A arte da sabedoria mundana, de Baltasar Gracián (1601-1658), segue desafiando leitores a pensar a prudência, a ética e as contradições da vida em sociedade. Texto-chave do Barroco espanhol e referência constante para filósofos como Schopenhauer (1788-1860) e Nietzsche (1844-1900), o compêndio de trezentos aforismos ganha agora uma edição de luxo que tensiona palavra e imagem: cada fragmento é acompanhado por intervenções visuais do artista gráfico Pojucan, que dialogam com o pensamento de Gracián sem ilustrá-lo de maneira literal.

Ilustrador, designer gráfico, cenógrafo e pesquisador em artes visuais, Pojucan construiu uma trajetória que atravessa televisão, imprensa, ensino e exposições institucionais, entre elas uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio). No recém-lançado A arte da sabedoria mundana: com imagens de Pojucan (Relicário), esse repertório múltiplo converge para um livro-objeto concebido ao longo de quinze anos, no qual o artista propõe uma leitura visual contemporânea para um texto do século XVII, preservando a sua densidade filosófica e a sua ironia mordaz.

Na entrevista a seguir, Pojucan fala sobre o desafio de criar imagens para um clássico do pensamento moral, o tempo de maturação do projeto e o que esse encontro prolongado com Gracián revela sobre sua própria trajetória artística. "O que esse livro revela sobre mim? Acreditar em si próprio e persistir em um sonho até virar realidade!", instiga ele. Leia:

PUBLISHNEWS — ⁠O que um artista visual pode revelar, ou tensionar, em um texto filosófico escrito há quatro séculos? Houve algum aforismo que imediatamente pediu uma imagem? Ou alguma imagem que surgiu antes da leitura e mudou a forma como você relia Gracián?

POJUCAN — Apesar de ser um texto escrito no século XVll, o texto de Baltasar Gracián se mostra importante e atual tendo em vista a temática abordada. As questões vivenciadas pelo ser humano no seu dia a dia, as contradições da época e as atuais convivem lado a lado independentemente do arco temporal, por isso atuais. Não poderia me ater a um aforismo em especial, pois o universo proposto por Baltasar é muito amplo e não caberia destacar um aforismo em especial, tendo em vista tão amplo repertório de pensamentos. A imagem da capa (aforismo 146) é, para mim, uma pequena síntese do conceito estabelecido no decorrer do livro – a procura de um sentido e do descobrimento do interior de cada um de nós.

PN —⁠ ⁠A sua carreira passa por televisão, imprensa, salões de humor, cenografia, design gráfico, ensino e artes visuais. Como esses mundos se encontram nesta edição? Em que momento da sua carreira você notou que texto e imagem poderiam ser camadas do mesmo pensamento?

P — Tendo trabalhado em televisão, imprensa, design gráfico e em artes visuais, o que me deixa um pouco mais seguro ou até relaxado seria a possibilidade de buscar como meta a síntese daquilo que estou fazendo, ir ao cerne da questão. Nesse sentido, o exercício dessa premissa foi de muita ajuda pra tentar encontrar um caminho, de modo que interpretasse o texto de Gracián.

PN —⁠ ⁠O que significou para você criar imagens para um livro-objeto tão marcado pela ética, pela prudência e pela ironia barroca? Você atualizou Gracián para o século XXI ou preferiu deixá-lo falar por contraste? E levou quantos anos até colocar, digamos, o traço final nele? O que esse livro revela de muito seu?

P — Penso que ao texto de Gracián não cabe atualização, pois ele será sempre atual – hoje, amanhã e daqui a trezentos anos. Gracián será sempre contemporâneo. As questões não mudam, o que muda é o tempo, os séculos. Enquanto existir o ser humano, as mesmas questões existirão. Demorei quinze anos desde que descobri o Gracián até a finalização do livro e sua publicação. O que esse livro revela sobre mim? Acreditar em si próprio e persistir em um sonho até virar realidade!