Nesse artigo, trato do encolhimento de escritórios e bibliotecas, circulação de livros usados e medição de empréstimos de livros eletrônicos, como novo índice de leitura.
No mundo dos negócios, após a venda direta de ações de companhias, o chamado mercado primário, esses títulos passam a ser negociados no forte mercado secundário, negociado por investidores. Comparando com o mercado editorial, parece que a pandemia cria condições para fortalecer o mercado secundário de livros. Nesse artigo, procuro alinhar os fatores que levam a essa impressão.
O Rio de Janeiro tem um grande livreiro, cheio de histórias, o Germano, da Livraria São José. Conheci o sebo na Rua do Carmo, loja enorme, comprida, pé direito alto, com os dois andares cheios de estantes abarrotadas. Quando um advogado bibliófilo falecia, ele corria, comprava a biblioteca e logo ligava para os compradores frequentes avisando das raridades jurídicas postas à venda. Era uma corrida.
Noutro plano, quando estagiário, algumas vezes separei livros de direito fora de meu alcance financeiro e coloquei na estante de engenharia para afastar mãos e olhares cobiçosos, e, quando tivesse dinheiro, comprar aquele exemplar de desejo, momentaneamente incompatível com o orçamento.
Hoje a Livraria São José funciona numa pequena sala no centro e se adaptou aos novos tempos.
A ignição desse artigo começa com a notória redução de tamanho dos escritórios de advocacia, pelo fenômeno do home office, decorrente da pandemia, e dificuldade de manutenção das grandes bibliotecas, pelo grande espaço ocupado pelos livros.
Testemunhei, recentemente, um advogado que, após oferecer obras clássicas e raras de direito e literatura para amigos e bibliotecas, e ouvir pela enésima vez que adorariam, mas não tinham espaço, se desfazer dos volumes através do porteiro do prédio, pois nem o comprador de papel do centro tinha mais espaço. Na verdade seriam vendidos baratíssimo como aparas de papel. E assim vai.
A redução do tamanho dos apartamentos e escritórios empurra os livros antigos para fora dos imóveis. Eu mesmo acomodo como posso meus livros, que já eles quase me expulsam do meu escritório, mais assemelhado a um “Gabinete de Curiosidades”. Ainda não migrei para os e-books, mas com medo da covid já me instalei no mundo do e-newspaper.
Quais seriam as opções de descarte de parte das bibliotecas que não cabem nos imóveis? Vender como aparas de papel, para preservar as florestas e ecologia? Vi que é uma grande indústria com escala de qualificação de tipos de papéis, mas que se destina a empresas de porte, como gráficas e jornais.
Veio à mente, então, a ratio da economia contemporânea. O Airbnb não tem imóveis, mas faz a união dos interessados, a Uber não tem carros, mas liga passageiros a motoristas, o Facebook não produz conteúdo, mas expõe a produção de “autores” aos leitores virtuais.
O indispensável e instigante mercado de novos livros continua navegando no oceano da pandemia, com novas livrarias, substituindo Cultura e Saraiva, e a onipresente e tentacular Amazon. Os e-books ganhando seu espaço, na medida que a geração do grey power vai se rendendo a leitura na telinha.
Mas e as bibliotecas de livros físicos que vão sendo desfeitas? No momento as bibliotecas do economista Carlos Lessa e do jurista Celio Borja estão à venda. Principal problema na comercialização? Espaço para colocar o total de 75 mil exemplares (60 mil + 15 mil).
Juntando os pontos acima me lembro da Estante Virtual, e em conversa com o craque Marcus Gasparian, da charmosa Livraria Argumento, surge a ideia de oferta dos livros prestes a serem canibalizados. Me ocorreu a repetição do fenômeno Napster de união entre os donos de obras e os consumidores, que no caso era feito com fonogramas.
Com seu agudo senso de oportunidade, o Magazine Luiza comprou a plataforma de negócios Estante Virtual, da Livraria Cultura, por R$ 31 milhões, em fevereiro de 2020, conforme nota desse PublishNews. Em consulta feita no fim de dezembro, a Estante Virtual tinha à venda 19.306.735 livros, de 2.699 livreiros. Segundo o site, ali são vendidos livros “novos, usados e seminovos de milhares de sebos e livrarias.”
Não sou comerciante, nem especialista em logística, mas a oportunidade de circulação dos livros é um fator de relevo na sociedade do conhecimento. Assim, também poderia haver espaço para a comercialização dos livros pelos usuários, que não iriam ter ganho financeiro, mas permitiriam fazer o livro circular no mercado secundário. Há histórias interessantes no exterior.
E mesmo que a Estante não se disponha a vender os livros, uma logística para encaminhar livros usados a bibliotecas seria de grande utilidade. Afinal, a rede de entregas de produtos do Magazine Luísa poderia ser utilizada em paralelo.
Além do comércio/escoamento dos livros físicos antigos, o mercado procura seus caminhos e surgem novos parâmetros para medir o consumo de livros. Em novo conceito, a lista dos e-books mais emprestados (most borrowed) já ganha destaque no mundo. Em Toronto, por exemplo já existe essa lista de “mais emprestados”. Artigo publicado no site Goodereader informa que 366 milhões de e-books e audiobooks foram emprestados em 2020. Aqui mais um exemplo da substituição da sociedade da propriedade pela de compartilhamento, ou utilização temporários. O mercado muda muito rápido, mas há espaço para livros novos e usados; essencial o investimento na formação de leitores, num país com mais de 200 milhões de habitantes.
Ainda existe a questão – que será abordada em outro artigo – da diferença do preço de venda da licença de leitura para uma pessoa física e para uma biblioteca, já que essa vai comercializar essa licença várias vezes, então paga um preço maior.
Essa foi a minha 80ª coluna publicada no PublishNews. Um prazer refletir sobre esse mercado, com tantas mudanças desde que comecei a registar minhas reflexões em 2010.
Por fim, começou uma outra edição do programa Big Brother Brasil. E a estante de livros da casa? E as provas com base em conhecimentos literários, para despertar a curiosidade da audiência de milhões.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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